28.4.06
Cecília Meireles (Retrato)
RETRATO
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Cecília Meireles
Biografia
Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu a 7 de novembro de 1901, no Rio de Janeiro.
Órfã de pai e mãe desde os três anos de idade foi criada pela avó materna.
Em 1917 forma-se na Escola Normal do Rio, dedicando-se ao magistério primário.
A partir da década de 30, leciona literatura brasileira em várias universidades.
Estudou canto e violino.
Empenhou-se na renovação da Educação, tendo organizado a primeira biblioteca infantil do país. Publicou seu primeiro livro em 1919, "Espectros", de tendência parnasiana.
A partir de 1922, passou a integrar a corrente espiritualista, ala católica do movimento modernista, e que teria na revista Festa (fundada em 1927) seu principal veículo de expressão. Em 1935, o suicídio do marido força-a a ampliar suas atividades de professora e jornalista, para educar as filhas.
Alcança a maturidade como poeta em 1938 com a publicação de "Viagem", premiado pela Academia Brasileira de Letras.
Casada novamente, inicia-se um período de intensa atividade profissional e literária, e de freqüentes viagens ao exterior, o que se refletiria em obras como "Doze Noturnos de Holanda" e "Poemas Escritos na Índia".
Em 1953, após anos de minuciosa pesquisa histórica, publica o "Romanceiro da Inconfidência". Cecília Meireles morreu a 9 de novembro de 1964, no Rio de Janeiro.
No ano seguinte, a ABL concede-lhe postumamente o prémio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra.
Fonte / Iconografia / Bibliografia / Mais poemas
Outros poemas
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27.4.06
Aquilino Ribeiro (Aquela luzinha)
Luzinha-1 (Jorge de Sena)
Luzinha-2 (Assis Pacheco)
Luzinha-3 (Aquilino)...
E eis que, divagando, pareceu-me ver cintilar em frente de mim.
O que quer que era tremeluzia e apagava-se, tremeluzia e apagava-se como um fiapo de penugem branca boiando ao sopro do vento.
Sim, de quando em quando, sempre que depois de fechar os olhos os abria para varrer da retina a visão obsessa, reaparecia o ludibriante alvor.
E não me dominei: pus o Gasco no chão e fui direito, rastejando, ao sinal prodigioso.
Graças, minha boa Senhora da Lapa, era um fio de luz, delgado como retrós, que se filtrava entre a linha da abóbada e o cume do entulho!
Como podia ser não a haver eu encontrado antes?!
Sem me demorar grandes segundos a reflectir no enigma, para cuja decifração muito devia ter contribuído o Sol, alumiando daquele lado no seu discurso para o meio-dia, tratámos de nos safar dali.
Havia encontrado o meu símbolo.
Aquela luzinha, assim flébil e celestial, ficou-me com efeito de emblema na vida.
Nas horas de maior negrume, quando era para desesperar de todo, surgia-me imprevistamente no báratro dos meus cuidados.
Pequenina, bruxuleante, vinda de longe, crescia, e iluminava-me o caminho.
Filha da própria ralé, providência de infelizes e aflitos, nunca por nunca deixou de raiar.
Creio que ela existe igualmente para todos os humanos, e não deve ser outro o fanal que os guiou através das convulsões físicas e sociais do mundo.
A questão para o indivíduo é ter olhos que a descubram.
- AQUILINO RIBEIRO, Uma Luz ao Longe, XI, in fine.
