30.6.14

Raul Brandão (Quando regresso do mar)





Quando regresso do mar venho sempre estonteado e cheio de luz que me trespassa.

Tomo então apontamentos rápidos – seis linhas – um tipo – uma paisagem.

Foi assim que coligi este livro, juntando-lhe algumas páginas de memórias.

Meia dúzia de esboços afinal, que, como certos quadrinhos do ar livre, são melhores quando ficam por acabar.

Estas linhas de saudade aquecem-me e reanimam-me nos dias de Inverno friorento.

Torno a ver o azul, e chega mais alto até mim o imenso eco prolongado...

Basta pegar num velho búzio para se perceber distintamente a grande voz do mar.

Criou-se com ele e guardou-a para sempre.

– Eu também nunca mais a esqueci...


- RAUL BRANDÃO, Os Pescadores (Epígrafe)

.

José Daniel Espejo (Sesta)





SIESTA



Duerme el enemigo:
en su casa
y en lo más profundo
de tu corazón.

José Daniel Espejo




O inimigo dorme,
em casa dele
e no mais fundo
do teu coração.

(Trad. A.M.)

.

28.6.14

Karmelo C. Iribarren (O resto são histórias)





LO DEMÁS SON HISTORIAS



Mi mujer y mi hija,
estas paredes y estos libros,
un puñado de amigos que me quieren
-y a los que quiero de verdad-
las olas del cantábrico
en septiembre,
tres bares, cuatro
con el garito en la playa.
Aunque se que me dejo
algunas cosas, puedo decir
que, de ser algo, esta es mi patria.
Lo demás son historias.


Karmelo C. Iribarren

[Sureando]



Minha mulher, minha filha,
estas paredes, estes livros,
um punhado de amigos que me querem
– e a quem eu quero de verdade –
as ondas do Cantábrico
em Setembro,
três bares, quatro
contando com o da praia.
Algumas coisas mais
haverá, mas posso dizer
que esta é, a sê-lo algo, a minha pátria.
O resto são histórias.

(Trad. A.M.)

.

27.6.14

Fialho de Almeida (Polémica-3)





E outrossim requeiro, senhor presidente do Conselho de Higiene e mais vogais, que a ser de trampa o homem, se especifique na minuta a espécie de animal que o defecou; pois desconfio seja de besta, e absolutamente careço, para meus estudos, de ver confirmada cientificamente esta asserção.

A par da reconhecida pusilanimidade, da forma torcicolada e da cor, outros dados me levaram a concluir da natureza fecal do exibidor das minhas cartas íntimas: e vem a ser o cheiro mau que Lisboa tem desde que ele transferiu para entre nós a sua residência (cheiro que todos os jornais têm citado, assustadíssimos, incluindo o dele) e os tantos casos de febres podres que particularmente grassam no Chiado, sítio onde frequentes vezes é visto o fenómeno vital que recomendo.

(4 Fev. 1891)
Os Gatos

.

Juan Gelman (Arte poética)





ARTE POÉTICA



Entre tantos oficios ejerzo éste que no es mío,
como un amo implacable
me obliga a trabajar de día, de noche,
con dolor, con amor,
bajo la lluvia, en la catástrofe,
cuando se abren los brazos de la ternura o del alma,
cuando la enfermedad hunde las manos.

A este oficio me obligan los dolores ajenos,
las lágrimas, los pañuelos saludadores,
las promesas en medio del otoño o del fuego,
los besos del encuentro, los besos del adiós,
todo me obliga a trabajar con las palabras, con la sangre.

Nunca fui el dueño de mis cenizas, mis versos,
rostros oscuros los escriben como tirar contra la muerte.

Juan Gelman

[Jorge Ampuero]




Entre tantos ofícios exerço este que não é meu,
que me obriga, como amo implacável,
a trabalhar de dia, de noite,
com dores, com amor,
debaixo de chuva, no meio da desgraça,
quando se abrem os braços da alma ou da ternura,
ou quando a doença mergulha as suas mãos.

A este ofício me obriga a dor alheia,
as lágrimas, os lenços de acenar,
as promessas a meio do Outono ou da fogueira,
os beijos do encontro, os do adeus,
tudo me obriga a laborar com o sangue, as palavras.

Nunca fui o dono da cinza, meus versos,
obscuras caras os escrevem, contra a morte.

(Trad. A.M.)

.

