30.6.19

Erri de Luca (Valor)





VALORE



Considero valore ogni forma di vita,
la neve, la fragola, la mosca.
Considero valore il regno minerale, l’assemblea delle stelle.
Considero valore il vino finché dura il pasto, un sorriso involontario,
la stanchezza di chi non si è risparmiato, due vecchi che si amano.
Considero valore quello che domani non varrà più niente
e quello che oggi vale ancora poco.
Considero valore tutte le ferite.
Considero valore risparmiare acqua, riparare un paio di scarpe,
tacere in tempo, accorrere a un grido,
chiedere permesso prima di sedersi,
provare gratitudine senza ricordare di che.
Considero valore sapere in una stanza dov’è il nord,
qual è il nome del vento che sta asciugando il bucato.
Considero valore il viaggio del vagabondo, la clausura della monaca,
la pazienza del condannato, qualunque colpa sia.
Considero valore l’uso del verbo amare e l’ipotesi che esista un creatore.
Molti di questi valori non ho conosciuto.


Erri de Luca





Considero valor qualquer forma de vida,
a neve, a mosca, o morango.
Considero valor o reino mineral, o universo de estrelas.
Considero valor o vinho até se acabar o repasto,
um sorriso involuntário,
o cansaço de quem não se poupa,
dois velhos que se amam.
Considero valor o que amanhã não vale nada
e o que hoje vale ainda pouco.
Considero valor as feridas.
Considero valor poupar água, consertar uns sapatos,
calar-se a tempo, acudir a um grito,
pedir licença para sentar, sentir gratidão sem lembrar de quê.
Considero valor saber onde é o norte,
ou o nome do vento que sopra lá fora.
Considero valor a viagem do vagabundo, a clausura da monja,
a paciência do condenado, seja qual for a culpa.
Considero valor o uso do verbo amar e a hipótese de um criador.
Muitos destes valores nunca os conheci.

(Trad. A.M.)

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28.6.19

María Sanz (A Rodrigo de Xerez)




A RODRIGO DE XEREZ



Ojos míos, de lumbre y madrugada,
que rasgasteis la niebla por noviembre
mostrándome el camino del adviento.

Sangre mía, oh savia nueva y libre,
que incendiaste mi pálida corola
para que su rubor prendiera el aire.

Cielo mío, tan pleno de armonías,
constelado y mutable, pero eterno,
desvelándome a solas sus arcanos.

Todo esto eres tú, por si lo ignoras.


María Sanz




Olhos meus, de fogo e madrugada,
que rasgastes a névoa em Novembro
mostrando-me o caminho do advento.

Sangue meu, ó seiva nova e livre,
que me incendiaste a corola
para seu rubor suster o vento.

Meu firmamento, pleno de harmonias,
constelado e mutável, mas eterno,
a sós me destapando seus arcanos.

Tudo isto és tu, se é que o não sabes.


(Trad. A.M.)

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27.6.19

María Laura Decésare (Maré)





MAREA



Cada una de las palabras
que arrojé esa tarde
bajo la llovizna de sal
fue un intento
absurdo,
brazada tras brazada
de llegar a tu orilla.


María Laura Decésare




Cada palavra
que aventei nessa tarde
sob o chuvisco salgado,
uma tentativa
absurda,
braçada após braçada,
de chegar à tua beira.

(Trad. A.M.)

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25.6.19

Emanuel Félix (Os búzios)





OS BÚZIOS



Deixados pelos Deuses sobre a areia
Os búzios são cofres com pedaços da noite
Pequenos transistores para as notícias do mar
Encontrados pelas crianças na praia
Os búzios são caixas de música
São os ouvidos petrificados dos peixes
E um búzio separa
As crianças dos Deuses


Emanuel Félix

[Nocturno]

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24.6.19

Marcelo Daniel Díaz (Há um animal que recorda)





Hay un animal que recuerda
los latidos de la pérdida,
lo alimento
en su resplandor.
A veces hago ruido
y el sonido
resuena en otra dimensión.
Quería escribir un poema
un sello
para las horas que vendrán
y para las horas
que se fueron
y terminé hablando
en esta incandescencia
como si la luz
de ayer
fuese la primera luz
de mañana.


Marcelo Diaz

[Transtierros]




Há um animal que recorda
o uivo da perda,
o alimento
em seu esplendor.
Às vezes faço barulho
e o som
ressoa em outra dimensão.
Queria fazer um poema,
um selo
para as horas a vir
e para aquelas que se foram,
e acabei a falar
nesta incandescência
como se a luz
de ontem
fosse a primeira luz
de amanhã.

(Trad. A.M.)

