27.4.06

Aquilino Ribeiro (Aquela luzinha)















Luzinha-1 (Jorge de Sena)

Luzinha-2 (Assis Pacheco)



Luzinha-3 (Aquilino)...




E eis que, divagando, pareceu-me ver cintilar em frente de mim.

O que quer que era tremeluzia e apagava-se, tremeluzia e apagava-se como um fiapo de penugem branca boiando ao sopro do vento.

Sim, de quando em quando, sempre que depois de fechar os olhos os abria para varrer da retina a visão obsessa, reaparecia o ludibriante alvor.

E não me dominei: pus o Gasco no chão e fui direito, rastejando, ao sinal prodigioso.

Graças, minha boa Senhora da Lapa, era um fio de luz, delgado como retrós, que se filtrava entre a linha da abóbada e o cume do entulho!

Como podia ser não a haver eu encontrado antes?!

Sem me demorar grandes segundos a reflectir no enigma, para cuja decifração muito devia ter contribuído o Sol, alumiando daquele lado no seu discurso para o meio-dia, tratámos de nos safar dali.

Havia encontrado o meu símbolo.

Aquela luzinha, assim flébil e celestial, ficou-me com efeito de emblema na vida.

Nas horas de maior negrume, quando era para desesperar de todo, surgia-me imprevistamente no báratro dos meus cuidados.

Pequenina, bruxuleante, vinda de longe, crescia, e iluminava-me o caminho.

Filha da própria ralé, providência de infelizes e aflitos, nunca por nunca deixou de raiar.

Creio que ela existe igualmente para todos os humanos, e não deve ser outro o fanal que os guiou através das convulsões físicas e sociais do mundo.

A questão para o indivíduo é ter olhos que a descubram.



- AQUILINO RIBEIRO, Uma Luz ao Longe, XI, in fine.

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