30.1.21

Ana Paula Inácio (Debaixo do cipreste)

 


debaixo do cipreste
um velho
no pasto, as vacas
no céu as nuvens
rápidas 

o cipreste está muito verde
a terra muito castanha
o velho muito cinzento
o céu muito nublado
as vacas muito paradas
 

Ana Paula Inácio

 [Hospedaria Camões]

 .

28.1.21

José María Fonollosa (Rambla de Canaletes 2)

 


RAMBLA DE CANALETES 2

 

Soy insignificante. No soy alto
ni apuesto. No soy rico. Ni siquiera
despertaría envidia mi salud.

Por eso cuando estoy con gente extraña
hablo estupendamente de mí mismo,
de mis grandes proyectos, de mi gran
capacidad -"Veréis"- al realizarlos.

Edifico en las plazas y jardines
-mentalmente, se entiende- pedestales.
-"Lo veis -diría-. Aquel busto allí arriba
es el mío. Y mi nombre está aquí. Leedlo"-
Y digo "Amigo", "Tú"... Bueno, esas cosas.

Me temo, sin embargo, que no engaño
a nadie, pues se callan o responden
con un discurso igual a mi discurso.
Pero tengo que hacerlo, pues no soy
como veo a los otros desde mi óptica:
altos, apuestos, ricos, saludables...
¿O, acaso, no lo son y cual no fingen?

 

JOSÉ MARÍA FONOLLOSA
Ciudad del hombre: Barcelona
(1996)

 


Sou insignificante. Não sou alto
nem bem-posto. Não sou rico. Nem a saúde
sequer despertará inveja a ninguém.

Por isso quando estou com estranhos,
falo muitíssimo bem de mim mesmo,
dos meus grandes projectos, da minha enorme
capacidade – ‘Heis-de ver’ – ao realizá-los.

Edifico em praças e jardins
- mentalmente, entenda-se – altos pedestais.
- ‘Ora vêde – diria – Aquele busto ali
é meu. E meu nome está aquí, ora lêde’
 – E digo ‘Amigo’, ‘Tu’, essas coisas.

Creio, todavia, que não engano ninguém,
já que ou se calam ou me respondem
na mesma moeda.

Insisto, contudo, pois não sou
tal como vejo os outros: 
ricos, bem-postos, altos e saudáveis…
Ou, porventura, não são, e apenas fingem?

(Trad. A.M.)

 .

27.1.21

José María Cumbreño (A campainha)

 


EL TIMBRE


Sé que me dijiste que no pensabas volver. Que te marchabas
          definitivamente.
Que, según tú, era lo mejor para los dos.
Lo sé.
A pesar de todo, no quise que me devolvieras las llaves.
Porque aunque no me hayas llamado ni una vez.
Ni una sola.
Ni cojas el teléfono cuando yo lo hago.
Todas las tardes, al regresar del trabajo, antes de abrir la
          puerta pulso el timbre.
Y espero.

Por si acaso. 


José María Cumbreño

[Emma Gunst]

 

 

Sim, disseste que não voltavas.
Que te ias embora para sempre.
Que era o melhor para ambos, na tua opinião.
Bem sei.
Apesar de tudo, não quis que me devolvesses a chave.
Porque, embora não me ligasses uma única vez.
Uma só.
Nem atendas o telefone quando eu ligo.
Todas as tardes, ao voltar do trabalho,
antes de abrir a porta,
eu toco à campainha.
E espero.

Para o caso de.


(Trad. A.M.)

.

25.1.21

Isabel Mendes Ferreira (A/gosto)

 


______________ a(gosto) de des.gostar.
sempre bom não esquecer.


gosto de pessoas muito importantes.
aquelas que escrevem ácido sobre tudo e
sobre todos. gosto da falta de memória da
falta de pudor da nenhuma elegância gosto
de pessoas altas e magras esquálidas e
nocturnas obesas e vampirescas cultas
perdidamente belas na sua bola de cristal.
gosto de desgostar e de viver nesta terra de
respirações quixotescas que nos embalam o
gosto de nunca mais gostar. gosto de partir
sentada no lado mais visível das sombras e
de chegar não estando. gosto de ver e fingir
que não vejo o lado magnífico onde tudo se
compra menos a passagem para um mundo
melhor. gosto da inocência dos espelhos.


Isabel Mendes Ferreira


>>  Palavrar (10px14) / IMF (blogue) / UFS (estudo)

.

