31.7.17

Efraín Huerta (Testamento cândido)





CANDOROSO TESTAMENTO



Ahora
Me
Cumplen
O
Me
Dejan
Como
Estatua

Efraín Huerta




Agora
ou me
cumprem
ou me
deixam
como
estátua


(Trad. A.M.)



>>  Poesi.as (70p) / A media voz (30p) / Wikipedia

.

30.7.17

Fernando Pessoa / A. Campos (Arre)





ARRE



Arre, que tanto é muito pouco!
Arre, que tanta besta é muito pouca gente!
Arre, que o Portugal que se vê é só isto!
Deixem ver o Portugal que não deixam ver!
Deixem que se veja, que esse é que é Portugal!
Ponto.

Agora começa o Manifesto:
Arre!
Arre!
Oiçam bem:
ARRRRRE!


Álvaro de Campos

[Assirio e Alvim]

.

29.7.17

José María Cumbreño (Coisas que me tiram do sério)





COSAS QUE ME SACAN DE QUICIO
                                                                             


Que en el supermercado sea yo la única 
que se ponga guantes para coger los tomates 
y la fruta.
Las espabiladas que intentan colarse.
Que el gilipollas de turno me pregunte si me ha gustado.
Tener que depilarme las axilas.
Ir a ducharme y que no haya agua.
Haberlo organizado todo y que mi jefe 
me desbarate los planes en un minuto.
Que algún imbécil me suelte lo de lo nuestro 
no puede ser porque eres mucha mujer para
mí y tú te mereces algo mejor.
La regla (cuando viene).
La regla (cuando no viene).
Estar continuamente a dieta y que ni se note. 
Los pelos en la bañera.
Los pelos en la cama.
Los pelos.
Seguir viviendo con mis padres.
Que un tío en la discoteca me pregunte la edad que tengo.
La cara que pone cuando se la digo.
Quemarme la lengua con el café.
El pestazo a tabaco en la ropa.
La resaca de los domingos por la mañana.
No acordarme de nada de lo que hice la noche anterior.
La talla de mis pantalones
Que todavía me salgan granos.
Mirarme al espejo y preguntarme para qué coño voy al gimnasio.
Salir siempre en las fotos con los ojos cerrados.
Estas tetazas que tengo.
Que los novios de mis amigas me las miren cuando ellas van al servicio.
Mi nombre.
Los cereales con fibra.
Los cereales bajos en calorías.
Que mi madre me repita cada dos por tres que, como me descuide, 
se me va a pasar el arroz.
Saber que encima tiene razón.
Las oposiciones.
Los anuncios de cremas contra la celulitis.
Cumplir años.
Ser incapaz de dejar de echar de menos al cabrón de Miguel.


José María Cumbreño





Que seja eu a única no supermercado 
a pôr luvas para tirar os tomates
e a fruta.
As presumidas que tentam encostar-se.
Que o palerma de serviço me pergunte se gostei.
O ter de depilar as axilas.
Ir para o duche e faltar a água.
Ter organizado tudo muito bem e o chefe
desfazer-me os planos num minuto.
Que um imbecil qualquer me jogue aquilo 
de que connosco não pode ser nada
porque tu és mulher de mais para mim
e mereces coisa melhor do que eu.
O período (quando aparece).
O período (quando não aparece).
Andar sempre a dieta e não se notar.
Os cabelos na banheira.
Os cabelos na cama.
Os cabelos.
Continuar a viver em casa dos pais.
Que um tipo na discoteca me pergunte pela idade.
A cara que faz ao receber a resposta.
Queimar-se-me a língua com o café.
O cheirete a tabaco na roupa.
A ressaca dos domingos de manhã.
Não lembrar nada do que fiz na noite anterior.
O tamanho das calças.
Que ainda me apareçam borbulhas.
Olhar-me no espelho e questionar para que raio ando no ginásio.
Ficar nas fotos sempre de olhos fechados.
Estas mamonas que tenho.
Que lhes deitem os olhos os noivos das minhas amigas
quando elas vão ao toalete.
O meu nome.
Os cereais com fibra.
Os cereais com poucas calorias.
Que minha mãe esteja sempre a dizer-me que o arroz vai 
ficar passado se eu me descuidar.
Saber que ela ainda por cima tem razão.
Os exames
Os anúncios de cremes para a celulite.
Fazer anos.
Sentir a falta que me faz o cabrão do Miguel.

