31.5.15

Meira Delmar (La señal)





LA SEÑAL



Pronunciaré tu nombre
en la última hora.

Así sabrá la muerte
dónde encontrarme cuando
llegue.


Meira Delmar

.

30.5.15

José Cardoso Pires (Steve)





De certa maneira Alexandra achava divertido que o Steve, um allmighty boss da Alpha Linn, acabasse sepultado em versalhadas confidenciais e em percentagens de mercado. (...)

E foi ou deve ter sido por causa do susto que o Jeová, ao ver o rumo que as coisas levavam, chamou provavelmente o judeu fabuloso à pedra, "Vê bem, Stevezinho, olha no que te estás a meter", e, nem foi preciso mais nada, não é que o parvo, no auge da paixão e do furor, como diz a Bíblia, não decide meter ali mesmo os travões?

Casamento, a proposta dele agora era o casamento.

Acabava-se o pecado, acabava-se a aventura.

Despachava a esposa amantíssima e respectivas crias pelo cano do divórcio e transferia-se cá para a bela portuguesa.

E esta? (p.49)


JOSÉ CARDOSO PIRES
Alexandra Alpha
(1987)

.

Mariano Crespo (Delírio)





DELÍRIO



Y si yo hubiera perdido la cabeza
y tú en realidad no existieras
y fueras el delirio de un enfermo
que ya no separa realidad de sueño.

Espero que no encuentren tratamiento.


Mariano Crespo



E se eu tivesse perdido a cabeça
e tu na verdade não existisses
e fosses o delírio de um louco
que já não distingue sonho e realidade?

Só espero que não descubram tratamento.

(Trad. A.M.)

.

29.5.15

Vasco Graça Moura (Blues da morte de amor)





BLUES DA MORTE DE AMOR



já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida.
mas afinal não morri, como se vê, ah não
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.

a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.

há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes. uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete:- morrer ou não morrer, darling, ah, sim.


Vasco Graça Moura

.

28.5.15

María Sanz (O fugitivo)





EL PRÓFUGO



Cuando el tiempo te lleva de su mano
hasta la soledad, o cuando el ascua
de tu cuerpo se apaga a cada instante
por las nieves ajenas, te preguntas
si el precio que pusieron a tu vida
es un error de cálculo. Conviene
no cuestionarse a fondo la existencia,
sino hallar el momento más propicio
en la nocturnidad para evadirse,
y sin hacer ya caso a los recuerdos,
pagar tu miedo en oro cuando cruces
la frontera del alba cada día.


María Sanz



Quando o tempo te leva pela mão
até à solidão, ou quando a brasa
do teu corpo se apaga a cada passo
pelas neves alheias, interrogas-te
se o preço que te puseram à vida
não é um erro de cálculo. Convém
não questionar a fundo a existência,
mas achar o momento propício
para se evadir no escuro da noite,
e sem fazer caso das lembranças
pagar em ouro teu medo, quando
atravessares a fronteira da aurora,
cada dia.

(Trad. A.M.)

.

27.5.15

Ruy Belo (Aos homens no cais)





AOS HOMENS NO CAIS



Plantados como árvores no chão
ao alto ergueis os vossos troncos nus
e o fruto que produz a vossa mão
vem do trabalho e transparece à luz

Nenhum passado vale o dia-a-dia
Sonho só o que vós me consentis
Verdade a que de vós só irradia
- Portugal não é pátria mas país


Ruy Belo

.

26.5.15

Manuel Moya (Não deixes que te arranquem uma tábua)





No consientas que arranquen una tabla de tu choza.
De consentirlo hoy, mañana volverán,
cuando arrecie el frío o el tedio los carcoma,
hasta que tu casa no sea más que un solar inhóspito,
o quede lejos, o ni exista acaso.
Sea tu casa todo
y en ella duermas hasta que rompa el alba
y entres en ella como quien entra en un río.
Mas cuando de ella te alejes, lleva en ti cada una de sus tablas,
sus muros, su techumbre, los besos que te esperan,
y así, del tifón defiéndela,
de la miseria y la justicia de los hombres,
defiéndela de Dios y de la noche,
del gobernador, de sus esbirros
y si cae o la derriban, álzala, como la niebla se alza en el otoño
cuando el sol aún no ha cuajado en el cielo.
No consientas que arranquen ni una sola tabla de tu choza.

