31.5.14

W. B. Yeats (Não dês o coração)





NEVER GIVE ALL THE HEART



Never give all the heart, for love
Will hardly seem worth thinking of
To passionate women if it seem
Certain, and they never dream
That it fades out from kiss to kiss;
For everything that's lovely is
But a brief, dreamy, kind delight.
O never give the heart outright,
For they, for all smooth lips can say,
Have given their hearts up to the play.
And who could play it well enough
If deaf and dumb and blind with love?
He that made this knows all the cost,
For he gave all his heart and lost.


W. B. Yeats

[Poets]



Não dês o coração nunca por inteiro, porque o amor
se for certo não interessa às mulheres,
nem elas sonham que o mesmo se vai
de beijo em beijo;
pois tudo o que é do amor
é deleite, amável, fugaz e fantástico.
Não dês o coração nunca sem reserva,
já que elas jogaram o delas,
digam seus lábios o que disserem.
E quem saberia do jogo o bastante
estando surdo e mudo e cego de amor?
Quem isto escreve sabe bem o que custa,
posto que deu o coração por inteiro
e perdeu.

(Trad. A.M.)


.

30.5.14

Ana Pérez Cañamares (Mãe)





I

El canturreo de la lavadora
me acompaña mientras leo.

Mi madre sigue cargando
todas las lavadoras.

Llegaré con la ropa limpia
aunque sea largo y polvoriento
el camino desde la infancia.


II

Desde que murió
mi madre me está leyendo...

Ya no soy su hija
Ya no soy una preocupación.

Soy una novela que lee por entretenerse.
Por algún motivo, siente simpatía por la protagonista.

Mamá está disfrutando de la indiferencia.

Ana Pérez Cañamares


[Apología de la luz]



I

A cantilena da máquina de lavar
acompanha-me enquanto leio.

Minha mãe continua a encher
as máquinas todas de roupa.

Chegarei de roupa lavada
seja embora longo e poeirento
o caminho que vem da infância .


II

Desde que morreu
minha mãe anda-me a ler...

Já não sou filha
Já não sou preocupação.

Sou um romance que lê para se entreter.
Por alguma razão, simpatiza com a protagonista.

Mamã está a desfrutar da indiferença.

(Trad. A.M.)


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29.5.14

Coitado do Jorge (89)






PISCINA



Tanto tenho chorado, ultimamente
- e a piscina dá jeito, ninguém nota, nem é preciso limpar -

que, ou esta coisa acaba, ou têm de mudar o padrão técnico
do tanque, de água doce para salgada.


.

Amalia Bautista (Agora)





AHORA



Ahora que el camino que debo recorrer
es un paso elevado sobre una carretera
que da miedo mirar, porque el abismo
implacable me llama.
Ahora que se ha muerto la esperanza
como un pájaro echado de su nido
por hermanos más fuertes.
Ahora que es de noche todo el día,
invierno todo el año
y las semanas solo tienen lunes,
¿dónde mirar, dónde volver los ojos,
que no encuentre los ojos de la muerte?

Amalia Bautista

[En un mundo de palabras]



Agora que o caminho que devo percorrer
é uma passagem elevada sobre uma estrada
que dá medo olhar, porque
me chama o abismo implacável.
Agora que a esperança está morta
como um pássaro atirado do ninho
por irmãos mais fortes.
Agora que é noite todo o dia,
inverno todo o ano
e as semanas só têm segundas,
onde olhar, onde pôr os olhos,
que não encontre os olhos da morte?

(Trad. A.M.)

.

28.5.14

Luís Amaro (Liberdade)





LIBERDADE



Viver sem alarde,
obscuramente,
suportar sozinho
o peso dos sonhos,

fugir do tumulto
que os outros impõem
turvando o silêncio
do nosso mistério;

sem gritos nem gestos
ou palavras vãs
ir por entre as turbas
dos olhos vendados,

ouvir só a voz
do nosso segredo
(mas nunca indiferente
às lágrimas doutrem)

e erguido bem alto
o muro dos sonhos,
ah! poder* enfim
passar livremente.

Luís Amaro


[Luz & sombra]



(*) Corrigido: pode>poder.


.

27.5.14

Alfonso Brezmes (A gramática do amor)





LA GRAMÁTICA DEL AMOR



Yo lo sé.
Tú lo sabes.
Nosotros lo sabemos.
Ellos no lo saben.