(Trad. A.M.)


.

28.7.17

José Luis Zúñiga (Tua a luz)





TUYA ES LA LUZ



¡Qué insensatez acumular recuerdos
cuando es viva la luz!
Ante tu pecho erguido no hay ocaso,
amanece sin pausa un nuevo día,
presencia inacabable,
inagotable fuente de horas vivas,
regazo sugerido de futuros descansos.
Tuya es la luz, no hay nadie
que pueda arrebatarme la antigua claridad,
ningún recuerdo, ninguna hermosa historia
frente al irrefutable resplandor que hoy emanas,
precisamente hoy, hoy sobre todo,
mansa luz que se filtra
por cada poro de tu cuerpo adulto,
poderoso, a golpes de oleaje
cincelado. No cabe recordar,
sólo morir amando sorbo a sorbo.


José Luis Zuñiga






Que insensatez acumular lembranças
quando está viva a luz!
Ante o teu peito erguido não há ocaso,
amanhece sem pausa um novo dia,
presença inacabável,
inesgotável fonte de horas vivas,
colo sugerido de futuros descansos.
Tua a luz, ninguém poderá
arrebatar-me a antiga claridade,
nem lembrança, nem bela história,
frente ao resplendor que de ti emana hoje,
precisamente hoje, hoje sobretudo,
mansa luz coando-se
por cada poro de teu corpo adulto,
poderoso, cinzelado pelas ondas.
Nada de recordar, morrer sim
amando sorvo a sorvo.



(Trad. A.M.)

.

27.7.17

Eugénio de Andrade (Cantas. E fica a vida suspensa)





(II)

Cantas. E fica a vida suspensa.
É como se um rio cantasse:
em redor é tudo teu;
mas quando cessa teu canto
o silêncio é todo meu.


Eugénio de Andrade



.


26.7.17

José Luis Hidalgo (Só tu e eu sabemos)





Sólo tú y yo sabemos la verdad de este mundo
 que día a día robamos a la muerte,
 que erigimos de nada tan solo con palabras
 humo  
 ceniza de un beso olvidado en tu frente.  
 Sólo tú y yo sabemos  
 fábulas como flautas  
 silencios como hormigas más o menos sonoras  
 y eso que se edifica lentamente en tus ojos  
 detrás de la vitrina o cristal de una lágrima  
 ese beso o latido  
 esa sonrisa o llama  
 de tener a la vida en la flor de los labios.


José Luis Hidalgo




Só tu e eu sabemos a verdade deste mundo
que roubamos à morte dia a dia,
que erguemos do nada só com palavras
fumo
cinza de um beijo esquecido na tua fronte.
Só tu e eu sabemos
fábulas como flautas
silêncios como formigas mais ou menos sonoras
e isso que se edifica lentamente em teus olhos
por trás da vitrina ou cristal de uma lágrima
esse beijo ou pulsar
esse sorriso ou chama
de ter a vida à flor dos lábios.


(Trad. A.M.)

.

25.7.17

José Luis García Martín (Versos escritos entre duas aulas)





VERSOS ESCRITOS ENTRE DUAS AULAS
NA CAFETERIA DA FACULDADE



Um abismo separa tua vida da minha.
Lá no fundo as águas do grande rio,
ao alto abutres que não param.
Cerro os olhos antes do grande salto,
do cego impulso para lado nenhum.
Quando os abro sorris-me
– Estavas há muito à espera? –
não sei se neste mundo ou no outro.


J.L. García Martín



(Trad. A.M.)

.

24.7.17

Daniel Filipe (Paisagem)





PAISAGEM



Ilha: pedaço de osso
à flor da pele do mar.
Esquírola viva, troço
de abóbada lunar.
Mar em azul inesperado.
Ilha, começo e fim do mundo
perpetuamente adiado
entre as algas do fundo.
Ilha, navio antes do oceano,
terra em pouso do sonho, rosto
de pedra com perfil humano,
ao vento sul exposto.