Manuel Moya

[Nodo 50]




Não deixes que te arranquem uma tábua da choça.
Se o permitires hoje, amanhã voltarão,
quando o frio apertar ou o tédio os roer,
até não ser tua casa mais que um sítio inóspito,
ou ficar longe, ou quiçá nem existir.
Que tua casa seja tudo
e nela durmas até romper a aurora
e nela entres como quem entra num rio.
Mas quando te apartes dela, leva contigo as tábuas,
as paredes, o telhado, os beijos que te esperam.
Defende-a da tempestade,
da miséria e justiça dos homens,
defende-a de Deus e da noite,
do governador e dos seus esbirros.
E se cair ou a derrubarem, levanta-a,
assim como a névoa se ergue no Outono
antes de o sol se coalhar no céu.
Não permitas que te arranquem sequer uma tábua da choça.

(Trad. A.M.)

.

25.5.15

Ricardo Silvestrin (Este poema)




Este poema
é uma boa chance
pra você ficar calado.
Nada soa
além do silêncio
desta partitura.
Uma palavra
como esta
dançando
na sua cabeça.
Nenhuma outra lei
além da leitura.


Ricardo Silvestrin

.

24.5.15

Luis Alberto de Cuenca (Que complacente)





Qué complaciente estabas, amor mío, en la pesadilla.

El problema no es tener que abandonarlo
todo a cambio de ti.
El problema es tener que abandonarte a ti
a cambio de un fantasma.
Son las cosas que ocurren cuando sueñas que vuelve
la mujer que no ha de volver.

Luis Alberto de Cuenca




Que complacente, amor meu, estavas no meu pesadelo.

O problema não é ter que deixar
tudo por ti.
O problema é ter que deixar-te a ti
por um fantasma.
É o que acontece quando se sonha que volta
a mulher que não volta mais.

(Trad. A.M.)

.

23.5.15

Pedro Tamen (Arca de Noé)





ARCA DE NOÉ



Pronto, pronto, eu faço. Dá um trabalhão
mas faço. Corto madeira, arranjo pregos,
gasto o martelo. E o pior também:
correr o mundo a recolher os bichos,
coisas de nada como formigas magras,
e os outros, os grandes, os que mordem
e rugem. E sei lá quantos são!
Em que assados me pões. Tu
gastaste seis dias, e eu nunca mais acabo.
Andar por esse mundo, a pé enxuto ainda,
e escolher os melhores, os de melhor saúde,
que o mundo que tu queres não há-de nascer torto.
Um por um, e por uma, é claro, é aos pares
- o espaço que isso ocupa.

Mas não é ser carpinteiro,
não é ser caminheiro,
não é ser marinheiro o que mais me inquieta.
Nem é poder esquecer
a pulga, o ornitorrinco.
O que mais me inquieta, Senhor,
é não ter a certeza
ou mais ter a certeza de não valer a pena,
é partir já vencido para outro mundo igual.


Pedro Tamen

[Luz & sombra]

.

22.5.15

Martha Asunción Alonso (A louca dos gatos)





LA LOCA DE LOS GATOS



Cada vez hay más sitios donde no puedo entrar:
el verbo adorar, por ejemplo;
o esa puta talla 38 de Inditex.
Y cada vez me gustan más los gatos.
Y pienso todo el día en gatos y por las noches
sueño que sueño con gatos,
sueño que adopto a todos los gatos t
ristes de todos los callejones de este mundo;
gatos y gatos y más gatos, locos y
hambrientos y leucémicos y huraños y
con un ojo a la birulé;
zarpas para crear una armada invencible,
mi propio ejército de malas pulgas - literal.
No sé: serán los veintiséis.
Serán estas tres canas, que ha subido la luz
y debería hacerme unas lentejas y
no es bueno estar sola.
Me consumen las ganas de arañarte.

Martha Asunción Alonso




Cada vez há mais sítios onde não posso entrar,
o verbo adorar, por exemplo,
ou esse puto tamanho 38 de Inditex.
E gosto cada vez mais de gatos.
E o dia todo penso em gatos e à noite
sonho que sonho com gatos,
sonho que adopto todos os gatos t
ristes de todas as vielas deste mundo;
gatos e gatos e mais gatos, loucos e
famintos e com leucemia e ariscos e
com um olho estropiado;
garras para fazer uma armada invencível,
meu próprio exército de pulgas más – à letra.
Não sei bem, são para aí vinte e seis.
Serão estas três brancas no cabelo, ou o aumento da luz,
devia era fazer umas lentilhas,
não é nada bom estar sozinha.
Estou cá com umas ganas de te arranhar.

