15.10.24

Cecilia Casanova (Em nossa intenção)




EN CONMEMORACIÓN NUESTRA

 

Le pido al jardinero
que en conmemoración nuestra
no barra las hojas
Me recuerdan el jardín
de Via Aurelia Orientale
cuando los gansos nadaban en el estero
y la muerte andaba lejos


Cecilia Casanova

 

 

Peço ao jardineiro
em nossa intenção
que não varra as folhas.
Recordam-me o jardim
de Via Aurelia Orientale
quando os gansos nadavam no canal
e a morte ainda andava longe.


(Trad. A.M.)

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14.10.24

Circe Maia (Abril)




ABRIL

 

Este día tan lleno de niñez,
las cápsulas verdes de los eucaliptos
en el suelo, entre hojas.

El buen aroma frío y viejo trae
de la mano, consigo,
los paseos al sol y por un parque
en un abril de viento.

Por mirar la vereda así y oír el ruido
de las hojas, arriba;
por recoger las cápsulas y aspirar hasta el alma
su antiguo olor, se puede,

-a veces, sí, se puede –
abrir puertas cerradas hacía días remotos;
las mañanas del sol y un aire limpio, fino,
los bancos de madera por el borde del parque,
las veredas desiertas,
un viento decidido contra la cara, frío,
y en la mano, tibieza de la mano materna.

Circe Maia

 

 

Este dia tão pleno de meninice,
as cápsulas verdes dos eucaliptos
no chão, entre folhas.

O belo aroma frio e antigo
traz consigo, pela mão,
os passeios ao sol e pelo parque
num abril de vento.

Ao olhar a vereda assim, ouvindo
o ruído das folhas, em cima;
ao apanhar as cápsulas
e aspirar até à alma
esse odor antigo, pode-se

- às vezes, sim, pode-se –
abrir portas fechadas para dias remotos,
manhãs de sol e um ar limpo, muito fino,
os bancos de madeira pela beira do parque,
as veredas desertas,
um vento decidido contra a cara, frio,
e na mão, o morno da mão materna.


(Trad. A.M.)



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12.10.24

Luís Palma Gomes (Não há caminhos)




NÃO HÁ CAMINHOS

 

Afinal,
éramos apenas uma questão de tempo.

Amar
e como podíamos amar de amor inteiro?

Se em tudo
o princípio trazia o fim de tudo.


Luís Palma Gomes

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10.10.24

Carmen Martín Gaite (Beco sem saída)




CALLEJÓN SIN SALIDA


Ya sé que no hay salida,
pero dejad que siga por aquí.
No me pidáis que vuelva.
Se han clavado mis ojos y mi
carne,
y no puedo volver.
Y no quiero volver.
Ya no me gritéis más que no hay
salida
creyendo que no oigo,
que no entiendo.
Vuestras voces tropiezan en mi costra
y se caen como cáscaras
y las piso al andar.
Avanzo alegre y sola
en la exacta mañana
por el camino mío que he
encontrado
aunque no haya salida.


Carmen Martín Gaite

 

Já sei que não há saída,
mas deixai-me ir por aqui,
não me peçais para voltar.
Cravaram-se-me os olhos
e a carne,
e não posso voltar,
e não quero voltar.
Não me griteis que não há
saída,
julgando que eu não oiço,
que não entendo.
Vossas vozes tropeçam-me na crosta
e caem como cascas,
que eu piso ao andar.
Avanço sozinha e alegre
na exacta manhã
pelo meu próprio caminho
que encontrei
embora não haja saída.


(Trad. A.M.)