Daniel Filipe


>>  Escritas (8p) / Antonio Miranda (6p) / Wikipedia

.




23.7.17

José Hierro (Luz da tarde)





LUZ DE LA TARDE



Me da pena pensar que algún día querré ver de nuevo este espacio,
tornar a este instante.
Me da pena soñarme rompiendo mis alas
contra muros que se alzan e impiden que pueda volver a encontrarme.

Estas ramas en flor que palpitan y rompen alegres
la apariencia tranquila del aire,
esas hojas que mojan mis pies de crujiente hermosura,
el muchacho que guarda en su frente la luz de la tarde,
ese blanco pañuelo caído tal vez de unas manos,
cuando ya no esperaban que un beso de amor las rozase...

Me da pena mirar estas cosas, querer estas cosas, guardar estas cosas.
Me da pena soñarme volviendo a buscarlas, volviendo a buscarme,
poblando otra tarde como ésta de ramas que guarde en mi alma,
aprendiendo en mí mismo que un sueño no puede volver otra vez a soñarse.


José Hierro





Dá-me pena pensar que um dia hei-de querer ver de novo este espaço,
tornar a este instante.
Dá-me pena sonhar-me a quebrar as asas
contra os muros que me impedem de voltar a encontrar-me.

Estes ramos em flor que quebram de alegria
o ar tranquilo da tarde,
estas folhas que me molham os pés de beleza,
o moço que guarda na fronte a luz vespertina,
esse lenço branco caído acaso de umas mãos
que já não esperavam que um beijo de amor as tocasse...

Dá-me pena olhar para estas coisas, querê-las, guardar estas coisas.
Dá-me pena sonhar em voltar a buscá-las, em voltar a buscar-me,
povoando outra tarde como esta de ramos que guarde na alma,
aprendendo em mim mesmo que um sonho não pode voltar outra vez a sonhar-se.


(Trad. A.M.)

.

22.7.17

José Emilio Pacheco (O 'y')





LA “Y”



En los muros ruinosos de la capilla
florece el musgo pero no tanto
como las inscripciones: la selva
de iniciales talladas a navaja en la piedra
que, unida al tiempo, las devora y confunde.

Letras borrosas, torpes, contrahechas.
A veces desahogos, insultos.
Pero invariablemente
las misteriosas iniciales unidas
por la “y” griega:
manos que acercan,
piernas que se entrelazan, la conjunción
copulativa, huella en el muro
de cópulas que fueron o no se realizaron.
Cómo saberlo

Porque la “y” del encuentro también simboliza
los caminos que se bifurcan: E.G.
encontró a F.D. Y se amaron.
¿Fueron “felices para siempre”?
Claro que no, tampoco importa demasiado.

Insisto: se amaron
una semana, un año o medio siglo.
Y al fin
la vida los separó o los desunió la muerte
(una de dos sin otra alternativa).

Dure una noche o siete lustros, ningún amor
termina felizmente (se sabe).
Pero aun la separación
no prevalecerá contra lo que juntos tuvieron.

Aunque M.A. haya perdido a T.H.
y P. se quede sin N.,
hubo el amor y ardió un instante y dejó
su humilde huella, aquí entre el musgo,
en este libro de piedra.


José Emilio Pacheco

[Escomberoides]





Nos muros da capela em ruínas
o musgo alastra, mas não tanto
como as inscrições, a selva
de iniciais marcadas à navalha na pedra,
que as devora e confunde, aliada ao tempo.

Letras confusas, desajeitadas, contrafeitas.
Às vezes desabafos, insultos.
Mas invariavelmente
as misteriosas iniciais unidas
pelo “y” grego,
mãos que acercam,
pernas que se enlaçam, a conjunção
copulativa, marca no muro
de cópulas que foram
ou não chegaram a ser.
Como sabê-lo?

Porque o “y” do encontro também simboliza
caminhos que se bifurcam: E.G.
encontrou F.D. E amaram-se.
Foram “felizes para sempre”?
Claro que não, nem isso importa muito.

Insisto, amaram-se
uma semana, um ano ou meio século.
E por fim
a vida separou-os ou desuniu-os a morte
(uma de duas, sem mais alternativa).

