A sua presença explodida de vida num lugar de ausência fazia-me crescer uma onda de calor que marinhava da ponta dos pés à raiz dos cabelos, num arrepio de não sei quê sublinhado pela demora líquida e conivente do seu verde olhar pousado no peitoril do meu.
Só à noite, à fogueira da imaginação, é que sabia recapitular os pormenores do diálogo que não existira e ver com nitidez os contornos do sorriso apenas adivinhado mas raso de promessas e afectos futuros se reinventado no conchego da memória.
Num domingo, à hora das Trindades da tarde, dei-lhe tremendo o primeiro beijo.
Subia das terras um cheiro bom a trigo maduro.
No céu, aguardavam os carneirinhos rosados das nuvens a sua vez de beber no enorme gamelão do mar.
Mesmo rente à linha que cose o horizonte.
Espantado, corri para casa.
Estendi-me sobre a cama de ferro.
E foi aí que o sabor daquele beijo medroso se me tornou real.
Abriu-se numa corola de desejo.
E foi pouco e pouco alastrando-se por sobre a terra púbere do meu corpo.
Para pasmo de minha Mãe, que me lia de cima a baixo, não me apeteceu cear naquele dia.
- CRISTÓVÃO DE AGUIAR,
O fruto e o sonho, 1.ª parte, cap. II, fecho, da trilogia
Raiz Comovida.
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