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24.4.06
Fernando Assis Pacheco (Apanhador de pirilampos)
APANHADOR DE PIRILAMPOS
A poluição dos escapes
os herbicidas
foram-vos empurrando
para fora
do Pinheiro Manso
antiga minha luz
particular
em noites doces
procuro-vos
e nada encontro
senão lixo
entre as folhas
fazeis-me
tanta falta
neste mundo escuro
Fernando Assis Pacheco
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21.4.06
Mário Cesariny (Poema)
POEMA
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
Mário Cesariny
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18.4.06
Jorge de Sena (Uma pequenina luz)
UMA PEQUENINA LUZ
Uma pequenina luz bruxuleante
Não na distância brilhando no extremo da estrada
Aqui no meio de nós e a multidão em volta
Une toute petite lumière
Just a little light
Una picolla... em todas as línguas do mundo
Uma pequena luz bruxuleante
Brilhando incerta mas brilhando
Aqui no meio de nós
Entre o bafo quente da multidão
A ventania dos cerros e a brisa dos mares
E o sopro azedo dos que a não vêem
Só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequenina luz
Que vacila exacta
Que bruxuleia firme
Que não ilumina apenas brilha
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
Como a justiça.
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
Não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
Indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não: brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
Como a exactidão como a firmeza
Como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
No meio de nós.
Brilha.
Jorge de Sena
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14.4.06
12.4.06
Fernando Assis Pacheco (A bela do bairro)
A BELA DO BAIRRO
Ela era muito bonita e benza-a Deus
muito puta que era sempre à espera
dos pagantes à janela do rés-do-chão
mas eu teso e pior que isso néscio desses amores
tenho o quê? quinze anos
tenho o quê uns olhos com que a vejo
que se debruçava mostrando os peitos
que a amei como se ama unicamente
uma vez um colo branco e até as jóias
que ela punha eram luzentes semelhando estrelas
eu bato o passeio à hora certa e amo-a
de cabelo solto e tudo não parece
senão o céu afinal um pechisbeque
ainda agora as minhas narinas fremem
turva-se o coração desmantelado
amando-a amei-a tanto e sem vergonha
oh pecar assim de jaquetão sport e um cigarro
nos queixos a admiração que eu fazia
entre a malta não é para esquecer nem lá ao fundo
como então puxo as abas da farpela
lentamente caminho para ela
a chuva cai miúda
e benza-a Deus que bonita e que puta
e que desvelos a gente
gastava em frente do amor
Fernando Assis Pacheco
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11.4.06
Um verso (12)
Um verso de Nemésio
(este também tem muitos):
“O tempo gasta a minha voz como se fosse o seu pão”.
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Clarice Lispector (Mas há a vida)
Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida, há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.
Clarice Lispector
Biografia:
Clarice Lispector nasceu em Tchetchenillk - Ucrânia, no ano de 1925.
Os Lispector emigraram da Rússia para o Brasil no ano seguinte, tendo parado na Ucrânia somente para ter a filha Clarice, que nunca mais voltaria à pequena aldeia em que nascera. Fixaram-se em Recife, onde a escritora passou a infância.
Órfã de mãe aos 12 anos mudou-se com a família para o Rio de Janeiro.
Começou a escrever contos logo que foi alfabetizada.
Entre muitas leituras, ingressou no curso de direito, formou-se e começou a colaborar em jornais cariocas.
Casou-se com um colega de faculdade em 1943.
No ano seguinte publicava sua primeira obra: Perto do coração selvagem, iniciado cerca de dois anos antes.
A moça de 19 anos assistiu à perplexidade nos leitores e na crítica e a repercussão de um estilo "muito diferente" para a época.
Seguindo o marido, diplomata de carreira, viveu fora do Brasil por quinze anos, onde se dedicava exclusivamente a escrever.
Separada do marido e de volta ao Brasil, passou a morar no Rio de Janeiro.
Em novembro de 1977 soube que sofria de câncer generalizado.
No mês seguinte, na véspera de seu aniversário, morria em plena atividade literária e gozando do prestígio de ser uma das mais importantes vozes da literatura brasileira.
Fonte (biografia) / Bibliografia / Poemas
Mais poemas / Critica / Bio-bibliografia
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7.4.06
Coitado do Jorge (11)
SMS-1:
Para falar com franqueza, estou cheio de saudades...
SMS-2:
Óptimo, vamos tratar disso hoje mesmo...
Beijinhos.
SMS-3:
Adoro o seu toque profissional...
