31.7.13

Antonio Orihuela (No fim de jantar)





Al final de la comida
le he enseñado a mi madre
el libro de poemas
que acaban de publicarme.

La artritis de sus manos
apenas le deja mantenerlo abierto
y sus escasos años de escuela
recorren las palabras
como un niño que gatea
hasta hacer incomprensibles mis versos.

Loca de contento,
orgullosa de su hijo,
le lee un poema a mi padre
que la mira desde el sofá.

Cuando termina,
levanta la cabeza
y ve a mi padre dormido.

Lo despierta
y vuelve a comenzar
hasta tres veces
la lectura...

Yo no digo palabra,
pienso en los amos de la fuerza de los humildes,
en el tiempo delicioso que les robaron,
en la lengua que apenas les dejaron para comer
y reproducirse

en los profesionales del estilo,
en los críticos de las letras,

y en lo lejos que estará siempre
el pueblo sencillo y trabajador
de eso que llaman literatura.


Antonio Orihuela


[Apologiade la luz]





No fim de jantar
mostrei a minha mãe
o livro de poemas
que acabam de publicar-me.

A artrite de suas mãos
quase não lhe deixa mantê-lo aberto
e seus poucos anos de escola
percorrem as palavras
como uma criança a gatinhar
até tornar meus versos
incompreensíveis.

Louca de alegria,
orgulhosa do filho,
lê um poema a meu pai
que a olha no sofá.

Quando acaba
levanta a cabeça
e vê o meu pai a dormir.

Acorda-o
e volta a começar
por três vezes
a leitura...

Eu não digo palavra, penso nos amos da força dos humildes,
no tempo delicioso que lhes roubaram,
na língua que mal lhes deixaram para comer
e reproduzir-se

nos profissionais do estilo,
nos críticos das letras

e no longe que estará sempre
o povo simples e trabalhador
disso a que chamam literatura.


(Trad. A.M.)

.

30.7.13

Um verso (121)





Um verso de Eugénio
(sem mais aquelas):



Cada sonho morre às mãos de outro sonho



Eugénio de Andrade

.

Antonio Machado (À noite sonhei que ouvia)





Anoche soné que oía
a Dios, gritándome: ¡Alerta!
Luego era Dios quien dormía,
y yo gritaba: ¡Despierta!


Antonio Machado




À noite sonhei que ouvia
Deus a gritar-me: Alerta!
Depois era Deus que dormia
e eu gritava: Desperta!


(Trad. A.M.)

.

29.7.13

Manuel António Pina (A ferida)





A FERIDA



Real, real, porque me abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem preciso
de entregar nas tuas mãos o meu espírito
e que, por um momento, baste

que seja feita a tua vontade
para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade.

Oh, juntar os pedaços de todos os livros
e desimaginar o mundo, descriá-lo,
amarrado ao mastro mais altivo
do passado. Mas onde encontrar um passado?


Manuel António Pina


[As folhas ardem]


.

28.7.13

Ángel Guinda (Morrer)





MORIR



Morir es no volver a estar
a la misma hora,
en los mismos lugares,
con las mismas personas.
No aparecer, cada mañana,
como esa gran luz nueva
disuelta entre las cosas;
dejar interrumpidos los trabajos,
los viajes en punto muerto.
Ajenos a los mares y a los astros.
Morir es estar quietos, sordos,
ciegos, mudos, desaparecidos,
desconectados de todos y de todo,
de nosotros también;
no regresar a casa nunca más.
No emitir ya señales, recibirlas tampoco.
Morir es no volver.

Ángel Guinda




Morrer é não voltar a estar
à mesma hora,
nos mesmos lugares,
com as mesmas pessoas.
Não aparecer, cada manhã,
como essa luz primitiva
dissolvida nas coisas;
deixar em suspenso os trabalhos,
as viagens em ponto morto.
Alheios aos mares e aos astros.
Morrer é estar quedo, surdo,
cego, mudo, desaparecido,
desligado de todos e de tudo,
mesmo de nós mesmos;
não regressar a casa nunca mais.
Não emitir sinais já, recebê-los tão pouco.
Morrer é não voltar.