Alfonso Brezmes





Eu sei,
tu sabes,
nós sabemos.
Eles não sabem.

(Trad. A.M.)

.

26.5.14

Fialho de Almeida (Jornais)





(JORNAIS)


Grande número de jornais, cedendo a um furor de informação mais atiçado pelo amor do lucro, do que investido de propósitos justiceiros, apenas foi produzida há quinze dias a denúncia de estupro em que se inculpava um oficial superior do nosso exército, não duvidou estampar o nome desse oficial com todas as letras, sem mor devassa prévia à veracidade da gravíssima infâmia que uma tal publicidade ia lançar na corporação.

Não posso dizer a quem compita a responsabilidade remota do vergonhoso papel que quase toda a imprensa de Lisboa desempenhou neste episódio, difamando publicamente um homem, que sessenta e dois anos de probidade deviam garantir contra a suspeita do crime - gratuita, pelo menos até à data do aparecimento das primeiras notícias - assim como também me não cabe discutir se os funcionários de justiça encarregados de fazer luz nestes sinistros dramas, devem assim de pronto divulgá-los aos jornais, sabido como a opinião retém para logo os nomes conspurcados, sem nunca mais indagar se o vilipêndio é legítimo, ou não passou dum boato, que a justiça desfez pouco depois.

(20 Set. 1890)
Os Gatos

.

César Fernández Moreno (A condição humana)





LA CONDICIÓN HUMANA



hay dos caminos hacia nada
un camino ordenado
otro desordenado

las mismas luces en la misma costa
un poco de todo
o sea nada

cimas relampagueantes
mucho de muy poco
o sea nada

puedo percibir todo
y apenas me importa
lo que no percibo

¿por qué me importaría
lo que no percibiré
cuando nada perciba?


[De sibilas y pitias]



há dois caminhos para o nada
um caminho indicado
e o outro

as mesmas luzes na mesma costa
um pouco de tudo
ou seja nada

cumes relampejantes
muito de muito pouco
ou seja nada

consigo perceber tudo
e o que não percebo
pouco me importa

porque me importaria
o que não perceberei
quando nada perceber?


(Trad. A.M.)




>>  Poetas siglo XXI (7p) / Wikipedia

.

25.5.14

Natália Correia (O sol nas noites)





O SOL NAS NOITES E O LUAR NOS DIAS



De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.


Natália Correia

[Poemas e poetas]

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24.5.14

Aldo Luis Novelli (Para escrever um poema)





PARA ESCRIBIR UN POEMA



Hay que bucear en el fondo de la lengua,
escuchar la música de las profundidades,
observar la luz de un pez abisal y recoger
algunos guijarros negros del fondo.
Al traer esas memorias a la superficie,
convertirlas en palabras humanas y sonidos
singulares que provoquen
un efímero resplandor.

Aldo Luís Novelli



É preciso sondar no fundo da língua,
escutar a música das profundidades,
observar a luz de um peixe do abismo e apanhar
alguns seixos do fundo.
Essas memórias, trazê-las à superfície
e convertê-las em palavras de gente e sons
singulares que despertem
um efémero resplendor.

(Trad. A.M.)

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23.5.14

Fialho de Almeida (A cara dos políticos)





(A CARA DOS POLÍTICOS)


Porque é singular como as fisionomias da maior parte dos nossos homens políticos depõem desagradavelmente a seu favor. (...)

A maior parte são pequenos monstros de olhar estrábico, ou vago, ou fugidio, ou injectado; caras balofas, olheirentas, dessimétricas, com um estigma, algumas, do quer que é inquietador, que a gente não sabe o que seja, mas lá está a servir de síndroma à manqueira oculta, e a prevenir a opinião contra a boa-fé dos esforços deles, em prol da causa que juraram servir.

(Nov.1889)
Os Gatos

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Adolfo Casais Monteiro (Realidade)





REALIDADE



A realidade é apenas
uma luz por dentro das coisas. Teia
em que se enreda o olhar que traz
dentro de si o amor do mundo.
Vaso que dá forma à
toalha líquida dos instantes. Suspensa
ponte sobre as margens do tempo.
Baste ao amor a adivinhação, ao sorriso
a presença de um sonho.
A luz floresce em qualquer parte.