26.6.14

Maria do Rosário Pedreira (Hoje podes deitar-te)





Hoje podes deitar-te na minha cama
e contar-me mentiras - dizer, não sei,
que o amor tem a forma da minha mão
ou que os meus beijos são perguntas que
não queres que ninguém te faça senão
eu; que as flores bordadas na dobra do
meu lençol são de jardins perfeitos que
antes só existiam nos teus sonhos; e que
na curva dos meus braços as horas são
mais pequenas do que uma voz que no
escuro se apagasse. Hoje podes rasgar
cidades no mapa do meu corpo e
inventar que descobriste um continente
novo - uma pátria solar onde gostavas
de morrer e ter nascido. Eu não me
importo com nada do que me digas esta
noite: amo-te, e amar-te é reconhecer o
pólen excessivo das corolas, o seu vermelho
impossível. Mas amanhã, antes de partires,
não digas nada, não me beijes nas costas
do meu sono. Leva-me contigo para sempre
ou deixa-me dormir - eu não quero ser
apenas um nome deitado entre outros nomes.


Maria do Rosário Pedreira

.

25.6.14

Laura Ponce (De quando e agora)





DE CUANDO Y AHORA


Cuando me obstinaba en la tristeza
con la misma perseverancia con que
los perros rondan los tachos de basura,
el mundo era un sitio
menos amable más seguro,
y yo podía prever el rito funerario.
Ahora,
la plausible felicidad tiene
esa cosa de
desasosiego.

Laura Ponce



Quando eu me aferrava à tristeza
com a mesma insistência
dos cães a rondar os sacos do lixo,
o mundo era um lugar
menos amável mas seguro,
e eu podia prever o rito funerário.
Agora,
a felicidade plausível
tem um espinho,
isso do
desassossego.

(Trad. A.M.)

.

24.6.14

Fialho de Almeida (Polémica-2)




O troca-tintas espera que os tribunais lhe refaçam uma carcaça de nervo, sangue e osso, como a de qualquer homem, e que a posteridade tenha por fabulosa a morfologia de cagaIhão impermeável que eu lhe dei.

Ora como a forma de processo jurídico em que este caso deriva, é sumária quase, mercê da defeituosa legislação que ainda temos, e como infelizmente ela me não dá esperança alguma de que o tal Gonçalves seja catrafilado em meu lugar, tudo quanto eu de bom posso fazer nesta querela, senhor presidente do Conselho e mais vogais, é munir-me de atestados por tal forma inconcussos, que no dia da audiência o juiz reconheça que é definitivamente de m... o meu querelador.

Eis porque venho aos pés da sapientíssima agremiação que V. Ex.as resumem, suplicar que me analisem qualitativa e quantitativamente o tipo, trasladando-se a análise em papel selado, com o carimbo do laboratório e a assinatura do químico preparador, a fim de que esse documento, cosido aos autos, valorize pelos veredictos da ciência, o qualificativo causador do meu processo.

(4 Fev. 1891)
Os Gatos

.

Josep M. Rodríguez (Cru)




CRUDO



De tan negra
y profunda
la tristeza parece un pozo de petróleo.

¿Se formará también de aquello que está muerto?

Nos construyen las pérdidas:
instante
tras instante
tras instante.

Así que no lo dudes,
reclama para ti
en este día
la lentitud del saurio,

la inocencia del fósil,

la oscuridad del hombre que imagina
el final de una cueva.
Deja de preocuparte por quién eres.

El árbol que no es bosque
lo anticipa.

Josep M. Rodríguez

[La estafeta del viento]




De tão negra
e profunda
parece um poço de petróleo, a tristeza.

Será feita também do que está morto?

As perdas nos constroem,
instante
após instante
após instante.

Por isso não duvides,
reclama para ti
neste dia
o vagar do sáurio,

a inocência do fóssil,

a humildade do homem que imagina
o fundo de uma gruta.

Deixa de preocupar-te com quem és.

A árvore não é bosque
mas antecipa-o.

(Trad. A.M.)

.

23.6.14

Hilda Hilst (Quem és)





Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava.
Depois pó.
Depois nada.


Hilda Hilst


[Mensagens com amor]

.

22.6.14

Paula Ensenyat (As mãos de meu pai)





LAS MANOS DE MI PADRE (*)



Mientras vareamos las almendras,
todos tenemos calor,
pero yo siento cómo el sol se va adentrando en mi cabeza
trato de buscar un poco de aire desprendido de alguna rama,

no lo hay.

Tan solo puedo ver las manos de mi padre
sujetando su vara de madera maciza
y siento más calor
y una sed insaciable que me devora por dentro.
Mi padre suelta la vara
y sus manos desaparecen de mi vista;
puedo sentirlas sobre mi rostro
mientras pronuncia mi nombre
y trato con todas mis fuerzas
de abrir los ojos para verlas de nuevo.

Ahí están:

esas manos fuertes,

miniatura de lo que fueron,

intento ver debilidad en ellas,

no la encuentro.

