30.3.13

Vitorino Nemésio (Arte poética)





ARTE POÉTICA



A poesia do abstracto...
Talvez.
Mas um pouco de calor,
a exaltação de cada momento
é melhor.
Quando sopra o vento
há um corpo na lufada;
Quando o fogo alteou
a primeira fogueira,
apagando-se fica alguma coisa queimada.
É melhor...
Uma ideia
só como sangue de problemas;
No mais, não,
não me interessa.
Uma ideia
vale como promessa
e prometer é arquear
a grande flecha.
O flanco das coisas só sangrando me comove,
e uma pergunta é dolorida
quando abre brecha.
Abstracto!
O abstracto é sempre redução,
secura;
Perde -
e diante de mim o mar que se levanta é verde:
Molha e amplia...
Por isso, não:
nem o abstracto nem o concreto
são propriamente poesia.
A poesia é outra coisa.
Poesia e abstracto, não.


Vitorino Nemésio

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