Adolfo Casais Monteiro

[Lusografias]

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22.5.14

Begoña Abad (A altura da minha mãe)





LA MEDIDA DE MI MADRE



No sé si te lo he dicho:
mi madre es pequeña
y tiene que ponerse de puntillas
para besarme.
Hace años yo me empinaba,
supongo, para robarle un beso.
Nos hemos pasado la vida
estirándonos y agachándonos
para buscar la medida exacta
donde poder querernos.

Begoña Abad



Não sei se te disse,
a minha mãe é baixinha
e tem de pôr-se em bicos de pés
para me dar beijos.
Há uns anos eu é que me empinava,
suponho, para lhe roubar um beijo.
Passamos a vida
a esticar-nos e a agachar-nos
para buscar a medida exacta
para podermos amar-nos.

(Trad. A.M.)




>>  Fragments de vida (8p) / Emma Gunst (12p) / Poetas siglo XXI (8p) / Las afinidades electivas (5p)

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21.5.14

José Miguel Silva (Desculpas não faltam)

(*)



DESCULPAS NÃO FALTAM



Uma casa junto ao Vouga,
rio de água suficiente,
onde apenas se mergulha
até à cintura, a pequena horta
de Virgílio, o amor robustecido
por nenhuma esperança
e tantos livros para ler
— que desculpa vou agora dar
para não ser feliz?


José Miguel Silva

[As folhas ardem]



(*) A tal casa é bem perto (pint. Fausto Sampaio)

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20.5.14

Fialho de Almeida (A nossa vida)





(A NOSSA VIDA)


A nossa vida é tão curta, a nossa miséria tão ínfima, tão desesperada a luta em que nos vamos, que no que se pensa é em viver au jour le jour, empenhados em dois fitos: fazer oiro de meio mundo, e guerrear ou escarnecer de outro meio.

Ser mau tornou-se uma necessidade contemporânea.

Ser perverso um ideal... que infelizmente poucos saboreiam.

(Nov. 1889)
Os Gatos

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José Luís Peixoto (Morreste-me)





Morreste-me. Mas a memória
guarda-me o teu cheiro,
as tuas mãos e o teu sorriso.
Estás em nós e eu estou em ti.
Eu jamais seria eu sem a tua presença
constante na minha vida.
Comparência que eu gostaria de poder prolongar.
Mantenho a memória acesa
com pedaços de imagens que me fazem sorrir.
Deixaste-te ficar em tudo... os teus movimentos,
o eclipse dos teus gestos.
E tudo isto é agora pouco para te conter.
Agora, és o rio e as margens e a nascente;
és o dia, e a tarde dentro do dia,
e o sol dentro da tarde;
és o mundo todo por seres a sua pele.


José Luís Peixoto

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19.5.14

Victor Botas (Eu sei que as minhas palavras)





Yo sé que mis palabras te parecen
cosas sin importancia; te equivocas:
perdurarán intactas y el transcurso
de los días del tiempo y de sus noches
no las marchitará. Vendrá un futuro
momento en que otros labios, aún secretos,
acaso las pronuncien no sin cierto
temblor. Tú y yo seremos polvo, y distintos
mármoles vocearán nuevas victorias
y el hierro habrá cedido al prepotente
rumor de la clepsidra. Mas tus ojos
seguirán alentando en cada línea,
perennemente jóvenes. También algo
de aquel jardín que nunca compartimos.


Víctor Botas



Eu sei que minhas palavras te parecem
coisa sem importância; mas enganas-te,
hão-de perdurar intactas e o decurso
dos dias do tempo e suas noites
não há-de murchá-las. Um momento virá
em que outros lábios, ainda secretos,
hão-de talvez pronunciá-las, não sem
estremecer. Eu e tu pó seremos, e distintos
mármores gritarão novas vitórias
e o ferro cederá ao prepotente
rumor da clepsidra. Mas teus olhos
irão respirando em cada linha,
jovens perenemente. Algo também
desse jardim que nunca partilhámos.


(Trad. A.M.)

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18.5.14

Pedro da Silveira (Soneto de identidade)





SONETO DE IDENTIDADE



Chamo-me Pedro, sou Silveira e sou
também Mendonça: um tanto duro, como
Pedro é pedra; picante agudo assomo
de silva dos silvedos — não me dou.

Raiz flamenga, já se sabe; e um gomo,
no fruto, castelhano. E assim bem pou-
co, pois, que doce me passara à ou-
tra pátria (língua?) que me coube e tomo.