Paula Ensenyat

[Apología de la luz]



Enquanto varejamos as amêndoas,
temos todos muito calor,
mas eu sinto o sol a entrar-me na cabeça
e busco um pouco de vento a desprender-se dos ramos,

mas nada.

Só consigo ver as mãos de meu pai
a segurar a vara maciça
e fico com mais calor
e com uma sede insaciável a devorar-me por dentro.
Meu pai solta a vara
e as mãos saem da minha vista;
posso senti-las na cara,
com ele a dizer o meu nome,
e trato com toda a força
de abrir os olhos e vê-las de novo.

Aí estão:

aquelas mãos fortes,

amostra do que já foram,

tento ver debilidade nelas,

não vejo nada.

(Trad. A.M.)



>>  Nunca llegan tarde las hadas (3p) / Vol de milana (breves e não)

______________________________

(*) Cysko Muñoz - Las manos de mi padre
.


21.6.14

Fialho de Almeida (Polémica-1)




Sr. presidente do Conselho de Higiene e vogais do mesmo:

Tenho a honra de levar ao conhecimento da muito ilustrada competência profissional de V. Ex." os seguintes factos:

Em 31 de Janeiro último, produzindo no jornal A Pátria uma série de documentos, de carácter exclusivamente pessoal, tive de os explicar em algumas linhas de prosa justiceira, das quais tombaram. sobre o Gonçalves d'A Província, estas duas acusações de torto e m. . . - a primeira fundamentada quase toda no seu proceder desleal para com Junqueiro, visando-lhe o carácter - a segunda, mais particularmente inferida da sua singular e fétida maneira de tirar desagravo nas polémicas jornalísticas, visando-lhe a figura.

O homem, pesando a afronta, não hesitou em desviá-la do terreno em que outros haveriam preferido deslindá-la, e encarregou, disseram-me, os tribunais de terem coragem em seu lugar.

Vai, disse comigo: Onde viu ele injúria digna de querela? No epíteto de torto, exclusivamente endereçado ao ser moral? ou no epíteto de m..., exclusivamente chapado no ser físico?

(4 Fev.1891)
Os Gatos

.


 

Pablo Neruda (Gosto, quando te calas)





POEMA 15



Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía;

Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.

Pablo Neruda



Gosto quando te calas e ficas como ausente,
e ouves-me de muito longe e minha voz não te chega.
Como se os olhos te voassem e um beijo
por exemplo te fechasse a boca.

Como as coisas estão cheias da minh’alma
tu ergues-te das coisas, cheia da alma minha.
Borboleta de sonho, parecida com a minh’alma
e também com a palavra melancolia;

Gosto quando te calas e ficas como distante,
assim como a queixar-te, borboleta arrulhando.
E ouves-me de muito longe e minha voz não te alcança:
deixa-me só calar no meio do teu silêncio.

Deixa-me também falar com teu silêncio
claro como lâmpada, simples como anel.
Tu és como a noite, silente e estrelada,
teu silêncio de estrela, tão distante e singelo.

Gosto quando te calas e ficas como ausente,
distante e dolorosa como se estivesses morta.
Uma palavra, então, e um sorriso bastam,
e eu fico alegre, alegre por não ser verdade.


(Trad. A.M.)

.

20.6.14

Luís Filipe Parrado (O vaso)





O VASO



Vi como retiraste do vaso a terra,
e da terra as raízes da planta desconhecida.
Depois, com a tesoura de ferro,
cortaste o caule no ponto
certo. Em seguida, renovaste
a terra no vaso,
enterraste nela de novo a planta
que ressurgiu, surdamente,
na manhã de primavera
que sempre finda.
Agora, desvia um pouco o olhar,
repara em mim agora: vês as raízes,
o caule dobrado, a flor, o nome?
Por que não me cortas os braços, as mãos,
os pés, o tronco, e espalhas tudo
aos bocados pela terra?
Só preciso de um pouco de água:
em todos os lugares crescerei para ti.

Luís Filipe Parrado


[Luz & sombra]

.

19.6.14

Jorge M. Molinero (Eu vi)





HE VISTO



he visto
a los políticos
en una cadena
de producción
con sus guantes
para no mancharse
elegían
esta vale / esta no
las páginas
de la constitución

Jorge M.Molinero

[El hombre invisible]



eu vi
os políticos
numa linha
de produção
com luvas
para não se sujarem
escolhiam
esta sim / esta não
as páginas
da constituição

(Trad. A.M.)

.

18.6.14

Fialho de Almeida (Barjona de Freitas-2)





É um advogado de província calcado sobre todas as pelintragens da vida de boémio, acrescentadas de todas as licenças da vida de solteiro.