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22.6.19

Carmelo Guillén Acosta (Imagem sentimental)




IMAGEN SENTIMENTAL DE MI PADRE



Y a los ojos me viene su presencia,
del patio al corazón, del corazón
al compromiso. Lo confieso: el tono
es diferente cuando hablo de él.
Y sigue vivo; y sigue enamorado
de mi madre; y a su hijo, por mucho
que le diera por oírlo, lo quiso
más que a él.
Cuando me acerco a verlo,
me exige que la cuide, que es mi madre,
y a él, que no me olvide de llevarle
las flores de los muertos, que a los muertos
se les honra con flores. ¡Qué de veces
me lo viene diciendo!:
no te olvides
ni en la vida ni en la muerte de aquel
dulce deber: el cuarto mandamiento.


Carmelo Guillén Acosta

[Autorretrato]





E até aos olhos me chega sua presença,
do pátio ao coração, do coração
ao compromisso. Confesso, o tom
é diferente quando falo dele.
E continua vivo; e continua enamorado
de minha mãe; e ao filho, digamos,
amou-o bem mais que a si mesmo.
Quando vou vê-lo,
recomenda-me que dela cuide, que é minha mãe,
e quanto a ele não me esqueça de levar-lhe
as flores dos mortos, que os mortos
honram-se com flores. Quantas vezes
mo vem dizendo:
não te esqueças,
seja em vida ou na morte, daquele
dever sagrado, o quarto mandamento.

(Trad. A.M.)

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21.6.19

Cristovam Pavia (Ao meu cão)





AO MEU CÃO



Deixei-te só, à hora de morrer.
Não percebi o desabrigado apelo dos teus olhos
humaníssimos, suaves, sábios, cheios de aceitação
de tudo... e apesar disso, sem o pedir, tentando
insinuar que eu ficasse perto,
que, se me fosse, a mesma era a tua gratidão.

Não percebi a evidência de que ias morrer
e gostavas da minha companhia por uma noite,
que te seria tão doce a minha simples presença
só umas horas, poucas.
Não percebi, por minha grosseira incompreensão,
não percebi, por tua mansidão e humildade,
que já tinhas perdoado tudo à vida
e começavas a debater-te na maior angústia,
a debater-te com a morte.
E deixei-te só, à beira da agonia, tão aflito, tão só e sossegado.


Cristovam Pavia

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19.6.19

Manuel Moya (Pássaros furtivos)





PÁJAROS FURTIVOS



Se hielan los postigos
en esta noche densa.
Los árboles, distantes,
ofician su espesura.
La lluvia que te sigue,
el calor que has injertado,
recorren esta noche
de pájaros furtivos.

Se hielan los cristales
y es nada cuanto amaste,
nada la pátria que te acoge,
la voz con que recuerdas.


Manuel Moya




Gelam as portadas
nesta noite densa.
As árvores, distantes,
celebram sua espessura.
A chuva que te segue,
o calor que enxertaste,
percorrem esta noite
de pássaros furtivos.

Gelam os vidros
e é nada quanto amaste,
nada a pátria que te acolhe,
a voz com que recordas.

(Trad. A.M.)

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18.6.19

Luis Rosales (Canção onde se explica)





CANCIÓN DONDE SE EXPLICA, BIEN EXPLICADO, QUE AL PRONUNCIAR UNA SOLA PALABRA PUEDES HACER TU BIOGRAFÍA



La palabra que decimos
viene de lejos,
y no tiene definición,
tiene argumento.

Cuando dices: nunca,
cuando dices: bueno,
estás contando tu historia
sin saberlo.


Luis Rosales




A palavra que dizemos
vem de longe;
e não tem definição,
tem assunto.

Ao dizer ‘nunca’,
como ao dizer ‘bom’,
estás a contar a tua história
sem saber.

(Trad. A.M.)

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16.6.19

Emanuel Félix (Poética)




POÉTICA



Nada digo por hábito
tudo de novo vem de ti
nasce de novo
Nada digo de novo
sobrevoo
o deserto movente das palavras
em busca de um sinal
exacto e comovente do teu corpo


Emanuel Félix

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15.6.19

Luis García Montero (A crueldade)





LA CRUELDAD



No es el cuchillo que por fin nos mata,
sino la espera fría de su hoja en la piel,
el tiempo sucio y duro,
los plazos del temor, porque la muerte
suele afilar sus armas
en el miedo cortante de la víctima.

No es el tener que irme,
ni es el amor vivido en dos ciudades,
sino la cuenta atrás de los últimos días,
la mala noche que pasea
su cuchillo de dudas en el pecho,
y después la mañana rencorosa,
el desilusionado rencor de los kilómetros
que me van separando una vez más,
por la M-30
como la uña de la carne.