(Trad. A.M.)

.

21.5.15

Pedro da Silveira (Palavras)





PALAVRAS



Que ninguém lhes toque
se as não sabe amar
como os vivos amam,

VIO-LEN-TA-MEN-TE.



Pedro da Silveira

[Pico da vigia]

.

20.5.15

Paula Ensenyat (Cai a pétala)





Cae el pétalo
y choca contra la piel.
Salta el recuerdo
y me contemplo
en la desnudez del beso.
Cómo me lleva
entre sus olas.
Cómo se lleva
mi aliento.
El pétalo cae
y todo se detiene.
Desaparece el pétalo,
desaparece el recuerdo
y asoma el beso
en mis labios desnudos.

Paula Ensenyat

[Fragments de vida]




Cai a pétala
e bate contra a pele.
Chispa a lembrança
e eu vejo-me
na nudez do beijo.
Como me leva
em suas ondas.
Como me leva
meu alento.
Cai a pétala
e tudo se detém.
Vai-se a pétala,
vai-se a lembrança,
assoma o beijo
a meus lábios desnudos.

(Trad. A.M.)

.

19.5.15

Paulo Leminski (Saudosa amnésia)





SAUDOSA AMNÉSIA



Memória é coisa recente.
Até ontem, quem lembrava?
A coisa veio antes,
ou, antes, foi a palavra?
Ao perder a lembrança,
grande coisa não se perde.
Nuvens, são sempre brancas.
O mar? continua verde.


Paulo Leminski


[Poesia incompleta]

.

18.5.15

Karmelo C. Iribarren (No limite)





AL LÍMITE



Tienes veinte años,
tienes la vida
por el cuello,
a tu merced;
pero no es suficiente,
quieres más.

Conozco
esa sensación.

Y te deseo mucha suerte,
porque la vas a necesitar.


Karmelo C. Iribarren

[Tinta en las manos]




Tens vinte anos,
tens a vida presa
pelo gasnete,
à tua mercê;
mas não é o bastante,
queres mais.

Conheço
a sensação.

E desejo-te muita sorte,
porque vais precisar.


(Trad. A.M.)

.

17.5.15

José Cardoso Pires (Censura-4)





Partidário do artifício verbal, que lhe veio do Integralismo Lusitano (o Verbo em resposta à Acção), o político do corporativismo tem o vício do legalismo e das palavras providenciais.

Ao combatente africano atribui-lhe um designativo oficial : 'terrorista'; a guerra colonial procura defini-la como 'operações de policiamento', colónias serão obrigatoriamente 'Ultramar' - e assim rigosamente 'verbis gratia', cria a autoconvicção e a mentalização colectiva de ter reformado à altura das exigências históricas do tempo.


JOSÉ CARDOSO PIRES
E agora, José?/ Técnica do golpe de censura
(1977)

.

Juanjo Barral (De amor e outras catástrofes)





DE AMOR Y OTRAS CATÁSTROFES



Ojalá fuese yo el mensajero
y no quien recibe la noticia
de tu abandono.

Ojalá fuera manillas del reloj
que da vueltas al tiempo
y no pasto del paso de los días.

Ojalá cuna de alguna
revolución pendiente
y no el crío que llora
bajo los bombardeos.

Juanjo Barral



Fora eu o mensageiro
e não o receptor
das novas do teu abandono.

Fora ponteiro do relógio
que dá voltas ao tempo
e não pasto da passagem dos dias.

Fora berço
de alguma revolução
e não a criança a chorar
debaixo das bombas.


(Trad. A.M.)

.

16.5.15

Murilo Mendes (Canção do exílio)





CANÇÃO DO EXÍLIO (*)



Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra são pretos
que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!


Murilo Mendes

[Mensagens com amor]


_______________________

(*) Paráfrase de Gonçalves Dias (Canção do exílio).

.

