28.8.25

Piedad Bonnett (Aqui dava o pai)




(IV)                                                                                                                                                  

 

Aquí golpeaba airadamente el padre sobre la mesa
causando un temblor de cristales, una zozobra en la sopa,
volcaba el jarro de su autoridad aprendida, de sus miedos,
de su ternura incapaz de balbuceos.
Adelantaba su dedo acusador y el silencio
era como una puerta obstinada que defendía a los niños del llanto.
Aquí solo hay ahora una mesa de cedro, unos taburetes,
un modesto frutero que alguien hizo
con doméstico afán.
¿Dónde los niños,
dónde el padre y la madre arrulladora?
La tarde esplendorosa asoma añil y roja detrás de los vitrales.
Y pareciera que tanta paz, tanto silencio pesaroso,
fuera el golpe de Dios sobre la mesa.
 

Piedad Bonnett

  

Aqui dava o pai um murro na mesa, de ira,
fazendo tremer os vidros e saltar a sopa,
virava o jarro da sua autoridade e dos seus medos,
da sua ternura incapaz de meias tintas.
Apontava um dedo acusador e o silêncio
era como uma porta obstinada
defendendo do pranto as crianças.
Aqui agora há apenas uma mesa de cedro,
alguns bancos, uma fruteira feita por alguém
com doméstico afã.
Onde é que estão as crianças,
onde está o pai e a mãe protectora?
A tarde esplendorosa aparece nas vidraças
em anil e vermelho.
Dir-se-ia que esta paz toda, este pesaroso silêncio,
são como que o murro de Deus sobre a mesa.
 

(Trad. A.M.)

 .

27.8.25

Julia Bellido (O poema)




EL POEMA

 

Es un precipitarse
a un abismo de sed que nunca cesa
y al que vamos ardiendo. 

Es como un arañazo
o una puñalada.
El aguijón, de pronto, de una abeja. 

Un chupito de vodka
en una madrugada de verano
donde ya no esperabas
encontrarte con nadie. 

Y es a la vez tan breve,
y resulta tan simple
como un cuenco de agua que se vuelca.

Julia Bellido

[Autorretrato]



É uma queda
num abismo de sede que nunca acaba
e onde vamos ardendo.

É como um arranhão
ou punhalada,
o aguilhão, de repente, de uma abelha.

Um gole de vodka
numa madrugada de verão
onde não esperavas já
encontrar ninguém.

E é a um tempo tão breve,
e vai-se a ver tão simples
como uma concha de água que se vira.


(Trad. A.M.)

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25.8.25

Valerio Magrelli (Eu sou aquilo que falta)





IO SONO CIÒ CHE MANCA

 

Io sono ciò che manca
dal mondo in cui vivo,
colui che tra tutti
non incontrerò mai.
Ruotando su me stesso ora coincido
con ciò che mi è sottratto.
Io sono la mia eclissi
la contumacia e la malinconia
l’oggetto geométrico
di cui per sempre dovrò fare a meno.


Valerio Magrelli 

 

Eu sou aquilo que falta
no mundo em que vivo,
aquele que jamais encontrarei
de todos.
Rodando sobre mim mesmo,
coincido agora com aquilo que me roubaram.
Eu sou o meu eclipse,
a contumácia, a melancolia,
o objecto geométrico de que sempre
terei de prescindir.


(Trad. A.M.)

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23.8.25

Pedro López Lara (O mau administrador)




EL MAL ADMINISTRADOR  

 

Todo poema escapa del silencio, 
disipa en su transcurso su pureza inicial, 
su prodigiosa herencia,  
malvende nuestras almas 
por un puñado de palabras  
y finalmente vuelve, con estigma en los ojos,  
al feudo traicionado.  

Todo poema dilapida el secreto 
que le fue confiado.
 

Pedro López Lara 

 

Todo poema escapa do silêncio,
dissipando no trajecto sua pureza inicial,
seu legado fabuloso,
vende ao desbarato nossas almas
por um punhado de palavras
e volta finalmente, com estigma na vista,
ao feudo atraiçoado. 

Todo poema delapida o segredo
que lhe foi confiado.
 

(Trad. A.M.)

 .

22.8.25

Pablo Neruda (Como se mede a espuma)




Como se mede a espuma da cerveja
que transborda do copo?

Que faz uma mosca aprisionada
num soneto de Petrarca?

Que continua o Outono a pagar
com tanto dinheiro amarelo?

Como é que as laranjas na árvore
distribuem o sol entre si?

As lágrimas por chorar
ficam à espera em pequenos lagos?

Por que foi Cristóvão Colombo
incapaz de descobrir a Espanha?

 

PABLO NERUDA
Libro de las Preguntas
- Obra póstuma


(por fjc2)

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20.8.25

Rui Caeiro (Também os gritos)




Também os gritos são feitos
de palavras, isto é

de uma grande ausência
de palavras, isto é

de silêncio carregado
de veneno

Rui Caeiro

 .

18.8.25

Pablo Albornoz (Águas errantes)

 



aguas errantes
el miedo me persigue
derramándose


Pablo Albornoz



águas errantes
o medo me persegue
e se derrama


(Trad. A.M.)

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