CONTRA AS MOLHERES
Esforça-te meu coraçom,
não te mates, se quiseres,
lembra-te que sam molheres.
Lembra-te qu’é por naçer
nenhûa que nam errasse
lembrete que seu prazer,
por bondade e mereçer,
nam vi que dele gostasse,
pois nam te des a paixam,
toma prazer se poderes,
lembra-te que sam molheres.
Descansa, triste, descansa,
que seus males sam vingãças,
tuas lagrimas amansa,
leix’as suas esperanças.
Ca pois naçem sem rezã,
nunca por ella lhesperes;
lembra-te que sam molheres.
Tuas mui grãdes firmezas,
tuas grandes perdições
suas desleais nações
causaram tuas tristezas.
Pois nã te mates em vão,
que quanto mais as quiseres,
veras que sam molheres.
Que te presta padeçer,
que taproveita chorar,
pois nunc’outras ham de ser,
nem sam nunca de mudar?
Deix’as com sua naçam,
seu bem nunca lho esperes;
lembra-te que sam molheres.
Não te mates cruamente
por que fez ta grande errada,
que quem de si se nam sente,
por ti nam lhe dará nada.
Vive lançando pregam
por hu fores e vieres,
que sam molheres, molheres.
Cabo
Espanha foi já perdida
por Letabla hûa vez,
e a Troia destroida
por males qu’Elena fez.
Desabafa, coraçam,
vive, nam te desesperes,
que quem fez pecar Adam
foi a mãi destas molheres.
Jorge d’Aguiar
(Cancioneiro Geral, II, 281)
Fonte: Multiculturas