Duma origem plebeia - o que não é indiferente na gestação de um diplomata - toda a vida pobre, e com pequenas angústias quotidianas de cinco libras perdidas à batota, ele acusa nos mais pequenos detalhes do seu espírito e da sua figura, essas saburras ínfimas do cavador que está por baixo do outro, do homem cultivado, e a cada instante intervém para o amesquinhar, seja onde for.

Mesmo a sua figura é deplorável, com feições de cigano e sangue de mulato.

Nos cabelos corredios, chorando banha, na implantação viciosíssima dos dentes, bordados de limugens perto da raiz, na barba rala, empastada de herpes, no prognatismo da maxila inferior, avançando obtusamente com uma sensualidade rude de gorila, no feitio da barriga, gastralgizada por indigestões de comidas ordinárias, no desenho das mãos rugosas, com palmouras, dedos cheios de nós, unhas chatas, estriadas ao través como as dos pobretões descalços, no ritmo do andar, cambaio, como quem leva um frete, no parênteses das pernas, no feitio do cachaço, uma inferioridade atávica ressalta, de raça espúria, cruzamentos que aviltam o homem, e o desviam do tipo puro de que certos representantes das raças loiras parecem ser o ideal inigualável.

(29 Set. 1890)
Os Gatos


Do dito Barjona:M.Justiça, quatro vezes, Par-do-Reino, Conselheiro de Estado.Ligado à negociação diplomática emergente do Ultimato britânico e da questão do mapa-cor-de-rosa (para mal), e à abolição pioneira da pena de morte (para bem).Parlamento
Wikipedia

.

César Fernández Moreno (Se eu esperasse)





SI YO ESPERARA



si yo esperara el tiempo suficiente
pasarías por aquí

sin duda pasarían muchas otras
antes que vos
ostentando esos rasgos grotescos
que no son los tuyos

pero alguna vez pasarías
finalmente siquiera
para encontrar mis huesos

o moriríamos los dos
yo te esperaría en la eternidad
vos pasarías por la eternidad

César Fernández Moreno


[De sibilas y pitias]



se eu esperasse o tempo bastante
tu passarias aqui

claro passariam muitas outras
antes de ti
exibindo aqueles traços grotescos
que não são os teus

mas um dia passarias
nem que fosse no fim
para encontrar meus ossos

ou então morríamos ambos
eu esperava-te na eternidade
e tu passavas na eternidade

(Trad. A.M.)

.

17.6.14

Manuel de Freitas (Sub rosa)





SUB ROSA



Não somos os últimos, pois se
há coisa que o mundo sempre fez bem
foi acabar. De novo e sempre: acabar.

Mas já não trabalhamos com o ouro
e temos um certo pudor tardio
em falar de deus, do amor ou até do corpo.

As metáforas arrefecem, talvez contrariadas.
São casas devolutas, mães risonhas
ou sombrias cujo grito deixámos de escutar.

Do lixo, porém, temos um vasto
e inútil conhecimento. Possa
ele servir de rosa triste aos
que não cantam sequer, por delicadeza.

Manuel de Freitas

[Silva]


.

16.6.14

José Daniel Espejo (Até logo)





HASTA LUEGO



Sé la hora exacta, pero prefiero decir
que se arrastraban las nueve de la noche
como un muerto corriente abajo. Estábamos
a catorce de junio y el tilo junto a mi casa
todavía arrojaba una sombra torcida
y movía las ramitas para adaptarse
a una especie de brisa. Ella llevaba
los pantalones de cuadros y la piel de sus brazos
estaba suave y fría. El caramelo de menta
que acababa de comerse casi no pude
probarlo, porque entonces se puso
seria y me dijo algo
no recuerdo bien qué
ya sabéis, hace tanto
hace tanto tiempo, tanto
tiempo
tantísimo tiempo
ya.

José Daniel Espejo

[Electridad con ictericia]




Sei a hora exacta mas prefiro dizer
que se arrastavam as nove da noite
como um morto pelo rio abaixo. Estávamos
a catorze de Junho e a tília ao pé de casa
arrojava ainda uma sombra torcida
e abanava os ramos para festejar
uma espécie de brisa. Ela usava
as calças aos quadrados e tinha a pele
dos braços suave e fria. O caramelo
de menta que acabara de meter à boca
quase nem lhe tomei o gosto, porque ela
então pôs-se séria, e disse-me algo
não me lembro bem o quê,
estais a ver, faz tanto
faz tanto tempo, tanto
tempo,
tantíssimo tempo
já.

(Trad. A.M.)



>>  Poesi.as (20p) / Palabras y vidas (10p) / Revista Hache (5p) / Escrito en el viento (4p) / José Daniel Espejo (blogue susp.)


.

15.6.14

Carlos de Oliveira (Estrela)





ESTRELA



Legenda
para aquela estrela
azul
e fria
que me apontaste
já de madrugada:
amar
é entristecer
sem corrompermos
nada.


