12.1.08

Miguel Torga (Lisboa)





Lisboa é bonita.

Está ainda para nascer o primeiro insensível que no alto de Santa Catarina não arregale os olhos de espanto diante da formosura dum panorama que a natureza se não gaba de ter repetido.

Entre a investida castelhana do Doiro, em cima, e o esquivo namoro andaluz do Guadiana, em baixo, Portugal merecia a visita calma e demorada dum grande curso de água, que sem a ajuda de noras lhe matasse a sede e, sem leixões, fosse um porto de abrigo.

A secura do corpo pedia refrigério; a agressão do oceano, protecção das vagas.

Quis a sorte que assim fosse e o Tejo abrisse no calcário estremenho um estuário largo e majestoso, fundo e aconchegado que, depois de magoar os montes, os transformasse em miradoiros de sonho.

E de cada colina onde a gente se debruça é um pasmo sem limitações que abrange o céu e a terra na mesma agradecida emoção.

Sobre a toalha límpida do rio cai luz a jorros duma lâmpada hialina, escondida no tecto azul do cenário; e o movimento ritmado das embarcações, o perfil recortado do casario e o enquadramento dos longes arredondam a beleza da tela, dando-lhe realidade.

E, quer queira, quer não, o espírito fica rendido a uma bênção de cor, de grandeza e de harmonia



- MIGUEL TORGA, Portugal (Lisboa).