23.1.21

José Luis Zuñiga (Jogos florais)

 


JUEGO FLORAL

 

¿Quieres que te lo diga 
al modo más romántico? 

Te lo diré: tu boca 
tiene sabor a cántaro
y tu almendro está en flor.


José Luis Zuñiga

[Tiempo a destiempo]

 

 

Queres que to diga
ao jeito mais romântico?

Eu digo: tua boca
sabe a cântaro
e a tua amendoeira
está em flor.


(Trad. A.M.)

.

22.1.21

José Luis García Martín (Haikus)

 


Solo conmigo,
y en el centro del mundo,
esta mañana.

·

Revoloteas
y no te posas nunca,
felicidad.

·

En la hojarasca
que anticipa el otoño,
todos mis sueños.

·

Solo se escucha
el rumor de los versos
en la honda noche.

·

Cuántas maneras
de decir lo que importa
tiene el silencio.

·

¿Quién me acompaña
en esta ardiente noche
si duermo solo?

·

Sílaba a sílaba
una cárcel construyo
en que encerrarme.

·

Música, cesa
que de pronto en la noche
un grillo canta

 

J.L.  García Martín

  

 

A sós comigo,
no centro do mundo,
esta manhã.

.

Revoluteias
e jamais pousas,
felicidade.

.

Na folharada
que outono antecipa,
todos meus sonhos.

.

Apenas se escuta
o rumor dos versos
na funda noite.

.

Quantas maneiras
de dizer o que importa
tem o silêncio.

.

Quem me acompanha
nesta noite ardente,
se durmo só?

.

Sílaba a sílaba
um cárcere construo
para me encerrar.

.

Música, cessa,
que na noite súbito
um grilo canta.


(Trad. A.M.)

.

20.1.21

Pedro Tamen (Resumo)

 


RESUMO

  

Entrego o dia de hoje ao de amanhã
como quem dá um fruto a outra boca:
assim, de dia em dia, faz-se o dia
– tranquilo, universal, inadiado.

Só que não é o rio que me lava,
mas água definida, em seu lugar.

Pedro Tamen

 .

18.1.21

José Hierro (Nuvens)

 


LAS NUBES

 

 Inútilmente interrogas.
 Tus ojos miran al cielo.
 Buscas, mirando a las nubes,
 huellas que se llevó el viento. 

Buscas las manos calientes,
los rostros de los que fueron,
el círculo donde yerran
tocando sus instrumentos. 

Nubes que eran ritmo, canto
sin final y sin comienzo,
campanas de espumas pálidas
volteando su secreto, 

palmas de mármol, criaturas
girando al compás del tiempo,
imitándole a la vida
su perpetuo movimiento.

Inútilmente interrogas
desde tus párpados ciegos.
¿Qué haces mirando a las nubes,
José Hierro?

 
José Hierro



Inutilmente interrogas.
Teus olhos olham para o céu.
Buscas, olhando as nuvens,
pegadas que o vento levou.

Buscas as quentes mãos,
os rostos dos que se foram,
o círculo em que vogam
tocando seus instrumentos.

Nuvens que eram cadência,
canção sem fim nem princípio,
sinos de branca espuma
fazendo rodar seu segredo,

palmas de mármore, entes
girando a compasso com o tempo
mimando da vida
seu perpétuo movimento.

Inutilmente interrogas
com tuas pestanas cegas.
Olhando para as nuvens,
que fazes tu, José Hierro?


(Trad. A.M.)

.

17.1.21

José Emilio Pacheco (Panteões)

 


PANTEONES

 

Veo entre la niebla el cementerio en silencio.
No pienso en otro mundo: me indigna este
que se deshace así de los muertos.
Da horror pensar en los restos abandonados,
más durables que afectos y gratitudes.

Hay que acabar con los panteones
y su intolerable perpetuación del olvido.
Todos debemos ser ceniza arrojada al aire,
volver cuanto antes al polvo
que en su misericordia nos absuelva y acoja.

José Emilio Pacheco

[Trianarts]



Vejo por entre a névoa o cemitério em silêncio.
Não penso em outro mundo, indigna-me este
que se desfaz assim dos mortos.
Que horror pensar nos restos abandonados,
durando mais que os afectos e a gratidão.

Acabemos com os panteões
e sua intolerável perpetuação do olvido.
Temos de ser todos cinza atirada ao ar,
voltar ao pó quanto antes,
que em sua misericórdia nos receba e absolva.


