6.8.21

Raúl Nieto de la Torre (Auto-retrato de outro)




AUTORRETRATO DE OTRO



Mi infancia son recuerdos de cierta primavera
en casa de mis padres, fútbol, flexo, deberes,
zapatillas con alas para volar a pie.
Mi juventud, un mapa en blanco
donde poder perderme.
Alquimista suspenso, nunca aprendí la fórmula
para elevar al cielo un círculo vacío.
Mi caja de Pandora era una caja china.
Tendí mi ropa del revés
porque no se secase cuando el viento soplara.
Crecí perdiendo paraísos.
Apuntalé la noche en un cuaderno.
Una ventana obtuve por respuesta
cuando cerré la puerta a mis espaldas.
Libros, películas, domingos rotos,
llamadas telefónicas, las sábanas en blanco,
discotecas con música de chicle,
la tristeza fingida para escribir un verso.
Tuve dos perros buenos que no comían gato,
una novia morena, una chupa de cuero,
retales solamente para un autorretrato.


Raúl Nieto de la Torre

[Cómo cantaba mayo]

 

 

Minha infância são lembranças de uma certa Primavera
em casa de meus pais, futebol, deveres, candeeiro,
sapatilhas com asas para fazer voar os pés.
A juventude, um mapa em branco
onde pudesse perder-me.
Alquimista sem diploma, nunca aprendi a fórmula
para fazer subir ao céu um círculo vazio.
Minha caixa de Pandora era uma caixa chinesa.
Minha roupa estendi-a do avesso
para não secar quando soprasse o vento.
Fui crescendo a perder paraísos.
A noite marquei-a num caderno,
tendo por resposta uma janela
quando fechei a porta nas minhas costas.
Livros, filmes, domingos rompidos,
 telefonemas, os lençóis em branco,
discotecas com música de chicla,
a tristeza fingida para lavrar um verso.
Tive dois cães que não comiam gato,
uma noiva morena, uma chupeta de couro,
retalhos apenas para um auto-retrato.


(Trad. A.M.)

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> A ler, segundo a fonte inspiradora: Antonio Machado (Retrato)

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