Dure uma noite ou sete lustros, nenhum amor
termina de modo feliz (é sabido).
Mas também a separação
não prevalecerá contra o que juntos tiveram.

Mesmo que M.A. tenha perdido T.H.
e P. fique sem N.,
houve amor e ardeu um instante e deixou
uma marca humilde, no meio do musgo,
neste livro de pedra.


(Trad. A.M.)

.


21.7.17

Charles Bukowski (Nossa curiosa posição)





OUR CURIOUS POSITION



Saroyan on his deathbed said,
"I thought I would never die. . . "

I know what he meant:
I think of myself forever
rolling a cart through a
supermarket
looking for onions, potatoes
and bread
while watching the misshapen
and droll ladies push
by.
I think of myself forever
driving the freeway
looking through a dirty
windshield with the radio tuned to
something I don't want
to hear.
I think of myself forever
tilted back in a
dentist's chair
mouth
crocodiled open
musing that
I'm in
Who's Who in America.
I think of myself forever
in a room with a depressed
and unhappy woman.
I think of myself forever
in the bathtub
farting underwater
watching the bubbles
and feeling proud.

but dead, no. . .
blood pin-pointed out of
the nostrils,
my head cracking across
the desk
my fingers grabbing at
darkspace...
impossible ...

I think of myself forever
sitting upon the edge
of the bed
in my shorts with
toenail clippers
cracking off
huge ugly chunks
of nail
as I smile
while my white cat
sits in the window
looking out over the
town
as the telephone rings...

in between the
punctuating
agonies
life is such a
gentle habit:
I understand what
Saroyan
meant:

I think of myself
forever walking down the
stairs
opening the door
walking to the
mailbox
and finding all that
advertising
which
I don't believe
either.


Charles Bukowski



Saroyan dizia no seu leito de morte
“eu nunca pensei que morria”...

e eu percebo-o,
vendo-me a mim mesmo para sempre
a puxar um carrinho
no supermercado
em busca de cebolas, batatas
e pão,
e a ver passar as matronas
 ao lado a empurrar.
Vejo-me a conduzir eternamente
pela estrada,
olhando pelo vidro sujo, com o rádio
sintonizado em algo que não queria escutar.
Vejo-me recostado para sempre
na cadeira do dentista
a boca aberta como um crocodilo,
a pensar que figuro na lista
dos mais importantes da América.
Vejo-me num quarto para sempre
com uma mulher deprimida, infeliz.
Vejo-me na banheira
 a puxar uns traques subaquáticos
e a contemplar as bolhas, orgulhoso.

Mas morto, não...
o sangue a espirrar-me
do nariz,
a cabeça a estoirar-me no escritório,
os meus dedos filados
no espaço negro,
impossível.

Vejo-me eternamente sentado
na beira da cama,
em calções,
a cortar as unhas dos pés
sorrindo
para o gato sentado na janela
a olhar para fora
enquanto o telefone toca...

Por entre agonias pontuais
é um hábito catita, a vida:
percebo o que Saroyan
queria dizer:

Vejo-me no tempo a descer
as escadas,
abrir a porta,
ir à caixa do correio
e topar com a tralha
da publicidade
em que tão pouco acredito.


(Trad. A.M.)

.

20.7.17

José Daniel Espejo (A máquina)





LA MÁQUINA



Nos perseguimos
para matarnos.
Esperamos el momento oportuno
para el golpe por sorpresa
la emboscada definitiva.
En la práctica esta guerra
se reduce a una larga
continua vigilancia. Lo peor
son las noches afilando cuchillos.


José Daniel Espejo




Para nos matarmos
nos perseguimos.
Esperamos o momento azado
para o ataque de surpresa,
a emboscada fatal.
Na prática, esta guerra
reduz-se a uma longa
contínua vigilância. O pior
são as noites a afiar as facas.

(Trad. A.M.)

.

19.7.17

José Corredor-Matheos (Que seja Primavera)





Que sea primavera
cuando escribas,
y el día, como hoy,
tenga un sol cuya luz
no proyecte más sombra
que la que dan las alas
de los pájaros.
Que tus pasos se alejen
más de ti,
y que cada palabra,
cada verso,
sean los que esperabas
y no acababan nunca
de llegar.
Y cuando estés muy lejos
y hayas dejado atrás
las dunas del desierto,
donde las flores vuelvan
a brotar,
no te importe seguir.