Carlos de Oliveira

[Arquivo de cabeceira]

.

14.6.14

Iñigo Linaje (Estas palavras)





Estas palabras que torpemente escribo
y que me dicta la noche,
no son poemas ni bellos cantos,
son fragmentos de mis días negros:
los restos de mi holocausto.

Iñigo Linaje



Estas palavras que escrevo sem jeito,
e que a noite me dita,
não são versos nem belas canções,
são fragmentos de meus negros dias,
os restos do meu holocausto.

(Trad. A.M.)


.

13.6.14

Manuel Bandeira (O silêncio)





O SILÊNCIO



Na sombra cúmplice do quarto,
Ao contacto das minhas mãos lentas,
A substância da tua carne
Era a mesma que a do silêncio.

Do silêncio musical, cheio
De sentido místico e grave,
Ferindo a alma de um enleio
Mortalmente agudo e suave.

Ah, tão suave e tão agudo!
Parecia que a morte vinha...
Era o silêncio que diz tudo
O que a intuição mal adivinha.

É o silêncio da tua carne.
Da tua carne de âmbar, nua,
Quase a espiritualizar-se
Na aspiração de mais ternura.

Manuel Bandeira


[Poemas de Bandeira]

.

12.6.14

Jorge Espina (A glória)





LA GLORIA



Hay un lago en Central Park,
cerca de Central Park South,
en él los patos le preguntan a los peces:
¿Saben ustedes a dónde se ha ido Salinger?
¿Quién?
Salinger. ¿Tienen alguna idea de dónde se ha metido?
Los peces no son malos tipos, pero tienen poca paciencia.
¿Cómo demonios queréis que lo sepamos?
¿Cómo queréis que sepamos una estupidez semejante?
Los patos vuelan sobre el lago buscando a Salinger
pero ni rastro, de Salinger, nadie sabe nada.


JORGE ESPINA
Volver al pan, llegar a casa
Canalla Ediciones (2012)

[Apología de la luz]




Há um lago em Central Park,
ao pé de Central Park South,
e aí os patos interrogam os peixes:
Vocês sabem para onde foi Salinger?
Quem?
Salinger. Fazem ideia onde é que se meteu?
Os peixes não são maus tipos, mas têm pouca paciência.
Como diabo quereis que nós saibamos?
Como haveríamos de saber uma estupidez desse género?
E os patos voam sobre o lago em busca de Salinger
mas nem rasto, de Salinger, ninguém sabe nada.

(Trad. A.M.)

.

11.6.14

Manuel António Pina (Quinquagésimo ano)





QUINQUAGÉSIMO ANO



São muitos dias
(e alguns nem tantos como isso...)
e começa a fazer-se tarde de um modo
menos literário do que soía,
(um modo literal e inerte
que, no entanto, não posso dizer-te
senão literariamente).
Mas não há pressa, nem se vê ninguém a correr;
a única coisa que corre é o tempo,
do lado de fora, porque dentro
a própria morte é uma maneira de dizer.
Caem co’a calma as palavras
que sustentaram o mundo,
e nem por isso o mundo parece
menos terreno ou impermanece.
Restam, é certo, alguns livros,
algumas memórias, algum sentido,
mas tudo se passou noutro sitio
com outras pessoas e o que foi dito
chega aqui apenas como um vago ruído
de vozes alheias, cheias de som e de fúria:
literatura, tornou-se tudo literatura!
E a vida? (Falo de uma vida
muda de palavras e de dias, uma vida nada mais que vida;
haverá uma vida assim para viver,
uma vida sem a si mesma se saber?)
Lembras-te dos nossos sonhos? Então
precisávamos (lembras-te?) de uma grande razão.
Agora uma pequena razão chegaria,
um ponto fixo, uma esperança, uma medida.

Manuel António Pina


[Canal de poesia]

.

10.6.14

Joan Margarit (Casa de Misericórdia)





CASA DE MISERICORDIA



El padre fusilado.
O, como dice el juez, ejecutado.
La madre, ahora, la miseria, el hambre,
la instancia que le escribe alguien a máquina:
Saludo al Vencedor, Segundo Año Triunfal,
Solicito a Vuecencia poder dejar mis hijos
en esta Casa de Misericordia.

El frío del mañana está en la instancia.
Hospicios y orfanatos fueron duros,
pero más dura era la intemperie.
La verdadera caridad da miedo.
Igual que la poesía: un buen poema,
por más bello que sea, será cruel.
No hay nada más. La poesía es hoy
la última casa de misericordia.

Joan Margarit



O pai fuzilado.
Ou, como diz o juiz, executado.
A mãe, agora, a miséria, a fome,
o pedido que alguém lhe escreve à máquina:
Saudação ao Vencedor, Segundo Ano Triunfal,
Solicito a Vocência que receba os meus filhos
nesta Casa de Misericórdia.

