21.1.25

Tanussi Cardoso (Os olhos nos desvãos)




OS OLHOS NOS DESVÃOS 

 

O pijama despido do corpo dorme seus sonhos 
  O rosto no retrato estampa uma febre antiga 
     O piano dedilha memória e descompasso 
        O fantasma de um gato descansa no sofá 
           A escada suspira os passos dos homens 
              No escuro as coisas brilham seus nomes

 


Tanussi Cardoso

 .

19.1.25

Horacio Castillo (Epístola)




EPÍSTOLA


Los judíos piden señales, los griegos sabiduría, 
pero yo digo: Enloqueced.
¿Dónde está el sabio, dónde está el escriba?
Ha sido escamoteada la luz del mundo.
¿Sois ciegos?
Alegraos de vuestra ceguera.
¿Sois sordos?
Alegraos de vuestra sordera.
El ciego ha sido escogido para verlo todo, 
el sordo para oír lo inaudible.
Sí, enloqueced.
Porque todos los ojos han sido velados 
y sólo vemos lo que no vemos, 
todos los oídos han sido sellados 
y sólo oímos lo que no oímos.
¿Queréis prodigios?
Enloqueced.
¿Queréis conocimiento?
Enloqueced.
Porque se trata de asir lo Inasible 
y las manos se quiebran, 
se trata de tocar la Verdad 
y arde la razón.
Enloqueced.


Horacio Castillo

[Marcelo Leites]



Os judeus pedem sinais, os gregos sabedoria,
mas eu digo: Enlouquecei.
Onde é que está o sábio? Onde está o escriba?
Escamotearam a luz do mundo.
Vós sois cegos?
Alegrai-vos da vossa cegueira.
Sois surdos?
Alegrai-vos da vossa surdez.
O cego foi escolhido para ver tudo,
o surdo para ouvir o inaudível.
Sim, enlouquecei.
Porque todos os olhos foram velados
e nós vemos só o que não vemos,
porque todos os ouvidos foram selados
e nós ouvimos só o que não ouvimos.
Quereis prodígios?
Enlouquecei.
Quereis conhecimento?
Enlouquecei.
Porque se trata de tocar o intocável
e as mãos partem-se,
trata-se de tocar a Verdade
e arde a razão.
Enlouquecei.


(Trad. A.M.)

.

18.1.25

Hilario Barrero (Post data)




POST DATA

 

Me arrimo a ti
en una calle estrecha
y dejo pasar la sombra
que nos viene siguiendo.


Hilario Barrero

  

Arrimo-me a ti
numa rua estreita
e deixo passar a sombra
que vem atrás de nós.


(Trad. A.M.)

 .

16.1.25

Francisco J. Craveiro Carvalho (Tercetos-I)




Na caixa do supermercado
ao ver que o reconhecera
deu-me um esgar de ex-ministro.

*

(Grande turismo) 

Sem respeito pelas dimensões 
cheia sempre até ao fecho
fui-me abaixo num voo doméstico. 

* 

(Cartão de cidadão) 

Dez anos mais carregados
no meu cartão de cidadão.
Vamos ver se ainda os gasto. 

* 

(Dizia) 

Nunca lamentaria trocar 
dez anos da sua vida por
um ataque fatal de coração. 

* 

Nas ruas trotinetas
para os jovens. Para os velhos
andarilhos nos corredores.

 

FRANCISCO J. CRAVEIRO CARVALHO
Abilene
(2023)




>>  Triplo V (vários p/ traduções) / Correio do Porto (idem) / Relâmpago (9p)

.

14.1.25

Francisco Caro (Poética do cuidado)




POÉTICA DEL CUIDADO

 

Que la palabra limpie heridas,
sea bastón seguro para unas piernas débiles,
lente para esos ojos
a quien la niebla oculta su horizonte,
altavoz de gargantas sin campana,
pañuelo de esas lágrimas
que no esperan volver a ver el mar,
y cuchara que nunca titubea
ante bocas cerradas negándose a la vida.
 
Y que el hombre que cargue a sus espaldas
su mochila repleta de bastones y lentes,
altavoces, pañuelos y cucharas,
haga de sus silencios
escuela de secretos
y trono de humildad.


Francisco Caro 

 

Que a palavra limpe as feridas,
seja bastão seguro para algumas pernas fracas,
lente para aqueles olhos
a que a névoa tira a vista,
altifalante de gargantas sem sino,
lenço dessas lágrimas
que não esperam chegar ao mar,
e colher que não hesita
diante de bocas fechadas
que se negam para a vida.

E que o homem que leve às costas
a mochila com as lentes e bastões,
altifalantes, lenços e colheres,
de seus silêncios faça
escola de segredos
e trono de humildade.


(Trad. A.M.)

.

13.1.25

Fernando Beltrán (Os outros)





LOS OTROS, LOS DEMÁS, ELLOS


El serbio que destruye un colegio soy yo,
el rwandés que mata a machetazos soy yo,
el terrorista que coloca la bomba soy yo,
el hombre que dispara en un hiper de Texas soy yo,
el judío que bombardea un campo de refugiados soy yo,
el palestino que clama en el desierto soy yo,
el albanés que huye en un barco soy yo,
el marroquí que se ahoga al cruzar el estrecho soy yo,
el guerrillero que aún sueña en El Salvador soy yo,
el bebé somalí que se muere de hambre soy yo,
el médico sin fronteras soy yo,
el general que apunta soy yo,
el empresario que emite residuos radiactivos soy yo,
el enamorado que mata por amor soy yo,
el loco que muere por amor soy yo,
el político sin escrúpulos soy yo,
el funcionario corrupto soy yo,
el funcionario honrado soy yo,
el hombre capaz de lo mejor,
el hombre capaz de lo peor,
el hombre a secas, yo.

 

Fernando Beltrán

 

 

O sérvio que destrói um colégio sou eu,
o ruandês que mata à catanada sou eu,
o terrorista que põe a bomba sou eu,
o homem que dispara num hiper do Texas sou eu,
o judeu que bombardeia um campo de refugiados sou eu,
o palestino que clama no deserto  sou eu,
o albanês que foge num barco sou eu,
o marroquino que se afoga a atravessar o estreito sou eu,
o guerrilheiro que ainda sonha em Salvador sou eu,
o bébé somali que morre de fome sou eu,
o guerrilheiro que sonha ainda em Salvador sou eu,
o médico sem fronteiras sou eu,
o general que aponta sou eu,
o empresário de resíduos radioactivos sou eu,
o apaixonado que mata por amor sou eu,
o louco que morre por amor sou eu,
o político sem escrúpulos sou eu,
o funcionário corrupto sou eu,
o funcionário honrado sou eu,
o homem capaz do melhor,
o homem capaz do pior,
o homem simplesmente, eu.


(Trad. A.M.).

11.1.25

Sebastião da Gama (Pelo sonho é que vamos)




Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.

Chegamos? Não chegamos?

Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos,
basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

─ Partimos. Vamos. Somos.


Sebastião da Gama

.