15.5.15

Jorge Riechmann (Teoria do mal menor)





TEORÍA DEL MAL MENOR


1
El mal menor expulsa
del campo de lo posible
al bien
con la misma eficacia
con que la mala moneda
pone fuera de la circulación
la de buena ley.


2
¿Un mal menor es mayor
que un bien pequeño?
¿Un mal menor
de edad
no se convierte nunca en mal monstruoso cuando crece?
¿No deberíamos distinguir
entre males menores con tendencia menguante
y los que, aunque pequeños, medran rápidamente?
¿Hay algún mal que sea
siempre menor que sí mismo?
Ante un mal chiquito pero matón
¿no nos achicamos por cobardía?

Puestos a elegir
entre males de diversas tallas
¿no sería casi un bien
salir del probador con nuestra ropa usada?


Jorge Riechmann

[Apología de la luz]



1
O mal menor expulsa o bem
do campo do possível
com a mesma eficácia
com que a má moeda
põe a moeda de lei
fora de circulação.

2
Um mal menor será maior
que um bem pequeno?
Um mal menor
de idade
nunca se converte em mal monstruoso quando cresce?
Não se devia distinguir
entre males menores com tendência minguante
e os outros que, embora pequenos, medram rapidamente?
Há algum mal que seja sempre
menor do que si mesmo?
Perante um mal pequenino mas fanfarrão
não nos apoucamos por cobardia?

Postos a escolher
entre males de tamanhos diversos
não seria quase um bem
sair da cabina com a nossa roupa usada?


(Trad. A.M.)

.

14.5.15

José Cardoso Pires (Censura-3)





Salvar os mortos e enterrar os vivos, eis o princípio.

Com ele o fascismo pôs luto laudatório por um Sérgio que perseguiu e encarcerou em vida; por um Aquilino que lançou aos tribunais; por Irene Lisboa, a tão amesquinhada; por Ribeiro de Pavia, morto de fome; por Casais Monteiro, exilado; por Afonso Duarte, Abel Salazar, Jaime Cortesão, Lopes Vieira, resistentes caluniados.

A todos, cristãmente, a Censura retirou a excomunhão à hora do sudário, mas ao citar-lhes a memória alinhava-os na mesma lápide em que exaltava os seus medíocres defuntos.



JOSÉ CARDOSO PIRES
E agora, José?/ Técnica do golpe de censura
(1977)

.

Jorge M. Molinero (Escapada romântica a Segovia)





ESCAPADA ROMÁNTICA A SEGOVIA



Dicen que hizo frío.

Y llovió.



Jorge M.Molinero

[El hombre invisible]



.

13.5.15

Miguel Martins (Uma caixa de cimento fresco)





Uma caixa de cimento fresco. Deita-o
lá dentro. Mete-te na mota, arranca, não
penses mais nisso. A sul, há mulheres
cujo futuro é um avião que não deixa
traços no céu. A norte, se preferires,
... há-as engarrafadas, em decilitragens
as mais diversas. Com os homens
é a mesma coisa, dois dedos de conversa
e uns quantos cubos de gelo. Meia
hora chega para ir repondo o stock
de episódios com que fingir que estamos
vivos. Isso deve bastar-te, excepto
se te achares mais do que os outros
e Deus te livre de uma coisa dessas.
É isso: aprende a metafísica das
t-shirts brancas, das curvas apertadas,
da velocidade calma. O resto é
conversa de poetas, filósofos, historia-
dores, que fumam mais do que vêem
e lêem mais do que assobiam ao sair
à rua. O resto é uma perda de tempo
e não eras tu o tal que tanto nos
maçava com a iminência da
morte, com a falência da Sociedade
por quotas, com a genealogia
dos suínos? Aproveita agora esta
oportunidade de não ser nada
contigo; juro-te que ninguém
te vai levar a mal; envia, apenas,
um postal de Tânger e um contacto,
para o caso de o Emanuel ou a
Angelina quererem ir de férias e
precisarem de um sítio onde ficar.
Não é pedir muito em troca da
tua liberdade. Vá! Uma caixa de
cimento fresco. Deita-o lá dentro.
Sabes do que estou a falar. Ver-
melho escuro. Isso. O coração.


Miguel Martins

.

