3.12.25

Alexandre Pinheiro Torres (Portugal dentro das cascas)



PORTUGAL DENTRO DAS CASCAS

 

Antes íamos às árvores da cerca além do claustro
tratar das asas que lhes sonhávamos ao corpo
Primeiro a nau   velas altas         uma casa de sobrado
Depois as santas imagens de pau de cerejeira

Era um Portugal imenso que nem cabia nas cascas
a entrar pelos robles e pinhos de Alcácer
Desenhava-se um mapa e era toda uma serra
O rio Tejo adormecia do voo dele e alheio

Foi impossível    um dia  escrever mais nos lenhos
Começavam a soletrar-se bancos ou mesas das tábuas
e às vezes janelas ornadas que depois se via
serem grades de ferro    postigos só de nuvens

A cerca fechou-se            Nem nela havia árvores
com que sonhar velhas coisas:  memórias só que eram
Ficaram as oitavas rimas e Camões nadando
Hoje       Portugal               seu traço             cabe numa acha


Alexandre Pinheiro Torres

.

1.12.25

Alfonso Brezmes (Beatus ille)




BEATUS ILLE 

 

Felices los que se saben felices,
pues los que lo son sin saberlo
son unos desgraciados.
Felices los mediocres,
porque pueden elegir dos caminos.
Felices los que no han leido a Borges,
a Yourcenar o a Cortázar,
ya que pueden hacerlo todavía.
Felices los poetas y los tontos,
porque al menos creen que son felices.
Felices los que tienen bastante,
porque su necesidad no crece
y su tesoro no mengua.
Felices los que buscan la felicidad
en donde no se esconde,
porque su mala vista les reserva
la felicidad de seguir buscando.
  

Alfonso Brezmes 

 

Felizes os que se sabem felizes,
pois os que o são sem saber
são apenas desgraçados.
Felizes os medíocres,
porque podem escolher dois caminhos.
Felizes aqueles que não leram Borges,
Yourcenar ou Cortázar,
já que podem ainda fazê-lo.
Felizes os poetas e os tontos,
porque ao menos crêem ser felizes.
Felizes os que têm o bastante,
pois que sua necessidade não cresce
e o tesouro não lhes mingua.
Felizes os que buscam a felicidade
onde ela não se encontra,
porque a falta de vista lhes reserva
a sorte de continuar buscando.

(Trad. A.M.)

.

30.11.25

Angel González (Está tudo explicado)




ESTÁ TUDO EXPLICADO

 

A esperança – dantes tão diligente –
há tempos que não nos visita.

Ultimamente distraía-se,
chegava sempre tarde, e chamava-nos
com nomes de parentes já falecidos.
Olhava para nós com olhos vidrados,
como esses espelhos que perdem o azougue.
Tocava-nos com mãos imperceptíveis,
mas de manhã estávamos cheios de arranhões.
Também nos dava moedas que depois não serviam.

Mas agora nem isso.
Não aparece já há tanto tempo,
que eu até cheguei a pensar:
                                            será que terá morrido?

Depois caí na conta
de que os mortos éramos nós.


Ángel González

(Trad. A.M.)

.

28.11.25

Alexandre O' Neill (Que vergonha, rapazes)




QUE VERGONHA, RAPAZES


Que vergonha, rapazes! Nós pràqui,
caídos na cerveja ou no uísque,
a enrolar a conversa no «diz que»
e a desnalgar a fêmea («Vist’? Viii!»)

Que miséria, meus filhos! Tão sem jeito
é esta videirunha à portuguesa,
que às vezes me soergo no meu leito
e vejo entrar quarta invasão francesa.

Desejo recalcado, com certeza…
Mas logo desço à rua, encontro o Roque
(«O Roque abre-lhe a porta, nunca toque!»)
e desabafo: – Ó Roque, com franqueza:

Você nunca quis ver outros países?
– Bem queria, Sr. O’Neill! E… as varizes?
 

Alexandre  O’Neill

 .

26.11.25

Pedro Flores (Cair)




CAER

 

Caer bien, con clase.
No desfallecer,
ni desmayarse,
ni derrumbarse,
ni trastabillar,
ni doblar la cerviz.
Caer como un roble en sus dominios
después de cien años mirando al Sol
frente a frente.
 

Pedro Flores

 


Cair bem, com classe.
Não desfalecer,
nem desmaiar,
nem desmoronar,
nem tropeçar,
nem dobrar a cerviz.
Cair como um carvalho em seu domínio
depois de cem anos a olhar o sol
cara a cara.


(Trad. A.M.)


>>  Hector Castilla (+66p) /  Octavo Boulevard (6p) / Zenda-1 (5p) / Zenda-2 (5p) / La Literatura (4p) / Trasdemar (3p) /  Wikipedia


25.11.25

Ángel Campos Pámpano (Entrar em casa)




Entrar en casa
como animal que acude
a su refugio.
Y buscar en la sombra
otra sombra que duerme.

Ángel Campos Pámpano 

 

Entrar em casa
como animal que volta
a seu refúgio,
e buscar na sombra
outra sombra que dorme.


(Trad. A.M.)

.

23.11.25

Álamo Oliveira (Lua de ganga)



LUA DE GANGA


quando te via
na ganga azul do teu fato
embandeirava-me de ternura
e propunha despir-te como
se lua fosses ou nada

tocava
com a ponta dos dedos
o poema do teu corpo

era azul mas eu morria de medo


Álamo Oliveira

[RTP- Açores]

 .