13.12.25

Amadeu Baptista (Faca)

 



FACA 

 

Vou constituir-te arguida
pelo assassinato dos meus sonhos.
O êxtase consentia-te
juras de amor, mas a verdade 

é que o amor é coisa ilimitada
e tu premeditavas dar-me
ao abandono, mais dia
menos dia. Aberta uma romã 

o mais que se consente
é usufruir dos brilhos que ela dá 
e agradecer ao templo escarlate  

em que nos foi permitido entrar. 
E não este desgosto, esta faca malsã 
que marca a tua ausência na minha pele.
 

Amadeu Baptista 

 .

11.12.25

Antonio Cabrera (Face ao outono)





ANTE EL OTOÑO             



De la luz del otoño
extraigo alguna consecuencia,
un cimiento menor para estas convicciones:
que la vida es más lenta de lo que suponemos,
que su afamado brillo
nos impone la espera de lo bello inmutable
(y es acaso un error, quizá una burla),
que las tardes contienen una fracción de hiel,
que donde haya renuncia habrá milagro…
Cosas que ya sabía.
En la luz del otoño me ha parecido verlas.


Antonio Cabrera

[Futbol de poetas]

  

Da luz do outono
extraio uma certa consequência,
um cimento menor para estas convicções:
que a vida é mais lenta do que nós supomos,
que seu famigerado brilho
impõe-nos a espera do belo imutável
(e é um erro porventura, um logro),
que as tardes contêm uma parte de fel,
que onde haja renúncia haverá milagre...
Coisas que eu já sabia,
na luz do outono pareceu-me que as vi.


(Trad. A.M.)

 

10.12.25

Antonio Deltoro (Uma árvore)





UN ÁRBOL



Un árbol ancho,
donde no cante el pájaro, 
ni las ardillas suban,
ni se esconda inquietud.

Un árbol que vaya ganando calma
como los otros altura y espesor.

Quiero plantar un árbol de silencio
y sentarme a esperar
a que sus frutos caigan.

Antonio Deltoro 

 

Uma árvore grande,
onde não cante o pássaro,
nem subam esquilos,
nem se esconda inquietação.

Uma árvore que vá ganhando calma
como as outras porte e espessura.

Quero plantar uma árvore de silêncio
e sentar-me à espera
que os frutos lhe caiam.


(Trad. A.M.)

.

8.12.25

Alessandro Celani (Por muito que batalhes)




Por muito que batalhes
o ir e o voltar
o juntar e o separar
o estar com e o estar sem
o recordar e o esquecer
hão-de fazer-se de pedra
e as pedras edifício
e quão difícil te será deixar
a vida que pensas que não viveste
(tu estrangeiro nela
e ela não 
em ti)

Alessandro Celani

(Trad. A.M.)

.

6.12.25

Ángel Manuel Gómez Espada (The other side)

 


 

THE OTHER SIDE IS THE SAME SHIT

 

Entonces, dígame.
Estamos de acuerdo en eso, al menos.
Todo lo que usted me reprocha es a lo que aspira.
Forma mi patrimonio parte de sus sueños.
Repítame de nuevo, pues, si es usted tan amable,

En qué nos diferenciamos. 

Eso mismo me había parecido a mí.

Ángel Manuel Gómez Espada 

 

 

Então, diga-me.
Estamos de acordo pelo menos nisso,
o que você me censura é o que ambiciona.
O meu património faz parte dos seus sonhos.
Repita-me lá novamente, portanto, se faz favor,
em que é que nos diferenciamos.

Ah, bem me queria parecer a mim.


(Trad. A.M.)

.

5.12.25

Ángel Guinda (Ser jovem)



SER JOVEM
 

Ser joven
era abrazar la noche en llamas
hasta el amanecer,
tomar las curvas rectas
como quien tiene prisa por llegar a sí mismo.
Ser joven
era atropellar la vida,
un ejercicio de funambulismo.
Estrellarse contra el azul del cielo,
contra el aire, contra la realidad.
A veces, ser joven
era un deseo temerario de envejecer,
como quien echa un pulso al tiempo
y sólo arriesga el instante de una detonación.
Ser joven fue,
y no volverá a serlo nunca más.

Ángel Guinda

[Trianarts]



Ser jovem
era abraçar a noite em chamas
até amanhecer,
tomar as curvas rectas
como quem tem pressa de chegar a si mesmo.
Ser jovem era atropelar a vida,
um exercício de funambulismo.
Estampar-se contra o azul do céu,
contra o vento, contra a realidade.
Às vezes, ser jovem
era um desejo temerário de envelhecer,
como quem toma o pulso ao tempo
e arrisca só o instante de uma detonação.
Ser jovem foi,
não voltará a ser nunca mais.

(Trad. A.M.)

 .

3.12.25

Alexandre Pinheiro Torres (Portugal dentro das cascas)



PORTUGAL DENTRO DAS CASCAS

 

Antes íamos às árvores da cerca além do claustro
tratar das asas que lhes sonhávamos ao corpo
Primeiro a nau   velas altas         uma casa de sobrado
Depois as santas imagens de pau de cerejeira

Era um Portugal imenso que nem cabia nas cascas
a entrar pelos robles e pinhos de Alcácer
Desenhava-se um mapa e era toda uma serra
O rio Tejo adormecia do voo dele e alheio

Foi impossível    um dia  escrever mais nos lenhos
Começavam a soletrar-se bancos ou mesas das tábuas
e às vezes janelas ornadas que depois se via
serem grades de ferro    postigos só de nuvens

A cerca fechou-se            Nem nela havia árvores
com que sonhar velhas coisas:  memórias só que eram
Ficaram as oitavas rimas e Camões nadando
Hoje       Portugal               seu traço             cabe numa acha


Alexandre Pinheiro Torres

.