12.5.15

Luis Cernuda (Como ligeiro ruído)

 




COMO LEVE SONIDO



Como leve sonido:
hoja que roza un vidrio,
agua que acaricia unas guijas,
lluvia que besa una frente juvenil;

Como rápida caricia:
pie desnudo sobre el camino,
dedos que ensayan el primer amor,
sábanas tibias sobre el cuerpo solitario;

Como fugaz deseo:
seda brillante en la luz,
esbelto adolescente entrevisto,
lágrimas por ser más que un hombre;

Como esta vida que no es mía
y sin embargo es la mía,
como este afán sin nombre
que no me pertenece y sin embargo soy yo;

Como todo aquello que de cerca o de lejos
me roza, me besa, me hiere,
tu presencia está conmigo fuera y dentro,
es mi vida misma y no es mi vida,
así como una hoja y otra hoja
son la apariencia del viento que las lleva.


Luis Cernuda




Como ligeiro ruído,
uma folha roçando no vidro,
água que afaga as pedras do leito,
a chuva beijando um rosto jovem;

Como rápida carícia,
pé descalço no pó do caminho,
dedos brincando o primeiro amor,
lençóis cobrindo um corpo solitário;

Como passageiro desejo,
seda brilhante na luz,
esbelto rapaz entrevisto,
lágrimas de ser mais que um homem;

Como esta vida que minha não é
e contudo é a minha,
como este afã que não me pertence
e contudo sou eu;

Como tudo o que perto ou longe
me toca, me beija, me fere,
tua presença em mim está fora e dentro,
é a minha vida mesma e não é,
tal como uma folha e outra são
a aparência do vento que as leva.


(Trad. A.M.)

.

11.5.15

José Cardoso Pires (Censura-2)





As bases da Comunicação, a partir das quais a publicidade do consumo criou a opinião dirigida, inspiraram a Contracomunicação do fascismo na sua guerra dos 50 anos às ideias democráticas.

Dentro dessas regras elementares, o momento político (situação do mercado), o tipo de imprensa ou veículo de divulgação (definição dos 'media'), a classe social dos leitores (índice de receptividade), a tiragem (volume de prospecção) e a matéria em si mesma (mensagem, tratamento e impacto) eram as coordenadas por onde os capitães da Censura orientavam os seus juízos de valor.



JOSÉ CARDOSO PIRES
E agora, José?/ Técnica do golpe de censura
(1977)

.

Luis Alberto de Cuenca (O pequeno-almoço)





EL DESAYUNO



Me gustas cuando dices tonterías,
cuando metes la pata, cuando mientes,
cuando te vas de compras con tu madre
y llego tarde al cine por tu culpa.
Me gustas más cuando es mi cumpleaños
y me cubres de besos y de tartas,
o cuando eres feliz y se te nota,
o cuando eres genial con una frase
que lo resume todo, o cuando ríes
(tu risa es una ducha en el infierno),
o cuando me perdonas un olvido.
Pero aún me gustas más, tanto que casi
no puedo resistir lo que me gustas,
cuando, llena de vida, te despiertas
y lo primero que haces es decirme:
«Tengo un hambre feroz esta mañana.
Voy a empezar contigo el desayuno».

Luis Alberto de Cuenca



Gosto de ti quando dizes tolices,
quando metes a pata, quando mentes,
e vais às compras com tua mãe
e por tua culpa eu chego tarde ao cinema.
Gosto de ti mais ainda no meu aniversário
e me cobres de tartas e beijos,
ou quando és feliz e se te nota,
ou quando és genial numa frase
que tudo resume, ou quando ris
(e teu riso é um duche no meio do inferno),
ou então me perdoas um esquecimento.
Mas gosto de ti ainda muito mais, tanto
que quase não consigo resistir,
quando acordas, cheia de vida,
e o que fazes primeiro é dizer-me:
“Estou cá com uma fome mais brava,
vou começar o pequeno-almoço contigo”.


(Trad. A.M.)



> Conexo: Alfonso Brezmes, Amor e gastronomia

.

10.5.15

António Osório (Os calceteiros)





OS CALCETEIROS



Escrevem na rua:
juntam
cuidadosamente
palavras.

Pegam-lhes
sílaba a sílaba,
escolhem, unem,
completam,
tocam
ao de leve por cima
e continuam.

Com o maço
e o suor
assinam.


ANTÓNIO OSÓRIO
A Ignorância da Morte
(1978)

.