(Trad. A.M.)

.

27.7.13

Camilo Castelo Branco (O Veríssimo)





O Veríssimo saiu de Alvações, onde não possuía palmo de terra; e, como tinha boa forma de letra, ofereceu-se para amanuense a um tabelião de Alijó.

Ganhava três tostões por dia e jantar.

Como era boa figura, a mulher do tabelião, uma trigueira de má casta, entrou a compará-lo com o marido, que tinha os dentes muito lurados e os olhos tortos.

Mas o tabelião viu as coisas pelo direito, e pôs o amanuense na rua, e a mulher em lençóis de vinho, dizia-se.


- CAMILO CASTELO BRANCO, A Brasileira de Prazins, X.


.

Aníbal Núñez (Sintomas de velhice)





SÍNTOMAS DE VEJEZ



Ya el poeta no hace como antes
boceto de sus lágrimas
ni refunde su canto hasta el poema.

Ahora directamente como el liquen
sobre la piedra inerme
dispone las palabras a sabiendas
de que el tiempo ha dispuesto el cañamazo
de lo que va a escribir para el olvido.

Aníbal Núñez



Já o poeta não faz como antes
esboço de suas lágrimas
nem refunde seu canto até ao poema.

Agora directamente como o líquen
na pedra inerme
dispõe as palavras, ciente
de que o tempo preparou o rascunho
daquilo que escreve para o esquecimento.

(Trad. A.M.)

.

26.7.13

Casimiro de Brito (Arte poética)





ARTE POÉTICA


DA PALAVRA

Silêncio: a palavra
respira. Corpo deitado
no mar. Silêncio de fogo
e música.

Silêncio: a palavra sangra
seu cântico de pó. Peixe
de sombra
mordendo as estrelas.

A palavra só. A palavra
refresca. Osso abandonado
na praia deserta.

A palavra de água
onde nego a morte. Pausa
do sol.


Casimiro de Brito


[Luz & sombra]

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25.7.13

Jaime Sabines (Quero-te)





TE QUIERO



Te quiero a las diez de la mañana, y a las once, y a las doce del día. Te quiero con toda mi alma y con todo mi cuerpo, a veces, en las tardes de lluvia. Pero a las dos de la tarde, o a las tres, cuando me pongo a pensar en nosotros dos, y tú piensas en la comida o en el trabajo diario, o en las diversiones que no tienes, me pongo a odiarte sordamente, con la mitad del odio que guardo para mí.

Luego vuelvo a quererte, cuando nos acostamos y siento que estás hecha para mí, que de algún modo me lo dicen tu rodilla y tu vientre, que mis manos me convencen de ello, y que no hay otro lugar en donde yo me venga, a donde yo vaya, mejor que tu cuerpo. Tú vienes toda entera a mi encuentro, y los dos desaparecemos un instante, nos metemos en la boca de Dios, hasta que yo te digo que tengo hambre o sueño.

Todos los días te quiero y te odio irremediablemente. Y hay días también, hay horas, en que no te conozco, en que me eres ajena como la mujer de otro. Me preocupan los hombres, me preocupo yo, me distraen mis penas. Es probable que no piense en ti durante mucho tiempo.

Ya ves. ¿Quién podría quererte menos que yo, amor mío?


JAIME SABINES
Diario semanario y poemas en prosa
( 1961)



Quero-te às dez da manhã, e às onze, e às doze do dia que seja. Quero-te com toda a minh’alma e todo o meu corpo, às vezes, em tardes de chuva. Mas às duas da tarde, ou às três, quando me ponho a pensar em nós dois, e tu pensas na comida ou no trabalho quotidiano, ou nas diversões que te faltam, então ponho-me a odiar-te em surdina, com a metade do ódio que guardo para mim.