Luis García Montero

[Life vest under your seat]





Não é o punhal que nos mata por fim,
mas a espera fria da sua folha na pele,
o tempo sujo e cruel,
os prazos do medo, pois que a morte
afia suas armas
no medo cortante da vítima.


Não é o ter de me ir,
nem o amor vivido em duas cidades,
mas a conta para lá dos últimos dias,
a noite má que me passeia
no peito seu punhal de dúvidas,
e depois a manhã rancorosa,
a raiva desiludida dos quilómetros
que me vão afastando mais uma vez,
pela M-30,
como a unha da carne.


(Trad. A.M.)

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13.6.19

Raúl González Tuñón (E o porvir que nasce como uma criança)





Y EL PORVENIR QUE NACE COMO UN NIÑO, DESNUDO



Desnudo nace el niño, desnudo y sin un céntimo.
El porvenir es un niño desnudo.
Vienen después los años, las leyes, los prejuicios, el alquiler,
los primeros ministros, y todo se complica.
Vienen los que se oponen a que la historia crezca,
las brújulas se inquieten y se apasionen los relojes,
y están los que se sientan en la piedra
("Non raggionam di lor, ma guarda e pasa".)
A Moisés lo pusieron en una canasta, en la corriente,
y hubo un niño apodado La Suerte en California.
El porvenir estaba en ellos, desnudo y sin vergüenza.


Raúl González Tuñón

[Otra iglesia]





Desnuda nasce a criança, desnuda e sem um cêntimo,
e o futuro é uma criança desnuda.
Depois vêm os anos, as leis, os pré-juízos, o aluguer,
os primeiros-ministros, e tudo se complica.
Vêm os que são contra que a história cresça,
as bússulas se inquietem e se apaixonem os relógios
e estão aqueles que se sentam na pedra
("Non raggionam di lor, ma guarda e pasa”.)
Moisés meteram-no num cesto, na corrente,
e a uma criança na Califórnia apodaram-na de Sorte.
O futuro estava neles, desnudo e sem vergonha.


(Trad. A.M.)



>>  Poeticous (45p) / El placard (14p) / Pagina de poesia (10p) / Wikipedia

.

12.6.19

Manuel Bandeira (Mozart no céu)




MOZART NO CÉU



No dia 5 de Dezembro de 1791 Wolfgang Amadeus Mozart
entrou no céu, como um artista de circo, fazendo
piruetas extraordinárias sobre um mirabolante cavalo branco.

Os anjinhos atónitos diziam: Que foi? Que não foi?
Melodias jamais ouvidas voavam nas linhas suplementares
superiores da pauta.
Um momento se suspendeu a contemplação inefável.
A Virgem beijou-o na testa.
E desde então Wolfgang Amadeus Mozart foi o mais moço dos anjos.


Manuel Bandeira

[Versos de criança]

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11.6.19

Mario Míguez (Sum qualis eram)




(Sum qualis eram)


Qué mal me amaba yo cuando era joven
pues no sabía aún ser el que yo era.
Cuánto he tardado en aprender a amarme,
en aprender a ser el que fui siempre.
Soy por fin el que ya era, el verdadero,
el que estaba ya en mí desde el principio,
y puedo amaros ahora como me amo
ofreciendo este amor que en mí sentía.
Y todos decís no reconocerme...
No... Es que nunca me habíais conocido.

Mario Míguez




Que mal me amava eu quando era jovem
que não sabia ainda ser aquele que eu era.
Quanto demorei a aprender a amar-me,
a aprender a ser o que sempre fui.
Sou por fim o que era já, o verdadeiro,
o que estava já em mim desde o princípio,
e posso agora amar-vos como me amo,
oferecendo este amor que em mim sentia.
E todos dizeis não me reconhecer...
Não... É que nunca me tínheis conhecido.

(Trad. A.M.)



>>  La vida en verso (7p) / Poetas siglo XXI (6p) / Wikipedia

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9.6.19

José Cereijo (O silêncio)





EL SILENCIO



Calla la vieja muerte hospitalaria,
calla Dios en su cielo,
calla el amor si es hondo, y también calla,
como el dolor, el tiempo.
Para qué tus palabras, si todo lo que importa
pertenece al silencio?


José Cereijo





Cala a velha morte hospitaleira,
cala Deus lá no céu,
cala o amor, se é profundo,
e cala também, tal como a dor,
o tempo.
Para quê palavras, se tudo o que importa
pertence ao silêncio?


(Trad. A.M.)