9.5.15

Fermín Herrero (O desvelado)





EL DESVELADO



De madrugada te despiertas, enciendes
la radio otra vez, velando tus cadáveres
vuelves a la cocina. No hay día que se vaya
sin derrota. A pie quieto aguantas el frío
de un ardor que también perdiste. Ha empezado
a nevar con ganas, mejor, para estas noches
de claro en claro. Quién te recordará, de qué
manera te echará en falta para tomar
aliento. Acaso, alguna madrugada, alguien
se apoye en la primera cicatriz de tu memoria.

Fermín Herrero



Acordas de madrugada, ligas
o rádio, velando os teus mortos
voltas para a cozinha. Não há dia que se vá
sem derrota. Aguentas a pé quedo o frio
de um ardor que também perdeste. Começou
a nevar com força, antes assim,
para estas noites em branco. Quem te
lembrará, de que modo te sentirá a falta
para tomar alento? Talvez, certa madrugada,
alguém se apoie na primeira cicatriz
da tua memória.

(Trad. A.M.)

.

8.5.15

José Cardoso Pires (Censura-1)





Portugal, com 420 anos de Censura em cinco séculos de imprensa, representa uma experiência cultural à taxa de repressão de 84 por cento.

Ao longo de gerações e gerações, através de monarquias e impérios; de inquisições, ditaduras; arrastando silêncios, arrastando exílios, uma lenta procissão de mártires desfilou por esse incalculável 'corpus' de naufrágio que são os milhares de quilómetros de textos lançados às fogueiras e aos arquivos.

Todo esse percurso tem a grandeza de uma resistência que se tornou histórica e dia a dia renovada com ardis e exemplos de insubmissão.



JOSÉ CARDOSO PIRES
E agora, José?/ Técnica do golpe de censura
(1977)

.

Leopoldo María Panero (Dedicatória)





DEDICATORIA


Más allá de donde
aún se esconde la vida, queda
un reino, queda cultivar
como un rey su agonía,
hacer florecer como un reino
la sucia flor de la agonía:
yo que todo lo prostituí, aún puedo
prostituir mi muerte y hacer
de mi cadáver el último poema.


Leopoldo María Panero

[Neorrabioso]




Para além de onde
se esconde ainda a vida, há
um reino, resta cultivar
como um rei sua agonia,
fazer florescer como um reino
a suja flor da agonia:
eu que tudo prostituí posso ainda
prostituir minha morte e fazer
de meu cadáver o poema derradeiro.

(Trad. A.M.)
.

7.5.15

Mario Quintana (O gato)





O GATO



O gato chega à porta do quarto onde escrevo...
Entrepara... hesita... avança...
Fita-me.
Fitamo-nos.
Olhos nos olhos...
Quase com terror!
Como duas criaturas incomunicáveis e solitárias
que fossem feitas cada uma por um Deus diferente.


Mario Quintana

.

6.5.15

Martha Asunción Alonso (Linha 6)





LINEA 6



Todo lo que merece algo la pena
es circular. Tus pupilas.
Los neumáticos de aquel Seat Ibiza que tuve,
ya sabes: tus pupilas y las aceitunas
y aquella tarde en Ávila con Santa Teresa.
Cuando volví a encontrarte,
llevabas un anillo en el dedo meñique.
Me dejaste probármelo. Yo estaba mareada.
Gilipollas. Todo lo que hemos sido,
la forma en que estuvimos una junto a la otra,
nuestro amor, todo y nada, es circular.
El recuerdo. La samba. Carteles
de Se Alquila por la glorieta de Bilbao.
Todo lo que te quise.
La línea seis del metro. Estas ganas de hablarte.
La espera: circular.

Martha Asunción Alonso



Tudo o que merece a pena
é circular. As tuas pupilas.
Os pneus daquele Seat Ibiza que eu tive,
já sabes, as tuas pupilas e as azeitonas
e aquela tarde em Ávila com Santa Teresa.
Quando te voltei a ver,
usavas um anel no dedo mínimo
e deixaste-me experimentá-lo, estava eu meia enjoada.
Palerma. Tudo o que fomos,
a forma em que estivemos juntas,
o nosso amor, tudo e nada, é circular.
A lembrança, o samba, os cartazes
de Aluga-se na rotunda de Bilbau.
Tudo o que te quis.
A linha seis do metro.
Estas ganas de te falar.
A espera, circular.