Depois volto a querer-te, quando nos deitamos e eu sinto que tu foste feita para mim, que mo dizem de algum modo teu joelho e teu ventre, que de tal minhas mãos me convencem, e outro lugar não há melhor que teu corpo para eu ir ou vir. Inteira, tu vens ao meu encontro e por um instante desaparecemos os dois, metemo-nos na boca de Deus, até eu dizer que tenho sono ou fome.

Todos os dias te quero e te odeio sem remédio. E há dias também, há horas, em que nem te conheço, em que me és tão estranha como a mulher alheia. Preocupam-me os homens, preocupo-me eu mesmo, minhas penas me distraem. É provável que não pense em ti por muito tempo.

Estás a ver, quem é que poderia querer-te menos do que eu, amor meu?


(Trad. A.M.)

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24.7.13

Rui Zink (Aleluia)





Ironicamente, havia males que vinham por bem, o acidente dera-lhe um pretexto óptimo para chegar tarde a casa.
 
Ema bem podia retorcer-se, esganar-se de ciúmes, guinchar a honra ofendida.

Quando ele lhe falasse do acidente, e contasse as horas que tinha perdido na esquadra, a agressividade dela cairia por terra.

Mimos e abraços.

Era limpinho.

O que iria agora ter, se - conforme esperava - Milão estivesse em casa, era o merecido depois de um tão desastroso dia de trabalho.

Mimos e abraços.

E (no mínimo) uma ejaculação.

Aleluia.


-RUI ZINK, O suplente (2000), II,4.

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Ángel González (Leio poemas)




LEO POEMAS


Leo poemas al azar,
leo casi sin pensar en lo que leo.
Cuando me encuentro un verso triste,
siento en el alma como una caricia.
No es que me alivie la tristeza ajena;
es que me siento menos solo.

Ángel González



Leio poemas ao acaso
e quase sem pensar no que leio.
Quando topo com um verso triste,
sinto na alma assim uma carícia.
Não é que me  alivie a tristeza alheia,
mas sinto-me menos sozinho.

(Trad. A.M.)

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23.7.13

Manoel de Barros (Palavras)





PALAVRAS




Veio-me dizer que eu desestruturo a linguagem.
Eu desestruturo a linguagem?
Vejamos: eu estou bem sentado num lugar.
Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim.
Tira o lugar em que eu estava sentado.
Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele lugar.
E eu nem atrapalhava a passagem de ninguém.
Ao retirar de debaixo de mim o lugar, eu desaprumei.
Ali só havia um grilo com a sua flauta de couro.
O grilo feridava o silêncio.
Os moradores do lugar se queixavam do grilo.
Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta.
Agora eu pergunto: quem desestruturou a linguagem?
Fui eu ou foram as palavras?
E o lugar que retiraram de debaixo de mim?
Não era para terem retirado a mim do lugar?
Foram as palavras pois que desestruraram a linguagem.
E não eu.



MANOEL DE BARROS
Compêndio para uso dos pássaros
(Poesia reunida 1937-2004)
Quasi Edições, 2007

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22.7.13

Ana Pérez Cañamares (O caminho do erro)





EL CAMINO DEL ERROR




El camino del error es pedregoso.
Sólo cabe tropezar, caer, volver a levantarse.
Un segundo de humildad
cuando estás postrado de rodillas.
Otro segundo de orgullo
mientras te incorporas.
Y luego veinte, cincuenta, cien pasos
antes de encontrar entre las piedras
una moneda, un hueso, un corazón seco
que te recuerde que todo error
se cobra un precio.


ANA PÉREZ CAÑAMARES
Alfabeto de cicatrices
Tenerife, Baile del sol
(2010)


[Malicia 64]




O caminho do erro é cheio de pedras,
é só tropeçar, cair, tornar a levantar.
Um instante de humildade
quando estás prostrado de joelhos,
outro instante de orgulho
enquanto te endireitas.
E depois vinte, cinquenta, cem passos
até topar entre as pedras
uma moeda, um osso, um coração seco
a lembrar-te que todo o erro
tem seu preço.


(Trad. A.M.)

