não pude amar mais ninguém
e mesmo que te minta
é o contrário disso
e mesmo que te minta
é a verdade seca
posta ali às avessas;
não pude amar mais claro
Fernando Assis Pacheco
não pude amar mais ninguém
e mesmo que te minta
é o contrário disso
e mesmo que te minta
é a verdade seca
posta ali às avessas;
não pude amar mais claro
Fernando Assis Pacheco
A MATÉRIA DO TEMPO
Talvez não exista o tempo – assim dizem alguns.
O presente contém, acaso, todo
o futuro que aguarda e o passado
onde nós fomos outros. Assim dizem.
O tempo, para mim, que sei que as palavras
são um jogo qualquer para passar o tempo,
é feito de caras desconhecidas
em cais, e de luas de espelhos
onde se deteve o meu fantasma,
de mentiras que não distingo já da verdade,
da dor antiga, que não hei-de aqui nomear,
os que amei e perdi, pelo barranco abaixo,
confusão e derrota, névoa e ruído.
O tempo é o que eu invento para escapar a tempo.
Não sei como há quem pense que o tempo não é real
(alguns inventam mesmo um absurdo demónio
a quem acabam por dar a alma).
O tempo não é um sonho, e a demonstrá-lo
aqui está o próprio tempo, que converte
estas palavras e quem as pronuncia
em carne de um olvido sem remédio.
Carlos Marzal
(Trad. A.M.)
CIELO ARRIBA
Y qué gozosamente, con qué brío
uno se da de bruces con el mundo
y antes de comprenderlo ya lo ama.
Y qué fascinación la del principio
por descubrir el barro originario
y encontrarlo en las ranas en su charco
croando las verdades inmutables
y en el ámbar goloso de la cidra
que imita en su dulzor el sueño mismo.
En busca de lo grande que supone
contener lo pequeño uno se embarca luego
que la fortuna obliga y el sendero
no deja de tentar al caminante.
Y va haciéndose hora y los paisajes
se despliegan y vibran con asombro
y los rostros desfilan y la lucha
renueva su silueta milenaria
y la rueda del mundo gira y gira
y va cambiando fuerza por cansancio
pero el encantamiento no termina
y uno se siente vivo porque sabe
que todo está en primicia eternamente.
Y se recuesta al borde del destino
para beber la sombra, cuando escucha
el croar de las ranas en su charco.
La primera verdad que siempre vuelve
a quien ya entiende que es la verdadera.
Raquel Lanseros
E quão alegremente, com que brio
damos de caras com o mundo
e sem o compreender já o amamos.
E que fascínio o do início,
ao descobrir a lama originária
e achá-la nas rãs do charco,
coaxando as eternas verdades,
e no âmbar apetitoso da cidra,
que na doçura imita próprio sonho.
Em busca do grande que é suposto
conter o pequeno, embarcamos logo
que a fortuna manda, sem o carreiro
deixar de tentar o caminhante.
E vai sendo hora, as paisagens
estendem-se e vibram com assombro,
os rostos desfilam e a luta
renova seu perfil milenar
e a roda do mundo gira-que-gira,
trocando força por cansaço,
mas não se acaba o encanto
e sentimo-nos vivos pois sabemos
que tudo são primícias eternamente.
E repousamos já no destino
para beber a sombra, quando
escutamos no charco o coaxar das rãs.
A primeira verdade que volta sempre
a quem sabe já que é a verdadeira.
(Trad. A.M.)
(O amor iguala todos os homens…)
E todas as mulheres?
Isso é que não.
Desde que eu disse que conhecia vinte variedades, haverá seis anos, já estremei
da confusão caótica de suas excelências mais três exemplares.
São achegas que vou carreando para maior edifício, se Deus me der vida, e as
vinte e três variedades me não tolherem. (VII)
CAMILO CASTELO BRANCO
Aventuras de Bazílio Fernandes Enxertado
(1863)
EL OJO DEL MUNDO
Tras la lluvia,
en el jardín de arena,
un guijarro negro relucía
como el ojo del mundo.
Y quizá lo era.
José Jiménez Lozano
Depois da chuva,
no jardim de areia,
um seixo negro reluzia
como o olho do mundo.
E se calhar era.
(Trad. A.M.)
NUBES
Estas nubes inmóviles se irán
dentro de poco tiempo,
cuando lo quiera el viento
y entonces
se quedarán la tarde y el bosque
ya sin testigos,
frente a frente y mirándose.
José Emilio Pacheco
Estas nuvens imóveis
ir-se-ão daqui a pouco
quando o vento quiser
e então
a tarde e o bosque ficarão,
sem testemunhas já,
frente a frente, a olhar-se.
(Trad. A.M.)
(Bonifácia ou Custódia)
A senhora Bonifácia era madrinha da filha de um despachante
da alfândega.
Orçava a menina pela idade de Bazílio.
Até aos nove anos chamou-se Bonifácia; depois, como as condiscípulas lhe
chasqueassem o nome, crismou-se em Custódia, que era o nome de sua mãe.
Não melhorou. (II)
CAMILO CASTELO BRANCO
Aventuras de Bazílio Fernandes Enxertado
(1863)