O frio do amanhã está no pedido.
Hospícios e orfanatos foram duros,
mas mais dura era a intempérie.
A verdadeira caridade dá medo.
Tal como a poesia: um bom poema,
por mais belo que seja, é sempre cruel.
Não há mais nada. A poesia é hoje
a última casa de misericórdia.


(Trad. A.M.)


> Outra versão: Barcos de flores (Rita Custódio-Álex Tarradellas)

.

9.6.14

Manoel de Barros (Deus disse)





DEUS DISSE



Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.


Manoel de Barros



[Poemblog]

.

8.6.14

Begoña Abad (A igreja católica)





La iglesia católica (de las otras sé menos)
siempre nos habla del Paraíso como recompensa.
Hoy nombraban, en la radio,
los paraísos fiscales
en los que ella, efectivamente,
tiene ya esa recompensa.
Voy a empezar a creer.

Begoña Abad

[Voces del extremo]



A igreja católica (das outras sei menos)
fala-nos sempre do Paraíso como recompensa.
Hoje ouvi na rádio
sobre os paraísos fiscais
em que ela, efectivamente,
tem já essa recompensa.
Começo a ficar crente.

(Trad. A.M.)

.

7.6.14

Fialho de Almeida (Barjona de Freitas-1)





(BARJONA DE FREITAS-1)


Ora, esforçando um pouco nos predicados que o Sr. Hintze achou ao Sr. Barjona para enviá-lo como representante de Portugal, à corte mais requintada e formalista do mundo, vê-se o seguinte.

Como africânder, o Sr. Barjona é uma bestinha mansa e pegadiça, sem entusiasmo, porque nem a idade nem a índole permitem que ele se entusiasme: sem proficiência, porque tirante escamoteações forenses, não consta que o homenzinho tomasse gosto por outras questões que não revistam a forma de charutos de seis vinténs, e de baixos-ventres de sopeiras: e finalmente sem a menor familiaridade com os instrumentos que poderiam facilitar-lhe a tarefa, verbi gratia o manejo da língua falada pelos diplomatas com quem havia de entender-se.

(29 Set. 1890)
Os Gatos

.

Javier Salvago (A juventude)





LA JUVENTUD



Duró lo que duran,
por norma, los ensueños:
hasta que descubres
que ya estás despierto.

Hoy sólo es historia
para hacer memoria.

Otros son sus dueños
y otro es el que mira
y busca qué ofrece
de nuevo la vida.

Quien vino por todo
no aprecia tan poco.

Javier Salvago



Durou o que duram,
em regra, os sonhos,
até descobrires
que já acordaste.

Hoje é apenas história
para deixar memória.

Outros são os seus donos
e outro é aquele que olha
e procura o que a vida
oferece de novo.

Quem quis tudo
não aprecia tão pouco.

(Trad. A.M.)



> Outra versão: Do trapézio (L.P.)

.

6.6.14

Luís Filipe Castro Mendes (Das palavras)




DAS PALAVRAS



As palavras mais simples
foram as que te dei;
o amor não sabe outras,
só estas fazem lei.
As palavras de uso
mais comum e vulgar
são as que amor conhece.
Com elas nos pensamos;
é nelas que tememos
desacertos, enganos;
se nelas triunfamos,
já delas nos perdemos.
Com palavras vulgares
se diz o mal de amor,
seu riso, seu espelho,
o que fica da dor.
E todos os mistérios
que se fazem promessa
e se perdem nos versos
e dos corpos nasceram
são aqui cerimónia
evidente e secreta
nas mais simples palavras
que conhece o poeta.

Luís Filipe Castro Mendes



>>  Tim-Tim no Tibete (blogue) / nEscritas (14p) / Citador (19p)



.

5.6.14

Ernesto Pérez Vallejo (Abril, por exemplo)





ABRIL, POR EJEMPLO



El verdadero problema de estar solo es saber que existes.

¿Sabes cuando tienes una herida
en el dedo por ejemplo
y todos los golpes van ahí?

Pues con mi corazón, lo mismo.

Hasta esta chica desconocida
que pasa ahora como un vendaval por mi lado sin mirarme,
me duele.

Supongo que todo masoquismo empieza en una ausencia.

Abril me cabe en un bolsillo,
es fácil perderlo,
cuando se vaya no me sentiré como Sabina.
No me pueden robar lo que no es mío.
Desde que no hallo tu cintura
es como si el mundo me lo hubieran prestado,
y estén siempre a punto de exigirme su vuelta.

Como vivir en una deuda infinita
en la que nunca podré pagar
todos los errores.

