(O Inverno à porta…)
Vinha lá o Inverno - ouvia-se zoar muito a ribeira, e a Serra da Estrela mostrava desde a antevéspera os corutos emaçarocados de neve. E a chuva já estava em atraso, o grão por grelar na terra esmilhenta, onde os borborinhos faziam espojadoiros pasmosos de lobisomens. (…)
O sol ficava em casa de Deus, e os dias tinham a tristura das igrejas em semana de endoenças. Pelos morros, os pinhais, muito crestados da canícula, pareciam procissões de enterro, paradas a rezar.
O grande cão entrava sempre assim, enfarinhado de cinzas, manso, com a capa de penitente. Depois rompia aos uivos que nem cem matilhas a um lobo. Por aqueles outeiros arriba era o soão quem mais bramia, parecendo ora vozes a pedir misericórdia, ora bocas desdentadas de feiticeiras em despique danado. Os seres vivos acoitavam-se nos refolhos; raro uma lebre largava diante dos gados, animando a devesa imóvel de sua fuga alerta; um mocho, ao alto de uma penha, com a cabeça recolhida entre as asas, tinha o ar de quem espera o fim do mundo.
- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, ed. 1963, pp. 175-6.
Vinha lá o Inverno - ouvia-se zoar muito a ribeira, e a Serra da Estrela mostrava desde a antevéspera os corutos emaçarocados de neve. E a chuva já estava em atraso, o grão por grelar na terra esmilhenta, onde os borborinhos faziam espojadoiros pasmosos de lobisomens. (…)
O sol ficava em casa de Deus, e os dias tinham a tristura das igrejas em semana de endoenças. Pelos morros, os pinhais, muito crestados da canícula, pareciam procissões de enterro, paradas a rezar.
O grande cão entrava sempre assim, enfarinhado de cinzas, manso, com a capa de penitente. Depois rompia aos uivos que nem cem matilhas a um lobo. Por aqueles outeiros arriba era o soão quem mais bramia, parecendo ora vozes a pedir misericórdia, ora bocas desdentadas de feiticeiras em despique danado. Os seres vivos acoitavam-se nos refolhos; raro uma lebre largava diante dos gados, animando a devesa imóvel de sua fuga alerta; um mocho, ao alto de uma penha, com a cabeça recolhida entre as asas, tinha o ar de quem espera o fim do mundo.
- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, ed. 1963, pp. 175-6.
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