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21.7.13

Camilo Castelo Branco (O morgado de Barrimau)





O Zeferino era afilhado do morgado de Barrimau, um major de cavalaria, convencionado em Évora Monte, miguelista intransigente, mas cordato.

Vivia no seu escalavrado solar com um irmão egresso beneditino, Frei Gervásio, muito cevado e inerte, que continuava em casa a sua missão monástica.

Era um contemplativo.

Não lia senão no livro da Natureza.

Se não dormia, estrumava o seu vegetalismo com muitos adubos crassos de toucinho e capoeira, com um grande farfalhar de mastigação, porque dispunha de dentadura insuficiente.

Tinha outro sinal ruidoso de vida – era um pigarro de catarral crónica, arrancado dos gorgomilos com tamanho estrupido que parecia ao longe o grito rouco de um estrangulado, no 5.º acto de um drama de costumes.

A velha criada da cozinha, muito flatulenta, nunca pudera afazer-se às explosões daquela garganta escabrosa de mucos empedrados.

Quando o grasnido aspérrimo de pavão lhe feria os ouvidos, reboando nos côncavos tectos dos salões, a mulher estremecia e raras vezes deixava de resmungar:

– Que medo! credo! diabos leve a esgana do home. Deus me perdoe!



- CAMILO CASTELO BRANCO, A Brasileira de Prazins, III.

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Francisca Aguirre (Ítaca)





ÍTACA



¿Y quién alguna vez no estuvo en Ítaca?
¿Quién no conoce su áspero panorama,
el anillo de mar que la comprime,
la austera intimidad que nos impone,
el silencio de suma que nos traza?
Ítaca nos resume como un libro,
nos acompaña hacia nosotros mismos,
nos descubre el sonido de la espera.
Porque la espera suena:
mantiene el eco de voces que se han ido.
Ítaca nos denuncia el latido de la vida,
nos hace cómplices de la distancia,
ciegos vigías de una senda
que se va haciendo sin nosotros,
que no podremos olvidar porque
no existe olvido para la ignorancia.
Es doloroso despertar un día
y contemplar el mar que nos abraza,
que nos unge de sal y nos bautiza como nuevos hijos.
Recordamos los días del vino compartido,
las palabras, no el eco;
las manos, no el diluido gesto.
Veo el mar que me cerca,
el vago azul por el que te has perdido,
compruebo el horizonte con avidez extenuada,
dejo a los ojos un momento
cumplir su hermoso oficio;
luego, vuelvo la espalda
y encamino mis pasos hacia Ítaca.

Francisca Aguirre



E quem é que nunca foi a Ítaca?
Quem é que não conhece seu panorama severo,
o anel do mar que a envolve,
a intimidade austera que nos impõe,
o silêncio em suma que nos abraça?
Ítaca resume-nos como um livro,
empurra-nos para nós mesmos,
revela-nos o som da espera.
Porque a espera ressoa,
guarda o eco das vozes que se foram.
Ítaca desvela-nos a vida a latejar,
faz-nos cúmplices da distância,
sentinelas cegas de uma senda
que se vai fazendo sem nós,
que olvidar não podemos por
não haver olvido na ignorância.
Doloroso é acordar um dia
e olhar o mar que nos abraça
que nos unge de sal e como
novos filhos nos baptiza.
Recordamos os dias do vinho partilhado,
as palavras, não o eco,
as mãos, não o gesto diluído.
Vejo o mar que me cerca,
o vago azul em que te perdi,
verifico o horizonte com avidez,
deixo os olhos fazer o que lhes cabe,
depois, viro as costas
e encaminho meus passos para Ítaca.

(Trad. A.M.)



>>  Atlas  depoesia (4p) / Wikipedia


.

20.7.13

Luís Filipe Parrado (Tudo o que o meu pai me disse)





TUDO O QUE O MEU PAI ME DISSE QUANDO, AOS 15 ANOS,
DECLAREI EM FAMÍLIA QUE IRIA COMEÇAR A ESCREVER POESIA




"Antes
de te sentares
à mesa
lava bem
essas mãos."