José Corredor-Matheos





Que seja Primavera
quando escreveres,
e o dia, como hoje,
tenha um sol cuja luz
não projecte mais sombra
que aquela que dão
as asas dos pássaros.
Que teus passos se afastem
mais de ti,
e cada palavra,
cada verso,
sejam os que esperavas
e nunca mais acabavam de vir.
E quando estiveres muito longe
e tiveres deixado para trás
as dunas do deserto,
onde as flores brotem de novo,
não te importe continuar.



(Trad. A.M.)

.

18.7.17

Camilo Pessanha (Imagens que passais pela retina)





Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!... 

Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
- Porque ides sem mim, não me levais? 

Sem vós o que são os meus olhos abertos?
- O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos... 

Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
- Estranha sombra em movimentos vãos. 



Camilo Pessanha

.

17.7.17

José Antonio Fernández Sánchez (Bem-aventurados)





BIENAVENTURADOS



Bienaventurado el latifundista,
suya será, también, la Tierra Prometida.
El dictador de las colonias de ultramar
pues su bigote merecerá el embalsamiento de los años.
Bienaventurado el político que escoge zapatos con cuña,
su voz será lo único que quede bajo el peso de una losa.
Bienaventurado el dios minúsculo
porque se rindió en el último peldaño, el caza recompensas,
suyo es el mérito de los salarios.
Bienaventurado el último poeta, bienaventurado sea, y alguna plaga reciba.
Los cierra sobres, siempre que den por terminada su huelga indefinida.
Y así se les sequen los labios, decía una maldición gitana.
Bienaventurado el lector que cree haber encontrado el doble sentido,
el marido juguetón que utiliza un puño americano.
Bienaventurado el cura de mi pueblo, famoso por sus blancas manos,
los empresarios paternalistas, por incumplir nueve Mandamientos.
Bienaventurado el consentidor de plegarias porque de él será
el privilegio del último suspiro, el saqueador de columnas,
también bienaventurado, inventor de los paraguas desechables.
Bienaventurado el pescador de aguas bravas, el cuerno del unicornio,
la figura de Buda en estado catatónico, el arlequín alegre,
bienaventurado el domador de mariposas, el carcelero que realiza horas extras,
 el listo y la lista, el amo de la casa, las casas sin cosas, los santos oficios.
Bienaventurado el marmolista, merecedor de los royalties de nuestros epitafios y amén.


José Antonio Fernández Sánchez






Bem-aventurado o latifundiário,
sua será também a Terra Prometida.
O ditador das colónias do ultramar
pois seu bigode será embalsamado pelos anos.
Bem-aventurado o político que escolhe sapatos de ponta,
restará apenas sua voz sob o peso do mármore.
Bem-aventurado o deus pequenino
porque se rendeu no último degrau, o caça-recompensas,
que seu é o mérito da paga.
Bem-aventurado o derradeiro poeta, bem-aventurado seja,
e que alguma chaga receba.
Os fechadores de envelopes, sempre que dêem por terminada a sua greve indefinida.
E que lhes fiquem secos os lábios, segundo a maldição dos ciganos.
Bem-aventurado o leitor que pensa ter achado o duplo sentido,
o marido brincalhão que usa um punho americano.
Bem-aventurado o padre lá da paróquia, mais as suas mãos delicadas,
e os empresários paternalistas, por incumprirem nove Mandamentos.
Bem-aventurado o pagador de promessas, porque dele será
o condão do último suspiro, o salteador de estradas,
bem-aventurado seja, inventor dos sombreiros descartáveis.
Bem-aventurado o pescador de águas bravas, o corno do unicórnio,
a figura do Buda em estado catatónico, o arlequim alegre,
bem-aventurado o domador de borboletas, o carcereiro que faz horas extra,
o pronto e a pronta, o dono da casa, as casas sem coisas, os santos ofícios.
Bem-aventurado o marmorista, credor das royalties de tanto epitáfio, amém.


(Trad. A.M.)


