25.10.24

Cristina Peri Rossi (Assombro)




ASOMBRO

 

Enséñame - dices, desde tus veintiún años
ávidos, creyendo, todavía que se puede enseñar alguna cosa
y yo, que pasé de los sesenta
te miro con amor
es decir, con lejanía
(todo amor es amor a las diferencias
al espacio vacío entre dos cuerpos
al espacio vacío entre dos mentes
al horrible presentimiento de no morir de a dos)
 
te enseño, mansamente, alguna cita de Goethe
(“detente, instante, eres tan bello")
o de Kafka (una vez hubo, hubo una vez
una sirena que no cantó)
 
mientras la noche lentamente se desliza hacia el alba
a través de este gran ventanal
que amas tanto
porque sus luces nocturnas
ocultan la ciudad verdadera
 
y en realidad podríamos estar en cualquier parte
estas luces podrían ser las de New York, avenida
Broadway, las de Berlín, Konstanzerstrasse,
las de Buenos Aires, calle Corrientes
 
y te oculto la única cosa que verdaderamente sé:
sólo es poeta aquel que siente que la vida no es natural
que es asombro
descubrimiento revelación
que no es normal estar vivo
no es natural tener veintiún años
ni tampoco más de sesenta

no es normal haber caminado a las tres de la mañana
por el puente viejo de Córdoba, España, bajo la luz
amarilla de las farolas,
no es natural el perfume de los naranjos en las plazas
-tres de la mañana-
ni en Oliva ni en Sevilla
lo natural es el asombro
lo natural es la sorpresa
lo natural es vivir como recién llegada
al mundo
a los callejones de Córdoba y sus arcos
a las plazas de París
a la humedad de Barcelona
al museo de muñecas
en el viejo vagón estacionado
en las vías muertas de Berlín
 
Lo natural es morirse
 
sin haber paseado de la mano
por los portales de una ciudad desconocida
ni haber sentido el perfume de los blancos jazmines en flor
a las tres de la mañana,
meridiano de Greenwich
 
lo natural es que quien haya paseado de la mano
por los portales de una ciudad desconocida
no lo escriba
lo hunda en el ataúd del olvido
 
La vida brota por todas partes
consanguínea
ebria
bacante exagerada
en noches de pasiones turbias
pero había una fuente que cloqueaba
lánguidamente


y era difícil no sentir que la vida puede ser bella a veces
como una pausa
como una tregua que la muerte
le concede al goce.
 

CRISTINA PERI ROSSI
Detente, instante eres tan bello
(2021)

[Marcelo Leites]

 

 

Ensina-me – dizes, com os teus vinte anos
ávidos, julgando ainda que alguna coisa
se pode ensinar,
e eu, que passei dos sessenta,
olho-te com amor,
quer dizer, com distância
(todo amor é amor das diferenças
do espaço vazio entre dois corpos
do espaço vazio entre duas mentes
do pressentimento horrível de não morrer a dois)

e eu ensino-te, calmamente, alguna citação de Goethe
(‘detém-te, instante, és tão belo’)
ou de Kafka (em tempos houve, houve em tempos
uma sereia que não cantou)

enquanto a noite lentamente desliza para a aurora
coada por esta grande janela
que amas tanto
por suas luzes nocturnas
ocultarem a cidade verdadeira

e na verdade podíamos estar em qualquer lado
estas luzes podiam ser as de Nova Iorque, avenida
Broadway, ou de Berlim, Konstanzerstrasse,
ou Buenos Aires, calle Corrientes

e escondo-te a única coisa que verdadeiramente sei,
que só é poeta quem sinta que a vida não é natural
que é assombro
descoberta revelação
que não é normal estar vivo
não é natural ter vinte anos
nem tão pouco mais de sesenta

não é normal caminar às três da manhã
pela ponte antiga de Córdoba, Espanha,
com a luz amarela dos candeeiros,
não é natural o perfume das laranjeiras nas praças
- três da manhã -
seja em Oliva seja em Sevilha,
o natural é o assombro
o natural é a surpresa
o natural é viver como recém-chegada ao mundo
aos becos de Córdoba e suas arcadas
às praças de Paris
à humidade de Barcelona
ao museu de bonecas
no velho vagão estacionado
nas linhas mortas de Berlim

O natural é morrer

sem passear de mão dada
nas portas de uma cidade desconhecida
nem sentir o perfume dos brancos jasmins em flor
às três da manhã,
meridiano de Greenwich

o natural é que quem tiver passeado de mão dada
às portas de uma cidade desconhecida
não o escreva
que o afunde no caixão do olvido

A vida brota por todo o lado
consanguínea
ébria
bacante exagerada
em noites de turvas paixões
mas havia uma fonte que rumorejava
languidamente

e era difícil não sentir que a vida pode ser bela por veces
como uma pausa
como uma trégua que a morte
concede ao prazer.


(Trad. A.M.)

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