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Eugénio de Andrade (Eros)
5.4.06
Mario Benedetti (Desde los afectos)
DESDE LOS AFECTOS
Cómo hacerte saber que siempre hay tiempo?
Que uno tiene que buscarlo y dárselo...
Que nadie establece normas, salvo la vida...
Que la vida sin ciertas normas pierde formas...
Que la forma no se pierde con abrirnos...
Que abrirnos no es amar indiscriminadamente...
Que no está prohibido amar...
Que también se puede odiar...
Que la agresión porque sí, hiere mucho...
Que las heridas se cierran...
Que las puertas no deben cerrarse...
Que la mayor puerta es el afecto...
Que los afectos, nos definen...
Que definirse no es remar contra la corriente...
Que no cuanto más fuerte se hace el trazo, más se dibuja...
Que negar palabras, es abrir distancias...
Que encontrarse es muy hermoso...
Que el sexo forma parte de lo hermoso de la vida...
Que la vida parte del sexo...
Que el por qué de los niños, tiene su por qué...
Que querer saber de alguien, no es sólo curiosidad...
Que saber todo de todos, es curiosidad malsana...
Que nunca está de más agradecer...
Que autodeterminación no es hacer las cosas solo...
Que nadie quiere estar solo...
Que para no estar solo hay que dar...
Que para dar, debemos recibir antes...
Que para que nos den también hay que saber pedir...
Que saber pedir no es regalarse...
Que regalarse en definitiva no es quererse...
Que para que nos quieran debemos demostrar qué somos...
Que para que alguien sea, hay que ayudarlo...
Que ayudar es poder alentar y apoyar...
Que adular no es apoyar...
Que adular es tan pernicioso como dar vuelta la cara...
Que las cosas cara a cara son honestas...
Que nadie es honesto porque no robe...
Que cuando no hay placer en las cosas no se está viviendo...
Que para sentir la vida hay que olvidarse que existe la muerte...
Que se puede estar muerto en vida..
Que se siente con el cuerpo y la mente...
Que con los oídos se escucha...
Que cuesta ser sensible y no herirse...
Que herirse no es desangrarse...
Que para no ser heridos levantamos muros...
Que sería mejor construir puentes...
Que sobre ellos se van a la otra orilla y nadie vuelve...
Que volver no implica retroceder...
Que retroceder también puede ser avanzar...
Que no por mucho avanzar se amanece más cerca del sol...
Cómo hacerte saber que nadie establece normas, salvo la vida?
Mario Benedetti
Biografía
Poeta y novelista uruguayo nacido en 1920 en Paso de Los Toros.
Recibió la formación primaria y secundaria en Montevideo y a los dieciocho años se trasladó a Buenos Aires donde residió por varios años.
En 1945 formó parte del famoso semanario «Marcha» donde se formó como periodista, colaborando allí hasta 1974.
Ocupó el cargo de director del Departamento de Literatura Hispanoamericana en la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Universidad de Montevideo.
Desde 1983 se radicó en España donde permanece la mayor parte del año.
Obtuvo el VIII Premio Reina Sofía de Poesía y recibió el título de Doctor Honoris Causa por la Universidad de Alicante.
Su vasta producción literaria abarca todos los géneros, incluyendo famosas letras de canciones, cuentos y ensayos, traducidos en su mayoría a varios idiomas.
De su extensa obra se encuentran entre otros, la novela «Gracias por el fuego», «El olvido está lleno de memoria», y los poemarios, «Inventario Uno», «Inventario Dos» e «Inventario Tres».
Fonte (biografia e poema) / Mais poemas
Outros poemas
3.4.06
Fernando Assis Pacheco (Aconselho-vos o amor)
ACONSELHO-VOS O AMOR
Aconselho-vos o amor:
o equilíbrio dos contrários.
Aconselho-vos o amor cheio de força;
os moinhos girando ao vento desbridado.
Aconselho-vos a liberdade
do amor (que logo passa
— vão dizer-vos que não —
para os gestos diários).
ACONSELHO-VOS A LUTA.
Fernando Assis Pacheco
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