Ainda Henriques (alemão? polaco?)
e outros cognomes mais: espelho opaco
de errâncias várias, que mal sei (desfaço,

talvez por isso, no que faço.) Ilhéu
da casca até ao cerne — e lá vou eu,
sem ambição maior que o livre espaço.


PEDRO DA SILVEIRA
Poemas Ausentes
Santarém (1999)



>>  Pico da Vigia (muitos p) / Triplo V (perfil/Álamo Oliveira) / BoletimNCH (2006/tema) / Wikipedia


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17.5.14

Vicente Gallego (Será que ninguém estranha?)





¿Es que a nadie le extraña
lo que sucede aquí?
Llegamos sin quererlo;
partimos sin querer; sin consultar catálogo
cargamos con un cuerpo.
Ni la madre se elige, ni lugar, ni ocasión; y va de suyo
lo que llamamos alma,
cortada por qué mano a su capricho.
Curioso
de verdad que el que así parte
compuesto y calibrado y en vereda
pretenda terminar por ser el dueño
de sí y de su camino.
Qué extraño ser un alguien
que afirma decidir pero no puede
sostener su fortuna
ni ahorrarse, entre las suyas,
una lágrima al menos.
Donde dije jamás
hoy digo mío;
tomadme la palabra
y he de daros disgusto;
cuando escuchéis mi siempre
sabed que nunca ha sido.
Nos vamos acusando de traición,
los traicioneros.
Mostradme la sustancia,
la voluntad del títere: ¿puede un hombre decir
quién será si mañana
lo prueban la codicia o los amores
como sólo ellos saben
probar lo que es un hombre?


Vicente Gallego

[Emma Gunst]



Será que ninguém estranha?
Chegamos sem querer,
partimos sem querer,
carregamos um corpo que não escolhemos.
Nem a mãe escolhemos, nem lugar, nem ocasião; nem
já se vê o que chamamos alma,
talhada a seu talante sabe-se lá por quem.
Curioso
deveras que o que assim parte
composto e calibrado
pretenda no trajecto fazer-se dono
de si e do seu caminho.
Que ser estranho este
que afirma decidir, mas não pode
segurar a fortuna
nem poupar, entre as suas,
uma lágrima pelo menos.
Onde disse jamais
digo hoje meu;
tomai-me a palavra
e hei-de dar-vos desgosto;
quando ouvirdes meu sempre
sabei que nunca foi.
Traiçoeiros,
de traição nos acusamos.
Mostrai-me a substância,
a vontade do títere: pode um homem dizer
o que será, se amanhã
o tentarem a cobiça ou amores
como só eles sabem
tentar isto que se chama um homem?

(Trad. A.M.)

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16.5.14

Manuel Bandeira (Poema tirado de uma notícia de jornal)





POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL



João Gostoso era carregador de feira-livre
e morava no morro
da Babilónia num barracão sem número.

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou

Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas
e morreu afogado.


Manuel Bandeira

[Cão com pulgas]

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15.5.14

Vanesa Pérez-Sauquillo (Não é queda)





No es caída.
Aunque sea tiempo de caída
y todo caiga a nuestro alrededor.

No es sangre seca
aunque en los dedos quede
polvo rojo.

No te lo creas.
Es fruto y bendición de otoño
y dentro se sostiene. Es primavera,
dentro.

Tenemos todo el cuerpo por delante
y cuatro manos para abrirnos paso.


Vanesa Pérez-Sauquillo

[Emma Gunst]




Não é queda.
Embora seja tempo de queda
e tudo caia à nossa volta.

Não é sangue seco
embora fique nos dedos
um pó vermelho.

Não acredites.
É fruto e bênção de Outono
e por dentro se sustém. É Primavera,
por dentro.

Temos o corpo todo para a frente
e quatro mãos para abrir caminho.

(Trad. A.M.)

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14.5.14

Daniel Jonas (Os dias declinando)




OS DIAS DECLINANDO



Tudo o que um dia te foi belo e amplo e prometedor
reúne-o e faz dele forragem e um telhado
para os teus dias inglórios de colmo

porque não haverá um dia um único
que não te aponte as graves falhas do que és
com a lanterna do esplêndido assomo do que foras.

Eu sei-o. Vou olhando-os fixamente nos olhos,
mosca aprisionada na cozedura da teia,
como repentino encontro com um velho conhecido
que julgara não se haver perdido de vista.


Daniel Jonas

[Luz & sombra]


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13.5.14

Valeria Pariso (Já foste folha?)