(Trad. A.M.)

.

15.1.21

António Reis (Se o outono)



Se o outono
fosse o cheiro de frutos
na memória

e os frutos
a calma dos sentidos

o nosso rosto com luz
ou néon
pelos cabelos
seria um retrato de mágoa
olhando o chão

António Reis

 .

13.1.21

José Corredor-Matheos (Eu sou um peixe)

 


Yo soy un pez, un pez
que va por el jardín,
tan libre como un árbol.
Soy un árbol, que tiene
raíces en el cielo,
como un pájaro.
Y soy también un pájaro,
y son míos los cielos
las aguas y la tierra.
¿Por qué, si soy un pez,
un pájaro y un árbol,
la angustia de ser hombre
hace que todo
me resulte, de pronto,
tan extraño? 

JOSÉ CORREDOR-MATHEOS
Un pez que va por el jardín
Editorial Tusquets (2007)




Eu sou um peixe, um peixe
que anda pelo jardim,
tão livre como árvore.
Sou uma árvore, com as raízes
no céu, como um pássaro.
E sou também pássaro
e meus são os céus,
as águas e a terra.
Como é que, sendo peixe,
pássaro e árvore,
a angústia de ser homem
faz que tudo me pareça,
de repente,
tão estranho? 

 (Trad. A.M.)
.

12.1.21

José Cereijo (Luz de Março)

 


LUZ DE MARZO               

                                         

En esta luz de marzo,
en esta luz estremecida y pura
que un dios benevolente trajo hoy a tu ventana
y que hace avergonzarse a tu silencio,
además de su inmensa, callada compañía,
hay una lección honda que debes aprender:
no pueden tus palabras retenerla;
no pueden mejorarla. 

Acata esa Belleza, tan superior a ti, y déjala perderse.
Y que el silencio sea tu forma de homenaje.

 
José Cereijo

  

Nesta luz de Março,
nesta luz trémula e pura
que um deus benévolo te trouxe hoje à janela
e que envergonha teu silêncio,
para lá da sua calada companhia,
há uma lição profunda que tens de aprender:
não podem tuas palavras retê-la,
não podem melhorá-la.

Acata essa Beleza, mais alta, e deixa-a perder-se.
E seja o silêncio tua forma de homenagem.


(Trad. A.M.)

.

8.1.21

José Antonio Labordeta (Foi isso)

 


ESTO FUE...

 

 Apenas un recuerdo, un vago sueño
de pasados domingos sin iluminarias
donde los camareros se aburrían
en establecimientos de segunda categoría. 

Todo lo demás es un recuerdo nostálgico
de prensados días escolares
en el juvenil guardapolvo de los lunes. 

Un sueño escaso de lluvias impares,
de noches inconclusas en mi pijama a rayas,
de furtivas huidas sin permiso
y, quizás, de algún funeral sin esperanza. 

Años cautivos que huyeron de nosotros
a través de unos textos donde puede leerse: 

Hoy no llueve... Domingo...
Quizás mañana muertos...
Mi padre me ha pegado...
Ya no hay amor... La una menos diez...
Huimos...
         Y huimos para siempre.

 

José Antonio Labordeta

  

 

Uma recordação apenas, um vago sonho
de passados domingos sem luminárias
onde os empregados se aborreciam
em estabelecimentos de segunda.

Tudo o mais é uma lembrança nostálgica
de longos dias escolares
na gabardina das segundas-feiras.

Um sonho escasso de chuvas ímpares,
de noites inconclusas no meu pijama de riscas,
de fugas furtivas sem licença
e, talvez, de algum funeral sem esperança.

Anos cativos que nos escaparam,
por agendas onde pode ler-se:

Hoje não chove… Domingo…
Amanhã quiçá mortos…
Meu pai bateu-me…
Não há amor já… Uma menos dez
Fugimos…
               E fugimos para sempre.

(Trad. A.M.)

.

7.1.21

José Antonio Fernández Sánchez (Um momento indelével)

 


UN MOMENTO INDELEBLE

                                                   

Me viene a la memoria, muy tenaz,
el recuerdo de aquella madrugada.

Tu marcha me hizo comprender la muerte
que tiempo atrás te fue siempre acechando
-cuánta perseverancia en su insistencia-
llamando en la distancia, exhibiéndose.

