(Morria de remorsos…)
Uma, duas, três vezes a Natureza me salvou.
Da última apelei para ela num desespero.
Não só a vinha que plantei me pagou generosamente em frutos, como me ensinou muitas coisas que ignorava.
Deste pedaço de terra, desta meia dúzia de campos se mantém o senhor José, a mulher, a filha e os moços - e eu próprio tiro o essencial para a vida.
Encostado a um muro velho, vi desfilar na minha frente jornaleiros e caseiros, figuras da realidade que se entranharam na minha alma para sempre.
Não foi o outro mundo das cidades que me interessou: ao contrário, pareceu-me sempre fantasmagórico.
O mundo que me impressionou foi este.
Eu felizmente sou um mero espectador da agitação lá de baixo e, quase, só do meu canto assisti ao desenrolar de toda a tragédia contemporânea: - queda do trono, revoluções, mortes, gritos…
Senão, morria de remorsos.
E isto não é uma frase: morria de remorsos se tivesse concorrido para a morte dum homem.
- RAUL BRANDÃO, Memórias, III, Balanço à vida.
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Uma, duas, três vezes a Natureza me salvou.
Da última apelei para ela num desespero.
Não só a vinha que plantei me pagou generosamente em frutos, como me ensinou muitas coisas que ignorava.
Deste pedaço de terra, desta meia dúzia de campos se mantém o senhor José, a mulher, a filha e os moços - e eu próprio tiro o essencial para a vida.
Encostado a um muro velho, vi desfilar na minha frente jornaleiros e caseiros, figuras da realidade que se entranharam na minha alma para sempre.
Não foi o outro mundo das cidades que me interessou: ao contrário, pareceu-me sempre fantasmagórico.
O mundo que me impressionou foi este.
Eu felizmente sou um mero espectador da agitação lá de baixo e, quase, só do meu canto assisti ao desenrolar de toda a tragédia contemporânea: - queda do trono, revoluções, mortes, gritos…
Senão, morria de remorsos.
E isto não é uma frase: morria de remorsos se tivesse concorrido para a morte dum homem.
- RAUL BRANDÃO, Memórias, III, Balanço à vida.
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