.

16.7.17

José Ángel Valente (A poesia)





LA POESÍA



Se fue en el viento,
volvió en el aire.

Le abrí en mi casa
la puerta grande.

Se fue en el viento.
Quedé anhelante.

Se fue en el viento,
volvió en el aire.

Me llevó adonde
no había nadie.

Se fue en el viento,
quedó en mi sangre.

Volvió en el aire.


José Ángel Valente




Foi-se no vento,
voltou pelo ar.

Abri-lhe em casa
a porta grande.

Foi-se no vento.
Fiquei anelante.

Foi-se no vento,
voltou pelo ar.

Levou-me aonde
não havia ninguém.

Foi-se no vento,
ficou em meu sangue.

Voltou pelo ar.



(Trad. A.M.)

.

15.7.17

Bocage (Já Bocage não sou)





Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;

Conheço agora já quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse pura.

Eu me arrependo; a língua quasi fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... a santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!. 



Bocage

.

14.7.17

José Alcaraz (O sol aparece)





SALE EL SOL



Sale el sol y el parque alumbra
otro niño al que se le escapa un globo.
Unos se fijan en lo alto que sube,
otros en el llanto del pequeño,
hay quien ve una metáfora de la vida
(hilo frágil que sujetamos
hasta el último instante).
Y yo, que venía a respirar,
siento vértigo por la altura del globo,
pena por las lágrimas del niño,
rabia por la vida, que nos exige
apretar fuerte los puños para sujetarla.


José Alcaraz






O sol aparece e o jardim ilumina-se,
outro miúdo com um balão a fugir-lhe.
Uns atentam no alto a que sobe,
outros no pranto do pequeno,
havendo quem veja ali uma metáfora da vida
(fio frágil que seguramos
até ao derradeiro momento).
E eu, que vinha só respirar,
tenho vertigens da altura do balão,
pena das lágrimas do miúdo,
raiva da vida, que nos obriga
a cerrar os punhos com força
para a segurar.


(Trad. A.M.)

.

12.7.17

Antonia Pozzi (Desânimo)





SFIDUCIA



Tristezza di queste mie mani
troppo pesanti
per non aprire piaghe,
troppo leggere
per lasciare un'impronta –

tristezza di questa mia bocca
che dice le stesse
parole tue
- altre cose intendendo -
e questo è il modo
della più disperata
lontananza.


Antonia Pozzi




Tristeza destas mãos
pesadas de mais
para não abrirem feridas,
demasiado leves
para deixarem marca –

tristeza desta boca
que diz as mesmas
palavras que tu
– significando outras coisas –
este o modo
da mais desesperada
distância.


(Trad. A.M.)



> Outra versão: O melhor amigo (Inês Dias)

.

11.7.17

Jorge Teillier (Sentados à fogueira)





SENTADOS FRENTE AL FUEGO



Sentados frente al fuego que envejece
miro su rostro sin decir palabra.
Miro el jarro de greda donde aún queda vino,
miro nuestras sombras movidas por las llamas.
Esta es la misma estación que descubrimos juntos,
a pesar de su rostro frente al fuego,
y de nuestras sombras movidas por las llamas.
Quizás si yo pudiera encontrar una palabra.
Esta es la misma estación que descubrimos juntos:
aún cae una gotera, brilla el cerezo tras la lluvia.
Pero nuestras sombras movidas por las llamas
viven más que nosotros.
Sí, ésta es la misma estación que descubrimos juntos.
¿Yo llenaba esas manos de cerezas, esas
manos llenaban mi vaso de vino?
Ella mira el fuego que envejece


Jorge Teillier






Sentados à fogueira que envelhece
olho-lhe o rosto sem dizer palavra.
Olho a caneca de grés ainda com vinho,
olho as nossas sombras movidas pelas chamas.
É a mesma estação que juntos descobrimos,
apesar do seu rosto em frente ao lume
e das nossas sombras movidas pelas chamas.
Talvez se eu encontrasse uma palavra.
É a mesma estação que descobrimos juntos,
cai ainda uma bátega e a cerdeira brilha após a chuva.
Mas nossas sombras movidas pelas chamas
vivem mais do que nós próprios.
Sim, é a mesma estação que juntos descobrimos.
Eu enchia aquelas mãos de cerejas, que
 me enchiam de vinho o meu copo?
Ela olha a fogueira que envelhece.