Aquella noche, ahora permanente,
dejaste de luchar y renunciaste
a vivir en tu cuerpo.
 Así te fuiste:

dejándome la mano ya sin sangre,
que mi mano cogió, y, acariciándola,
dejó de palpitar. Yo te miré
como nunca antes hice,
y noté -creo, estoy casi seguro-
una sonrisa clara mas muy breve
que adelantaba lo que vino entonces:

un extraño silencio.

José Antonio Fernández Sánchez

[JAFS]

 


Vem-me à lembrança, teimosamente,
a recordação daquela madrugada.

A tua partida fez-me compreender a morte
que já antes te ia espreitando
- que persistência na sua teima -
a chamar de longe, a mostrar-se.

Naquela noite, agora permanente,
deixaste de dar luta e renunciaste
a viver no teu corpo.
E assim te foste:

deixando-me a mão inerme,
abandonada na minha mão,
já sem pulsar. Eu olhei-te,
como jamais antes fizera, e notei
- creio, tenho quase a certeza –
um sorriso claro mas muito breve,
antecipando aquilo que veio depois:

um estranho silêncio.


(Trad. A.M.)

 .

5.1.21

Gonçalo M. Tavares (Ignorância)

 


IGNORÂNCIA

 

Uma ignorância súbita, de uma intensidade incalculável.
É não entender da forma mais humana que existe.
Não é o medo, no animal,
Não é a explosão na matéria: é o espanto.

 
Gonçalo M. Tavares

 .

4.1.21

José Ángel Valente (A si dou-lhe uma flor)

 


A USTED

 

A usted le doy una flor,
si me permite,
un gato y un micrófono,
un destornillador totalmente en desuso,
una ventana alegre.
Agítelos.
Haga un poema
o cualquier otra cosa.
Léasela al vecino.
Arrójela feliz al sumidero.
Y buenos días,
no vuelva nunca más, salude
a cuantos aún recuerden
que nos vamos pudriendo de impotencia.
 

José Ángel Valente

Life vest under your seat]

 

 

A si dou-lhe uma flor,
se me permite,
um gato, mais um microfone,
um desandador fora de uso,
uma janela airosa.
Agite tudo.
Faça um poema
ou outra coisa qualquer.
Leia-a ao vizinho.
Atire-a feliz  para o lixo.
E bom dia,
não volte nunca mais, dê cumprimentos
a quantos se lembrarem ainda
que vamos apodrecendo de impotência.

 
(Trad. A.M.)

 


3.1.21

José Alcaraz (Vou baixar o som dos automóveis)

 


(12)

Voy a bajar el sonido de los coches / hasta que no se oigan. / Y el de las tiendas, / y el de los teléfonos. / El jadeo de los mercados, / el grito de las barriadas, / el sollozo de las oficinas. // Voy a poner mi mano / sobre las bocas de los árboles / para que no cuenten / viejas historias de ahorcados, / y después engrasar / los raíles de las órbitas / y de los caminos al trabajo. // Voy a pedir silencio / en todas las clases, / hacer de la gente una biblioteca / para estudiarlo. // Quiero que el ruido abandone / este poema, / escuchar sólo / tu corazón.

 José Alcaraz

 

Vou baixar o som dos automóveis / até não se ouvirem. / E o das lojas, / e dos telefones. / O arquejar dos mercados, / o grito dos bairros / o soluço dos escritórios. // Vou pôr a mão / nas bocas das árvores / para não contarem / velhas histórias de enforcados, / e depois untar / os railes das órbitas / e dos caminhos para o trabalho. // Vou pedir silêncio / em todas as aulas, / fazer das pessoas uma biblioteca / de estudo. // Quero que o ruído saia / deste poema, / ouvir apenas / teu coração.

 (Trad. A.M.)

 .

1.1.21

Nuno Dempster (Acaso)

 


ACASO

 

Quando, pela primeira vez, a vi sair
do eléctrico em Lisboa,
era tarde demais para eu saber
o que haveria nela:
que luz, além
do calor que endoidece
as noites de verão,
e que esperança,
salvo esse impulso de árvore.
Vivia para o sol como eu vivi,
para as noites que brilham na cidade
por entre a multidão,
onde só dois se podem encontrar.
Era tarde demais.
Foi-se o tempo em que tudo e nada dura,
e hoje penso no acaso sem remédio
de cada um de nós guardar
o passado em gavetas separadas.

Nuno Dempster

 .