Luís Filipe Parrado

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19.7.13

Hugo Gutiérrez Vega (Confusões)





(IX)
                     Confusiones sobre una discutible
                     "ars poetica" trasnochada romántica.


Me exijo claridad.
Nada me dice
el turbio soliloquio.
En esta obligación
finca la pluma
sus razones de ser.
¿En dónde está el poema?
¿en las palabras
o en lo que hay más allá?
¿La palabra es un medio
o es un fin?
Una palabra sola
es una sombra
perdida en el desierto.
El poema, conjunto de palabras,
no se cumple
hasta que algo lo alienta.
¿Y qué es ese algo?
¿de qué fuente secreta
brota el agua
que va a fertilizarlo?
Todas estas preguntas palidecen
cuando tomo el papel.
El poema solo
se juega su aventura.
Es o no es,
crece o se desploma,
y cuando cae
es un árbol abatido
por el furioso viento.
Las ramas en el suelo,
a pesar del fracaso,
siguen verdes
y tal vez algún pájaro
venga a posarse en ellas
pensando que están vivas.


Hugo Gutiérrez Vega


[Hasta los gatos acaban por suicidarse]



Exijo-me clareza,
nada me diz
o turvo solilóquio.
Nesta obrigação
assenta a pluma
sua razão de ser.
Onde é que está o poema?
nas palavras
ou no que está mais além?
É um meio a palavra
ou é um fim?
Uma só palavra
é uma sombra
perdida no deserto.
O poema, soma de palavras,
não se cumpre até
que algo o anima.
E esse algo o que é?
de que fonte secreta
brota a água
que vai alimentá-lo?
Estas perguntas empalidecem
quando tomo o papel.
O poema ele só
joga a sua aventura.
É ou não é,
cresce ou despenha-se
e quando cai
é uma árvore abatida
pelo vento furioso.
Os ramos no chão,
apesar do fracasso,
continuam verdes
e um pássaro pode vir
a pousar sobre eles,
pensando que estão vivos.

(Trad. A.M.)

.

18.7.13

Ver (142)






[Francis Giacobetti]


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Horacio Castillo (Arte poética)





ARTE POÉTICA



Soltar la lengua, de manera que no trabe el producto
que viene desde adentro, impulsado
por una fuerza superior
y el hábil juego de riñón y diafragma;
insistir presionando los músculos
como para expulsar
un caballo o un cíclope;
repetir el procedimiento
provocándolo inclusive con los dedos
o una materia acre,
hasta quedar vacío, sólo reseca piel,
odre para colgar del primer árbol,
extenuada matriz de lo volátil, acaso de la luz.

Horacio Castillo



Soltar a língua, de modo que não trave
o produto que vem lá de dentro, empurrado
por uma força superior
e pelo jogo hábil de rim e diafragma;
insistir pressionando os músculos
como que para expulsar
um cavalo ou um ciclope;
repetir o procedimento,
usando mesmo os dedos
ou uma matéria acre,
até ficar vazio, só resseca pele,
odre para pendurar na primeira árvore,
extenuada matriz do volátil, acaso da luz.

(Trad. A.M.)

.

17.7.13

David Mourão-Ferreira (Baptismo)





BAPTISMO



Para atrasar a morte vamos abrir a noite
com música de jazz Percorrê-la depois

num barco de borracha Celebrar o segredo
Enforcar a memória Descobrir de repente

uma ilha que nasce dentro do teu vestido

Chamar-lhe Madrugada Adormecer contigo


David Mourão-Ferreira

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16.7.13

Hugo Mujica (Humano)





LO HUMANO



Un viento límpido
recorre la noche.

En las calles,
un hombre
apura sus pasos, cumple su rito:
inclina su nada;

deja el temblor que a veces queda
donde hubo vida y ahora hay olvido.

Hugo Mujica



Um vento límpido
percorre a noite.