(Trad. A.M.)



>>  Latigo verde (blogue) / Las afinidades electivas (3p) / Círculo de poesia (3p) / Wikipedia

.

5.5.15

Coitado do Jorge (93)





PARADOXO ONTOLÓGICO



As avós acham-me o máximo (vá, médio).
As netas nem para mim olham.
As filhas?

- Estão muito ocupadas...

.

Karmelo C. Iribarren (Ainda hoje procuro)





NO HE DEJADO DE BUSCAR



Me eché
a andar por la vía.

Un hombre
me llamó la atención.

Le dije
que buscaba a mi padre
(se había muerto,
pero a mí
me daba igual).

Hace cuarenta años de aquello.

No he dejado de buscar.


Karmelo C. Iribarren

[Escrito en el viento]




Pus-me a andar
pela via.

Um homem
chamou-me a atenção.

Disse-lhe
que procurava meu pai
(tinha morrido,
mas para mim
era o mesmo).

Isso há quarenta anos.

Ainda hoje procuro.


(Trad. A.M.)

.

4.5.15

Mário Cesariny (No país)





no país no país no país onde os homens
são só até ao joelho
e o joelho que bom é só até à ilharga
conto os meus dias tangerinas brancas
e vejo a noite Cadillac obsceno
a rondar os meus dias tangerinas brancas
para um passeio na estrada Cadillac obsceno


e no país no país e no país país
onde as lindas lindas raparigas são só até ao pescoço
e o pescoço que bom é só até ao artelho
ao passo que o artelho, de proporções mais nobres,
chega a atingir o cérebro e as flores da cabeça,
recordo os meus amores liames indestrutíveis
e vejo uma panóplia cidadã do mundo
a dormir nos meus braços liames indestrutíveis
para que eu escreva com ela, só até à ilharga,
a grande história de amor só até ao pescoço


e no país no país que engraçado no país
onde o poeta o poeta é só até à plume
e a plume que bom é só até ao fantasma
ao passo que o fantasma - ora aí está -
não é outro senão a divina criança (prometida)
uso os meus olhos grandes bons e abertos
e vejo a noite (on ne passe pas)
diz que grandeza de alma. Honestos porque.
Calafetagem por motivo de obras.
É relativamente queda de água
e já agora há muito não é doutra maneira
no país onde os homens são só até ao joelho
e o joelho que bom está tão barato


Mário Cesariny

.

3.5.15

Jaime Sabines (Será que?)





Será que fazemos as coisas só para as recordar? Será
que vivemos só para ter lembrança do que vivemos?
Porque sucede que mesmo a esperança é memória e
o desejo recordação daquilo que há-de vir.
     (...)


Jaime Sabines

(Trad. A.M.)

.

2.5.15

José Cardoso Pires (O Delfim-7)





Agora que sou como nunca o 'lado crítico' do meu Narrador, depois de tantos meses de escrita em que me servi das suas duplicidades, ouço-o contar e sinto-me comprometido até à morte com os seus falhanços e com os seus expedientes de narrar.

Assumo-os, que remédio, visto que são cícios meus e das capacidades que cá vou conseguindo arranjar.

Não me incomoda, por isso, que trate a realidade que está observando como realidade já relatada em termos literários (exploração do espaço da escrita) ou que -vem a dar no mesmo- o facto testemunhado seja simultâneo da sua própria descrição.



JOSÉ CARDOSO PIRES
E agora, José?/ Memória descritiva
(1977)

.

Antonio Gala (A pé vão meus suspiros)





A pié van mis suspiros
camino de mi bien.

Antes de que ellos lleguen
yo llegaré.

Mi corazón con alas
mis suspiros a pié.

Abierta ten la puerta
y abierta el alma ten.

Antes de que ellos lleguen
yo llegaré.

Mi corazón con alas
mis suspiros a pié.


Antonio Gala



A pé vão meus suspiros
a caminho do meu bem.

Antes de eles chegarem
hei-de lá chegar eu.

Meu coração com asas
e meus suspiros a pé.

Aberta está a porta
e aberta a alma também.

Antes de eles chegarem
hei-de lá chegar eu.

Meu coração com asas
e meus suspiros a pé.


(Trad. A.M.)

.