>>  Ojos de papel (21p) / Fuego sagrado (10p) / Poesia digital (recensão-EGM) / Crisis de papel (outra-JLGM)

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8.6.19

Cesare Pavese (Também tu és o amor)





Anche tu sei l’amore.
Sei di sangue e di terra
come gli altri. Cammini
come chi non si stacca
dalla porta di casa.
Guardi come chi attende
e non vede. Sei terra
che dolora e che tace.
Hai sussulti e stanchezze,
hai parole – cammini
in attesa. L’amore
è il tuo sangue – non altro.

Cesare Pavese





Também tu és o amor.
És de sangue e terra
como os outros. Caminhas
como quem não se afasta
da porta de casa.
Observas como quem espera
e não vê. És terra
que dói e que cala.
Tens sobressaltos e cansaços,
tens palavras – caminhos
que esperam. O amor
é o teu sangue - não outra coisa.

(Trad. A.M.)

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6.6.19

Luis Cernuda (Um espanhol fala da sua terra)





UN ESPAÑOL HABLA DE SU TIERRA



Las playas, parameras
Al rubio sol durmiendo,
Los oteros, las vegas
En paz, a solas, lejos;
Los castillos, ermitas,
Cortijos y conventos,
La vida con la historia,
Tan dulces al recuerdo,
Ellos, los vencedores
Caínes sempiternos,
De todo me arrancaron.
Me dejan el destierro.
Una mano divina
Tu tierra alzó en mi cuerpo
Y allí la voz dispuso
Que hablase tu silencio.
Contigo solo estaba,
En ti sola creyendo;
Pensar tu nombre ahora
Envenena mis sueños.
Amargos son los días
De la vida, viviendo
Sólo una larga espera
A fuerza de recuerdos.
Un día, tú ya libre
De la mentira de ellos,
Me buscarás. Entonces
¿Qué ha de decir un muerto?


Luis Cernuda

[Poeticas]




As praias, campos
dormindo ao loiro sol,
outeiros e várzeas, em paz,
longe, na solidão;
Castelos, ermidas,
quintas e conventos,
a vida mais a história,
tão doces na lembrança,
eles, os vencedores
sempiternos Cains,
de tudo me arrancaram.
Deixam-me o desterro.
Mão divina ergueu
tua terra em meu corpo
e aí a voz dispôs
que falasse teu silêncio.
Contigo só eu estava,
crendo apenas em ti;
Pensar teu nome agora
envenena-me os sonhos.
Amargos são os dias
da vida, vivendo só
esta longa espera
à força de lembranças.
Um dia, livre já
da mentira deles,
tu me buscarás. Então,
o que há-de dizer um morto?


(Trad. A.M.)

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5.6.19

Luis Alberto de Cuenca (Espanha)





ESPAÑA



Es un lugar muy triste que ha prohibido los héroes
y ha dejado pudrirse las rosas del escándalo.
Siempre he vivido en él. No sé si en otra parte
habrá tantos borrachos y chicas tan espléndidas.
Es sólo un lugar pobre que ha perdido su alma
sin ganar nada a cambio, un lugar sin futuro,
un puñado de tierra desunido y estéril.
Por él daría mi sangre hasta la última gota .

Luis Alberto de Cuenca

[El almirante ruina]





É um lugar muito triste que proibiu os heróis
e deixou apodrecer as rosas do escândalo.
Vivi sempre nele. Não sei se noutro lugar
haverá tantos borrachos e mulheres tão belas.
É só um lugar pobre que perdeu a alma
sem nada ganhar em troca, um lugar sem futuro,
um punhado de terra estéril e desunido.
Por ele daria meu sangue até à última gota.

(Trad. A.M.)

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Lembra isto: José Emilio Pacheco (Alta traição)

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3.6.19

Carlos Alberto Machado (Olhamos o amor e a morte)





Olhamos o amor e a morte
desdobrando-se no tempo
nas rugas das suas estações
demasiado tempo mantemos
a ilusão de uma diferença
mas o tempo comprime-se
naquele momento breve
em que a nossa vontade
julga poder prescindir dele.


Carlos Alberto Machado

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2.6.19

Leopoldo María Panero (Como um velho)





Como un viejo chupando un limón seco
así es el acto poético.
El caballo con su espada
divide la vida en dos:
a un lado el placer sin nada
y al otro, como mujer vencida
la vida que despide mal olor.


Leopoldo María Panero




Como um velho a chupar um limão seco,
assim é o acto poético.
O cavalo com sua espada
retalha a vida em duas:
de um lado o prazer sem nada,
do outro, como vencida mulher,
a vida que deita mau cheiro.


(Trad. A.M.)

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