Pela rua,
um homem
apura seus passos, cumpre seu rito,
inclina seu nada;

deixa o tremor que fica ás vezes
onde houve vida e agora só esquecimento.

(Trad. A.M.)



>>  Hugo Mujica (sítio/tudo+40p) / A media voz (20p) / Círculo de poesia (12p) / Wikipedia


.

15.7.13

Rui Zink (O dilema pós-moderno)





Paulo Gomes saiu na mesma à rua porque tinha dito que o ia fazer e não queria que Ema ficasse com ideias.

Como se ela precisasse, depois desta notícia, de se pôr com ideias.

Então e o aparelho intra-uterino que ela usava, mesmo quando quase nunca faziam amor?

Provavelmente tinha-o tirado sem lhe dizer nada, a cabra.

E agora o que ia fazer?

O que ia dizer a Mila?

Sem o saber, Paulo Gomes tinha nas mãos o supremo dilema pós-moderno.

Antigamente, um homem não sabia como confessar à mulher que engravidara a amante.

Hoje, o difícil era dizer à amante que a mulher ficara grávida.


- RUI ZINK, O suplente (2000), V,4.

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Gonzalo Rojas (As belas)





LAS HERMOSAS



Eléctricas, desnudas en el mármol ardiente que pasa de la piel a los vestidos,
turgentes, desafiantes, rápida la marea,
pisan el mundo, pisan la estrella de la suerte con su finos tacones
y germinan, germinan como plantas silvestres en la calle,
y echan su aroma duro verdemente.

Cálidas impalpables del verano que zumba carnicero. Ni rosas
ni arcángeles: muchachas del país, adivinas
del hombre, y algo más que el calor centelleante,
algo más, algo más que estas ramas flexibles
que saben lo que saben como sabe la tierra.

Tan livianas, tan hondas, tan certeras las suaves. Cacería
de ojos azules y otras llamaradas urgentes en el baile
de las calles veloces. Hembras, hembras
en el oleaje ronco donde echamos las redes de los cinco sentidos
para sacar apenas el beso de la espuma.


Gonzalo Rojas



Eléctricas, desnudas no mármore ardente que vai da pele aos vestidos,
sinuosas, desafiantes, rápida a maré,
pisam o mundo, a estrela da sorte com seus saltos finos
e germinam, como plantas silvestres na rua,
deitando seu aroma forte verdemente.

Cálidas impalpáveis do verão que zomba feroz. Nem rosas
nem arcanjos, raparigas da terra, adivinhas
do homem e algo mais que o calor cintilante,
algo mais, algo mais que estes ramos flexíveis
que sabem o que sabem como sabe a terra.

Tão ligeiras, tão fundas, tão certeiras as suaves. Batida
de olhos azuis e outras labaredas urgentes no baile
das ruas velozes. Fêmeas, fêmeas
das ondas roucas onde lançamos as redes dos cinco sentidos
para tirar por pouco o beijo da espuma.


(Trad. A.M.)

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14.7.13

Luís de Camões (Mudam-se os tempos)





Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.



Luís de Camões

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13.7.13

Jacob Iglesias (Temos de nos afazer aos defuntos)





Hay que acostumbrarse a los difuntos,
a su presente ausencia
que tanto nos alivia y decepciona;
a la sombra difusa del instante
que disfrutamos juntos alejándose
definitivamente; a la idea
de una osamenta bajo tierra,
que no es nada, pero fue un hombre
(con sueños, y fracasos, y alegrías),
y por este motivo nos espanta.
Hay que acostumbrarse a los difuntos,
en lugar de ahogarles con el llanto
o cubrirles de olvido ignominioso.
No les sepultes por segunda vez,
es labor exclusiva de los años.

Jacob Iglesias

[Escrito en el viento]



Temos de nos afazer aos defuntos,
à sua presente ausência
que tanto nos alivia e decepciona;
à sombra difusa do instante
que vivemos juntos
a afastar-se para sempre; à ideia
de uma ossada por baixo da terra,
que nada é, mas foi um homem
(com sonhos, alegrias, fracassos)
e por isso mesmo nos espanta.
Temos de nos afazer aos defuntos,
em vez de afogá-los com pranto
ou cobri-los com o esquecimento.
Não os sepultemos segunda vez,
que isso é labor exclusivo dos anos.