Se parece a ti la chica de la barra,
quizás menos morena y menos alta,
los ojos más oscuros,
el cabello más riachuelo que cascada,
las tetas menos juntas y su culo
no parece un columpio en movimiento.
Ahora que lo pienso fríamente,
si comparo tu belleza con la suya,
ni siquiera me parece una mujer.

Esta nostalgia es cruel
como leer el diario
de una hija adolescente.
Como el hilo musical de los centros comerciales
a las diez de la mañana,
o el silencio de una cena familiar.

Intuyo que todo olvido comienza con otro nombre.

Decía con los ojos en mi boca
- Eres el único hombre que jamás
me ha hablado de otra mujer-
Como si eso me hiciera mejor persona.
Ignorando que cuando me besó
ya nunca hubo otras mujeres,
ni antes, ni después.
Tampoco ahora.

Has reducido sin saberlo mi vida a un folio
en el que me reflejo si no escribo.
Y no hay desamor más grande que la falta de amor propio.

Imagino que aceptar la derrota es el modo más seguro de ganar.

No sabes lo horrible que está la ciudad
sin mirarse en tus ojos.
Es como si le quedaran grandes las fachadas
y pequeñas las casas,
como si hubiera comprado deprisa y en rebajas
los paisajes que la rodean.

Hay quien habla de la primavera como si te hubiera conocido.

Me alejo, cuanto más camino,
más me encuentro sin ti,
cuanto más cerca de mi mismo,
más distancia entre nosotros,
cada una de mis huellas
borra una de tus pisadas.

Se que no puedo olvidarte mientras te busco
y se que no puedo encontrarme si no te olvido.

Lo malo de mi soledad es tu existencia.
Y que ya nunca será lo mismo estar solo,
que estar sin ti.
Y eso no hay corazón que lo soporte.

¿ Sabes cuando tienes una herida
en el dedo por ejemplo
y todos los golpes van ahí?

Ernesto Pérez Vallejo

[Los lunes que te debo]



O verdadeiro problema de estar só é saber que tu existes.

Sabes quando tens uma ferida
no dedo por exemplo
e estás sempre a bater com ele?

Pois com o meu coração é assim.

Até esta miúda desconhecida me aflige,
esta que vai a passar como um vendaval,
sem pôr os olhos em mim.

Creio que o masoquismo começa na ausência.

O Abril cabe-me num bolso,
é fácil perdê-lo,
quando se for não me sentirei como Sabina.
O que não é meu não mo podem roubar.
Desde que não te encontro a cintura
é como se me tivessem emprestado o mundo
e estivessem sempre a pedir-mo de volta.

Como viver com uma dívida enorme
em que nunca poderei pagar
os erros todos.

A miúda do balcão é parecida contigo,
talvez menos morena e não tão alta,
os olhos mais escuros,
o cabelo mais regato que cachoeira
as mamas menos juntas e o rabo
não se parece com um baloiço.
Agora que penso nisso,
comparando a beleza dela contigo,
ela nem sequer me parece uma mulher.

Esta saudade é cruel,
assim como ler o diário
de uma filha adolescente.
Como o fio musical do centro comercial
às dez da matina,
ou o silêncio de um jantar de família.

Intuo que no princípio o esquecimento tem outro nome.

Ela dizia-me fitando os olhos na minha boca
- És o único homem que jamais
me falou de outra mulher -
Como se isso fizesse de mim melhor pessoa.
Sem saber que quando me deu aquele beijo
deixou de haver outras mulheres,
quer antes, quer depois,
e o mesmo agora.

Sem saberes, fizeste da minha vida uma folha
em que me revejo caso não escreva.
E não há maior desamor do que a falta de amor próprio.

Quem sabe, aceitar a derrota pode ser
o modo mais seguro de vencer.

Não sabes tu quão horrível está a cidade
sem teus olhos para se mirar.
É como se lhe ficassem grandes as fachadas
e pequenas as casas,
como se comprasse de repente as paisagens em redor,
em saldo.

Há quem fale da Primavera
como se te conhecesse.

Afasto-me, quanto mais caminho,
mais me encontro sem ti,
quanto mais perto de mim mesmo,
mais distância há entre nós,
cada pegada minha apaga uma tua.

Sei bem que não consigo esquecer-te enquanto te busco,
e que não poderei encontrar-me se não te esquecer.

O mal da solidão é a tua existência.
E estar só jamais será o mesmo
que estar sem ti.
E isso não há coração que o suporte.

Sabes quando tens uma ferida
no dedo por exemplo
e estás sempre a bater com ele?

(Trad. A.M.)

