28.10.17

José Rentes de Carvalho (Portugal)





Verdade é que Portugal viria a ocupar-me de maneira bem diferente, levando-me a descobrir no exílio sentimentos de vergonha que se juntavam, mas excediam, os que até então só tinham sido de revolta.

Ao insulto pode responder-se com outro, não custa pagar a arrogância com moeda igual, mas dói, dói muito, quando sinceramente, e com fundamento, nos demonstram piedade pela pouca sorte de termos nascido num país de ternura, de tanta gentileza, mas ser ele há séculos coito de quadrilhas que pela força e o embuste chamam a si a lei, a impõem a uma gente que, amedrontada e pobre, se verga ao jugo e muda em subserviência o seu natural carinho. (...)


O passar dos anos e o cansaço das emoções têm acalmado alguma coisa, não muito, da raiva que me possui, mas continua a enfurecer-me a desigualdade, a desvergonha e o desdém dos governantes pelos governados, a roubalheira que fazem da coisa pública, o desmedido fosso entre os que têm e os que nunca terão.


J. RENTES DE CARVALHO
O Meças
(2016)

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