(Trad. A.M.)

.

10.7.17

Jorge Riechmann (Elogio do manjericão)





ELOGIO DE LA ALBAHACA



Ahuyenta a los mosquitos.

Solidaria con los piñones, abnegada,
se sacrifica para que disfrutemos
de unos incomparables spaghetti al pesto.

En el súbito templo de su aroma
no está obligado a arrodillarse nadie.


Jorge Riechmann

[Apología de la luz]




Espanta os mosquitos.

Solidária com os pinhões, abnegada,
sacrifica-se para nós disfrutarmos
os incomparáveis spaghetti al pesto.

No súbito templo do seu aroma
ninguém é obrigado a ajoelhar.


(Trad. A.M.)

.

9.7.17

Ângelo de Lima (Não tinha)





NÃO TINHA



Não tinha esse perfume, dos Narcisos!...
Nem o calor fervente dos Abraços!...

Aquela, a quem um dia abri os braços...
- Que me encantava a alma de sorrisos!...

- Vi seus olhos, então!... - os lagos lisos
não são mais cristalinos... nem mais frios!...

- Pobres almas de Moços... - Balbucios
e Inocentes! - e Ínscios!... - E Indecisos!!!...


Ângelo de Lima


.

8.7.17

Jorge Luis Borges (As coisas)





LAS COSAS



El bastón, las monedas, el llavero,
la dócil cerradura, las tardias
notas que no leerán los pocos días
que me quedan, los naipes y el tablero,
un libro y en sus páginas la ajada
violeta, monumento de una tarde
sin duda inolvidable y ya olvidada,
el rojo espejo occidental en que arde
una ilusoria aurora. Cuántas cosas,
limas, umbrales, atlas, copas, clavos,
nos sirven como tácitos esclavos,
ciegas y estrañamente sigilosas!
Durarán más allá de nuestro olvido;
no sabrán nunca que nos hemos ido.

Jorge Luis Borges




A bengala, as moedas, as chaves,
a dócil fechadura, as notas tardias
que os poucos dias que me restam
não hão-de ler, as cartas e o tabuleiro,
um livro e lá dentro a seca
violeta, monumento de uma tarde
por certo inesquecível, mas já esquecida,
o rubro espelho ocidental em que arde
uma ilusória aurora. Quantas coisas,
limas, umbrais, atlas, copos, cravos,
nos servem como tácitos escravos,
cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além do nosso olvido;
não saberão nunca que nos fomos.


(Trad. A.M.)


>>  Outras versões: Silva (M. Vilhena) / O melhor amigo (J.V.Baptista) / Canal de poesia

  
.

7.7.17

Jorge Boccanera (Pó para morder)



(III)

Bésale las piernas a la poesía
aunque diga que no que aquí nos pueden ver.
Bésale las palabras, hurga su lengua hasta
que abra los brazos y diga ¡Santo Dios!
o hasta que santodios abra los brazos de escándalo.
Bésale a la poesía a la loba
aunque diga que no que hay mucha gente que aquí
nos pueden ver. Bésale las piernas las palabras
hasta que no de más, hasta que pida más
hasta que cante.


Jorge Boccanera





Beija-lhe as pernas à poesia
embora diga que não que aqui podem ver.
Beija-lhe as palavras, mexe-lhe na língua até
ela abrir os braços e dizer: Santo Deus!
ou até o santodeus abrir os braços de escândalo.
Beija a poesia essa fêmea
embora diga que não, que há muita gente, que
aqui podem ver. Beija-lhe as pernas as palavras
até que não dê mais, até que peça mais
até que comece a cantar.


(Trad. A.M.)


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6.7.17

Ana Salomé (Grandes poetas)





GRANDES POETAS



Agora talvez entendas porque não escrevo
entretida com a arquitectura volátil dos dias
com os afazeres esponsais e profissionais
a apanhar eléctricos em curto-circuitos
às voltas com este tumulto manso que abafo
porque, sejamos sinceros, só grandes tumultos
dão grandes poetas, de resto há a frieza
dos que se mentem a si próprios
e vão chamando a si os pássaros
quando o que deveriam era libertar os seus
numa torrente que não acompanham ortografias
nem radiografias sentimentais.