¿Fuiste hoja alguna vez? ¿Apuntaste
la lupa sobre las nervaduras de tu mano?
¿Y de otra mano? ¿Qué sabés
del suplicio de quemarse para siempre
con un rayito de sol?

Valeria Pariso



Já foste folha algum dia? Assestaste
a lupa nas nervuras da tua mão?
E de outra mão? O que sabes
do suplício de queimar-se para todo o sempre
com um raiozito de sol?

(Trad. A.M.)

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12.5.14

Jorge Sousa Braga (Poema de amor)





POEMA DE AMOR



Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
e quase ia morrendo com o receio de que ele não
te coubesse no dedo.

Jorge Sousa Braga



>>  nEscritas (4p) / Poems from the portuguese (5p) / Biliotecário de Babel (4p) / Poesias e prosas (3p)


.

11.5.14

Rosario Castellanos (A despedida)





LA DESPEDIDA



Déjame hablar, mordaza, una palabra
para decir adiós a lo que amo.
Huye la tierra, vuela como un pájaro.
Su fuga traza estelas redondas en el aire,
frescas huellas de aromas y señales de trinos.

Todo viaja en el viento, arrebatado.

Ay, quién fuera un pañuelo,
sólo un pañuelo blanco!


Rosario Castellanos




Deixa-me falar, mordaça, uma palavra
para dizer adeus a quem amo.
A terra foge, voa como ave.
Sua fuga desenha no ar estelas redondas,
marcas frescas de aromas e sinais de trinos.

Tudo vai com o vento, arrebatado.

Ai, quem fora um lenço,
um simples lenço branco.


(Trad. A.M.)

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10.5.14

Cassiano Ricardo (Testamento)





TESTAMENTO



Deixo os meus olhos ao cego
que mora nesta rua.
Deixo a minha esperança
ao primeiro suicida.
Deixo à polícia o meu rasto,
a Deus o meu último eco.
Deixo o meu fogo-fátuo
ao mais triste viandante
que se perder sem lanterna
numa noite de chuva.
Deixo o meu suor ao fisco
que me cobriu de impostos;
e a tíbia da perna esquerda
a um tocador de flauta
para, com o seu chilreio,
encantar a mulher e a cobra.
Às coisas belas do mundo
deixo o olhar cerúleo e brando
com que, nas fotografias,
as estarei, sempre, olhando...
Aos noturnos assistentes
de última hora – aos que ficam,
o sorriso interior e sábio
que nunca me veio ao lábio.


Cassiano Ricardo


[O melhor amigo]

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9.5.14

Roger Wolfe (A realidade e o desejo)





LA REALIDAD Y EL DESEO



"Miras la luna nueva
- me solía decir mi madre -
y cierras después los ojos.
Y luego formulas un deseo".
Lo estuve haciendo durante años.
Era mágico.
O eso me parecía.
Pero hoy miro la luna
con los ojos bien abiertos.
He aprendido.
Quizá por suerte los deseos
nunca se materializan.


Roger Wolfe



“Olhas para a lua nova
– dizia-me a minha mãe –
e depois fechas os olhos.
E a seguir pedes um desejo”.
Fi-lo anos a fio,
era magia,
ou assim me parecia.
Mas hoje olho para a lua
de olhos bem abertos.
Aprendi.
Talvez por sorte os desejos
nunca se realizam.

(Trad. A.M.)

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8.5.14

José Bento (Novembro apagou)





Novembro apagou nas buganvílias
seus nomes brancos, roxos, escarlates.

É mais difícil regressar a casa:
o caminho disfarçou, emudeceu
seu rosto nos muros e nas grades.

- Por onde seguiremos
sem que o outono espesso nos trespasse?


José Bento


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7.5.14

Roberto Juarroz (O ponto é o resumo)





O ponto é o resumo.
É necessário vigiar o ponto.
Sobretudo este ponto final.
Ou talvez o que segue.