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4.6.14

Fialho de Almeida (Imprensa)





(IMPRENSA)


Eis aí geralmente o papel da imprensa noticiosa, na polícia dos costumes: ver pela rama, sacrificar a verdade à nota pitoresca, inventar sendo preciso, caluniar, mentir, sem remorso pelos prejuízos causados, nem maior medo aos desforços exigidos pelas vítimas.

Quotidianamente os jornais vêm cheios destas torpezas, nomes por inteiro, moradas com a designação do andar e do lado, e descrições da família e da casa, cômputo dos teres, e dos hábitos íntimos, cinco ou seis criaturas aviltadas às vezes em dez ou vinte linhas, e tudo isto pelo simples pretexto de encher espaço, de fazer palpitante e de vender o género ao freguês rapidamente.

(20 Set. 1890)
Os Gatos

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Antonio Orihuela (Os sonhos de meu pai)





Los sueños de mi padre se han cumplido,
morirá feliz y atado a sus árboles y su barbecho,
volviendo a casa en su mula,
dormido en el sofá frente un documental de bichos en La 2.
Habrá arena en sus botas
unas humildes botas de mercadillo
de las que guarda tres pares nuevos e idénticos.

Morirán muchas cosas, grandes trozos de nosotros,
cuando la muerte se vista con él.

Mi madre lo mantendrá vivo
mientras se repitan, iguales,
las nieves, las flores, las cosechas.

Antonio Orihuela

[Apología de la luz]



Cumpriram-se os sonhos de meu pai,
vai morrer feliz, preso às árvores e à leira,
tornando a casa na mula,
adormecido no sofá diante de um documentário
de animais na 2.
Terá areia nas botas
umas botas humildes de feira
de que guarda três pares novos iguaizinhos.

Morrerão muitas coisas, grandes bocados de nós mesmos,
quando a morte com ele se vestir.

Minha mãe o manterá vivo
enquanto iguais se repetirem
as neves, as flores, as colheitas.

(Trad. A.M.)

.

3.6.14

Luís de Camões (Endechas a Bárbara escrava)




ENDECHAS A BÁRBARA ESCRAVA



Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Ua graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E. pois nela vivo,
É força que viva.


Luís de Camões



> José Afonso / Endechas a Bárbara escrava

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2.6.14

Ángel González (Por aqui passa um rio)





Por aquí pasa un río.
Por aquí tus pisadas
fueron embelleciendo las arenas,
aclarando las aguas,
puliendo los guijarros, perdonando
a las embelesadas
azucenas...
No vas tú por el río:
es el río el que anda
detrás de ti, buscando en ti
el reflejo, mirándose en tu espalda.
Si vas deprisa, el río se apresura.
Si vas despacio, el agua se remansa.

Ángel González

[Sopa de poetes]



Por aqui passa um rio.
Por aqui teus passos
foram embelezando as areias,
aclarando as águas,
polindo as pedras, perdoando
as compostas
açucenas...
Tu não vais pelo rio,
é o rio que anda
atrás de ti, buscando em ti
o reflexo, mirando-se nas tuas costas.
Vais depressa? o rio apressa-se.
Vais devagar? a corrente serena.


(Trad. A.M.)

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1.6.14

Fialho de Almeida (Jornalistas)





(JORNALISTAS)


É deplorável!

Tirante a redacção política, onde se agrega o melhor do pessoal de cada coio de imprensa, o resto, salvo excepções raríssimas, é uma piolharia de irresponsáveis que fazem vida de aguardar emprego, e enquanto esperam, jantam e ceiam de andar pela cidade a disputarem-se uns aos outros os escândalos ocorridos, a ver qual no dia seguinte os dará mais picantes de nomes e detalhes.

(20 Set. 1890)
Os Gatos

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Iñigo Linaje (Homem)





HOMBRE



Hombre soy ya vencido,
vástago del horror
y espanto de la nada.
Hombre soy, ya cadáver
herido por la ausencia,
la frustración, la culpa;
por el viejo sentir
de ser distinto y menos
que el resto de los vivos.
Mitad hombre y demonio,
me odio y me castigo
por ser solo una ruina,
este hombre triste y solo
lleno de espanto y miedo.
Hombre soy: hombre he sido.
Hombre fui quizá un día.
Hoy no me reconozco.


IÑIGO LINAJE
Apuntes de una vida
(2004)

[Insolitos]



Homem sou vencido já,
filho do horror
e espanto do nada.
Homem sou, cadáver
ferido pela ausência,
pela culpa e frustração;
pelo velho sentimento
de ser diferente e menos
do que os outros viventes.
Meio homem e meio demónio,
odeio-me e castigo-me
por ser só uma ruína,
este homem triste e só,
cheio de espanto e de medo.
Homem sou, homem fui.
Homem fui talvez um dia,
hoje não me reconheço.

(Trad. A.M.)



>>  El Correo (info)


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