Desculpa se me tornei naquilo que queria ser
quando escrevia: amante e amada
de tal forma que se tocar em flores elas se multiplicam
se beber água nasce um caudal por entre milhares de minérios
se falar de estrelas um segundo demora anos-luz a passar.
À antiga pergunta se antes a vida que a escrita
melhor a primeira quando pior é a segunda
porque, mais uma vez a sinceridade,
só grandes vidas dão grandes escritas,
grandezas díspares, com certeza, mas grandezas, sem dúvida.

Assim chego eu a casa e faço o jantar
e lavo a loiça – quando não a acumulo em pilhas –
e leio livros – quando não me lembro da televisão –
e sou feliz quando enlaço as mãos na maresia
e vou ao cinema com amigos
e passeio de braço dado com a mamã.

Se isto dá uma grande poeta?
tenho-me perguntado, todos os dias,
e à noite uma cavalgada inquieta
dirige-se à região desamparada do cérebro
à côncava existência do corpo ainda insatisfeito
a essa solidão sublime que me levou em certos dias
aos Himalaias e noutros ao farol de Brest.
Nesses segundos que se dirigem a mim
Von Hofmannsthal volta ao esperma para não nascer
e tudo é possível desde amar mulheres até matar
e sobreviver ao crime limpidamente.
Nesses segundos os meus poemas poderiam ser grandes
e ser eu uma grande poeta
apascentando-me de folhinhas de louro
e para mim ter metros infindos de mundo por explorar.


Ana Salomé



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5.7.17

Jorge Ampuero (Tacto)





TACTO



Tocas el agua
de mi cuerpo
no tocas
el agua
tocas mi cuerpo
de agua.


Jorge Ampuero


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4.7.17

Jordi Doce (Invernal)





INVERNAL



El tiempo no te ha dado las respuestas,
sólo nuevas preguntas.
Declina con las horas
la luz, las calles se despueblan,
desde tu cuarto sólo ves
un futuro de ramas harapientas,
la noche agazapada en los tejados,
y crees sentir, incluso, esa quietud
que precede a la nieve
como un aliento contenido,
algo que espera a sério
y desespera.
El invierno
lo hace todo más simple,
con su buril de frío y de carencias.
Es una disciplina,
un acuerdo entre el mundo y su reverso,
el lado de penumbra en que se apoya.

El color de la tarde
se iguala al pensamiento.
Cae sobre la calle
una luz aclarada, casi exenta,
y todo se distancia y adormece
como en un objetivo,
como si el mundo fuera un diagrama del mundo,
un mapa desnutrido y eficaz
que ha dado con el hueso de las cosas.

La mente se complace en el invierno.
Le alivian sus aristas,
su quieta economía,
la forma en que se atiene a lo que tiene.
Todo lo simplifica,
también estas preguntas intranquilas
que cambian con el tiempo,
que no cambian.


Jordi Doce





O tempo não te deu as respostas,
só novas perguntas.
Declina a luz
com as horas, esvaziam-se as ruas,
do teu quarto só vês
um futuro de ramos esfarrapados,
a noite agachada nos telhados,
e julgas sentir até a quietude
que antecede a neve
como respiração sustida,
algo que espera a sério
e desespera.
O inverno
torna tudo mais simples,
com seu buril de frio e de carências.
É uma disciplina,
um acordo entre o mundo e o seu reverso,
o lado de sombra em que se apoia.

A cor da tarde
iguala-se ao pensamento.
Tomba sobre a rua
uma luz clara, difusa,
e tudo se distancia e adormece
como numa objectiva,
como se o mundo fosse um diagrama do mundo,
um mapa desnutrido
que encontrou o osso das coisas.

A mente compraz-se no inverno.
Consolam-na as suas arestas,
sua quieta economia,
o modo como se atém àquilo que tem.
Tudo o torna mais simples,
também estas perguntas intranquilas
que mudam com o tempo,
que não mudam.


(Trad. A.M.)


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