ROBERTO JUARROZ
Poesia Vertical (Antologia)
Trad. Arnaldo Saraiva
Campo das Letras (1998)

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6.5.14

João Guimarães Rosa (Saudade)





SAUDADE



Saudade de tudo!…
Saudade, essencial e orgânica,
de horas passadas,
que eu podia viver e não vivi!…
Saudade de gente que não conheço,
de amigos nascidos noutras terras,
de almas órfãs e irmãs,
de minha gente dispersa,
que talvez até hoje ainda espere por mim…
Saudade triste do passado,
saudade gloriosa do futuro,
saudade de todos os presentes
vividos fora de mim!…
Pressa!…
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo,
sede da volta final
da grande experiência:
uma só alma em um só corpo,
uma só alma-corpo,
um só,
um!…
como quem fecha numa gota
o Oceano,
afogado no fundo de si mesmo…


João Guimarães Rosa


[Sopoesia]

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5.5.14

Raúl Sánchez (Do charco baptismal)




DEL CHARCO BAUTISMAL


Yo andaba tan tranquilo y tú llegaste
igual que un conductor que saca el coche
en plena tempestad y va acercándose
a un charco que parece una piscina

y no sólo lo ve sino que pisa
el acelerador a fondo y ríe
tras escuchar los gritos e improperios
que le dedica -yo- la pobre víctima

desde el retrovisor -vergüenza y rabia-
como un David, de forma previsible,
finalmente humillado por Goliat.

Así pasaste, rauda, y desde entonces
maldigo al puto sol que al poco tiempo
salió y secó -me alegra cada ocaso-

los rastros del amor con que me ungiste.

Raúl Sánchez

[Arrestos del naufragio]



Estava eu tão tranquilo, vieste tu
como um condutor que pega no carro
em plena tempestade e se aproxima
de um charco que até parece uma piscina

e não só o vê como carrega
no acelerador a fundo e ri-se
ao escutar os gritos e impropérios
da pobre vítima – euzinho –

no retrovisor – vergonha e raiva –
como um David, previsível,
finalmente humilhado por Golias.

Assim passaste, veloz, e desde então
maldigo o filho da puta do sol
que a seguir apareceu e secou

os traços do amor com que me ungiste.

(Trad. A.M.)

.

4.5.14

João de Deus (Vocação)





VOCAÇÃO



― Ah, vizinho boticário,
pois ordenou-se também?
«Apeguei-me ao Breviário.
Pois se eu não tinha vintém!»

(A vocação de ordinário
depende do numerário)


João de Deus


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3.5.14

Raúl Gustavo Aguirre (E a gente implora às palavras)





Y uno les ruega a las palabras
que no se porten mal, que no levanten
su reja ante nosotros. Uno les ruega
que nada digan si no pueden
más que decir, decir, ruido y miseria
queriendo hablar lo que no importa,
lo que ya se torció, lo que está frío,
y roto, y negramente terminado
tan sólo porque un día Adán habló.
¿Se puede? Uno quisiera entrar, quedarse
en el silencio de antes, para siempre.
Y sangrar sin adornos.

Raul Gustavo Aguirre



E a gente implora às palavras
que não se portem mal, que não ergam
a grade à nossa frente. A gente implora
que não digam nada, não podendo
mais que dizer, dizer, ruído e miséria
a querer falar de qualquer coisa,
o já torcido, o que está frio,
e partido, e negramente terminado
só porque Adão um dia falou.
Pode-se? A gente queria entrar,
permanecer no silêncio de antes,
para sempre.
E sangrar sem mais aquelas.

(Trad. A.M.)

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2.5.14

Fernando Assis Pacheco (O dia em que nasci)





O dia em que nasci meu pai cantava
versos que inventam os pastores do monte
com palavras de lã fiada fina
cordeiro lírio neve tojo fonte

esta é uma velha história de família
para dizer como ele e eu chegámos
à raiz mais profunda do afecto
da qual nunca jamais nos separámos

nem Deus feito menino teve um pai
que o abraçasse e lhe cantasse assim
desde a primeira hora até ao fim

fui vê-lo ao hospital quando morria
olhos parados num sorriso leve
tojo cordeiro lírio fonte neve


Fernando Assis Pacheco


[Assirio & Alvim]


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1.5.14

Raúl Gómez Jattín (Esconjuro)





CONJURO



Los habitantes de mi aldea
dicen que soy un hombre
despreciable y peligroso
Y no andan muy equivocados
Despreciable y Peligroso
Eso ha hecho de mí la poesía y el amor
Señores habitantes
Tranquilos
que sólo a mi
suelo hacer daño

Raúl Gómez Jattín



A gente da minha terra
diz que eu sou um homem
desprezível e perigoso
E não se engana muito
Desprezível e Perigoso
Foi no que deu a poesia e o amor
Senhores conterrâneos
Calma
que eu só faço mal
a mim mesmo.


(Trad. A.M.)

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