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9.10.24

Carlos Sahagún (Noite cerrada)




NOCHE CERRADA

 

Fue en la infancia, a la vera de los caminos, en el humo perdido
de los barcos que se alejaron.
Con ellos se marchaba mi corazón, con rumbo cierto
de eternidad. Y más allá, donde nuestra mirada no llegaba,
por pequeña o por triste, algo nos sostenía.
Dios, el abuelo de los niños, repartiendo
las gaviotas por el azul sin límites, estaba con nosotros
de sol a sol, como los viejos labradores,
y dejaba su mano cansada en nuestros hombros.
Por qué pensar en cosas tristes. Mis padres
volvían del trabajo con ira, se vivía mal en casa,
eran tiempos difíciles y oscuros.
Y, sin embargo, vi palomas, estoy cierto, tuve apego a las
atareadas de mi madre,
directamente conocí la vida
como algo, más o menos alegre, que no tenía final.
Yo siempre tuve un alma navegante
y una gran esperanza.
Desde el punto de vista de aquel niño
todo era claro y mañanero, quiero decir, todo era
mentira, puro engaño. Tú no estabas allí,
ni aquí, a la vera de los caminos, ni en el humo perdido
de los barcos. Un muchacho lloraba
frente al acantilado, bajo la dura enseña
de la noche sin Dios.

Carlos Sahagún

 

 

Foi na infância, à beira dos caminhos, no fumo perdido
dos barcos a afastar-se.
Com eles ia meu coração, com rumo certo
de eternidade. E mais além, onde o olhar não chegava,
por pequeno ou por triste, algo nos sustinha.
Deus, o avô das crianças, repartindo as gaivotas
no azul sem limites, estava connosco
de sol a sol, como os velhos agricultores,
e punha-nos no ombro sua mão cansada.
Para quê pensar em coisas tristes? Meus pais
voltavam do trabalho maldispostos, vivia-se mal em casa,
eram tempos negros e difíceis.
E todavia vi pombas, estou certo,
seguia a lida de minha mãe,
conheci a vida como algo,
mais ou menos alegre, que não tinha fim.
Eu tive sempre uma alma errante
e uma grande esperança.
Do ponto de vista desse menino
tudo era claro e matinal, ou seja, tudo era
mentira, engano puro. Tu não estavas lá,
nem aqui, à beira dos caminhos, nem no fumo perdido
dos barcos. Um moço chorava,
diante da falésia, sob o estandarte
da noite sem Deus.


(Trad. A.M.)

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7.10.24

Luís Filipe Castro Mendes (Do medo)




DO MEDO

 



Não pode o poema 
circunscrever o medo, 
dar-lhe o rosto glorioso 
de uma fábula 
ou crer intensamente na sua aura. 
Nós permanecemos, quando 
escurece à nossa volta o frio 
do esquecimento 
e dura o vento e uma nuvem leve 
a separar-se das brumas 
nos começa a noite. 

Não pode o poema 
quase nada. A alguns inspira 
uma discreta repugnância. 
Outras vezes inclinamo-nos, reverentes, ante os epitáfios 
ou demoramo-nos a escutar as grandes chuvas 
sobre a terra. 
Quem reconhece a poesia, esse frio 
intermitente, essa 
persistência através da corrupção? 
Quase sempre a angústia 
instaura a luz por dentro das palavras 
e lhes rouba os sentidos. 
Quase sempre é o medo 
que nos conduz à poesia. 



Voltando ao medo: as asas 
prendem mais do que libertam; 
os pássaros percorrem necessariamente 
os mesmos caminhos no espaço, 
sem possibilidades de variação 
que não estejam certas com esse mesmo voo 
que sempre descrevem. 

Voltando ao medo: o poema 
desenha uma elipse em redor da tua voz 
e cerca-se de angústia 
e ervas bravias — nada mais 
pode fazer. 


LUIS FILIPE CASTRO MENDES
A Ilha dos Mortos
(1991)

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5.10.24

Belén Reyes (E o que é que acontece)




Y qué sucede
si de pronto un día
te das cuenta de que todo es mentira,
y no sabes si meterte a loca
a puta
o a suicida,
o arrancarte el alma
y sentarte en una silla
y ya
medio gilipollas,
ver cómo pasa la vida

¿Usted qué haría?


Belén Reyes
 

 

E o que é que acontece
se de repente um dia
te dás conta que é tudo mentira,
e não sabes se fazer de louca
de puta
ou suicida,
ou arrancar a alma
sentar-te
e já
meio apalermada,
ver como a vida acontece

Você aí que faria?


(Trad. A.M.)

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