23.10.14

Raul Brandão (Sagres)





O promontório é um punho nodoso, com dois dedos estendidos para o mar – a ponta de S. Vicente e a ponta de Sagres.

Nos dias sem sol, como o de hoje, os dedos parecem de ferro: apontam e subjugam-no.

Em frente o mar ilimitado; em baixo o abismo, a cem metros de altura.

Ventanias ásperas descarnam o morro cortado a pique, e no Inverno as vagas varrem-no de lado a lado.

Sagres é o cabo do mundo.

Levo os pés magoados de caminhar sobre pedregulhos azulados, num carreirinho, por entre lava atormentada.

Do passado restam cacos, o pre- sente é uma coisa fora da realidade, grande extensão deserta, pardacenta e encapelada, com pedraria a aflorar entre tufos lutuosos; vasto ossário abandonado onde as pedras são caveiras, as ervas cardos negros e os tojos só espinhos e algumas folhas de zinco.

O mar – é verdade, esquecia-o – mas o mar como imensidade e tragédia, e ao lado a gigantesca ponta de S. Vicente, só negrume e sombra.

Mar e céu, céu e mar, terra reduzida a torresmos, e o sentimento do ilimitado.


- RAUL BRANDÃO, Os Pescadores.

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