(Trad. A.M.)

.

12.7.13

Ver (141)






[Francis Giacobetti]

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Jonio González (Cão negro)





PERRO NEGRO



el hacha de los actos
semeja el pensamiento
una palabra es una palabra
yo disipaba tu realidad
te esperaba cada tarde
eufórica
doméstica
una palabra es una palabra
y la cuerda que te até al cuello
fue la cuerda que me até al cuello
un señuelo
una palabra es una palabra
no deja deuda sin cobrar


Jonio González



o machado dos actos
semelha ao pensamento
uma palavra é uma palavra
eu dissipava tua realidade
esperava-te em cada tarde
eufórica
doméstica
uma palavra é uma palavra
e a corda que te atei ao pescoço
foi a mesma que atei ao meu
uma cilada
uma palavra é uma palavra
não deixa dívida por cobrar

(Trad. A.M.)




>>  Poetas sig.XXI (22p) / Barcelona Rev. (nota+13p) / Idem (6p)

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11.7.13

José Miguel Silva (Too big to fail)





TOO BIG TO FAIL



Como pode um investimento tão fiável
garantir este rendimento crescente, numa
diária distribuição de beijos e outras mais-
valias, ainda por cima livres de impostos?

Embora confiasse na tua competência
para criar valor, confesso que não esperava
tanto quando decidi aplicar nos teus títulos
sensíveis os meus parcos activos emocionais.

O mais estranho no mundo actual, é ser este
um negócio sem perdedores, aparentemente
imune ao nervosismo das tuas acções
ou às flutuações do meu comércio libidinal.

O meu único receio é que despertemos
a inveja dos deuses, no Olimpo de Bruxelas,
e que Mercado, o monstruoso titã, decida
baixar para lixo o "rating" da nossa relação,

deixando-nos sem crédito na praça romanesca
e em "default" o coração. Mas não sejamos
pessimistas. Aliás, ambos sabemos que Cupido
nos ampara com sua mão invisível. E mesmo

que entrássemos ambos em depressão, tenho
a certeza de que o Estado português nos daria
todo o apoio, concordando que um amor como
este é simplesmente demasiado grande para falir.


José Miguel Silva


[Luz & sombra]


.


10.7.13

Juan Bonilla (Isto pretendia ser um poema de amor)





ESTO QUERÍA SER UN POEMA DE AMOR



Tiras de las dos asas amarillas
y la bolsa se cierra.
Luego haces dos nudos
sobre las mondas de naranja y las cáscaras de plátano,
las sobras de la cena,
unas cuantas docenas de colillas
y una planta que ha muerto.
Son doce pisos luego y unos cuarenta pasos
hasta el contenedor –en el que apenas cabe ya ninguna bolsa.
En el momento de depositarla allí
se ha iluminado un número en tu mente:
setenta y seis. Son pocas todavía
las bolsas de basura que habéis llenado juntos
si las comparas con las más de mil
que Laura y tú llenasteis;
Son muchas, desde luego, un escorial, si las comparas
con las apenas diez
que de aquel sótano de Londres donde Marge,
sacabas rumbo a un minúsculo depósito en el patio.
En La Habana Amarilis
cada noche colgaba la basura de las ramas de los árboles
–para evitar la proliferación de ratas;
llenasteis juntos veintitantas bolsas.
Es fea, bien lo sabes, tu costumbre
de computar amores en bolsas de basura.
Tal vez un día de estos se te olvide.
Doce pisos arriba hay una luz: es tu cocina.
En el cubo hay una nueva bolsa que mañana llenaremos.


Juan Bonilla


[Otra iglesia]



Puxas-lhe as asas
e o saco fecha-se.
Depois dás-lhe dois nós
em cima das cascas de laranja e restos de banana,
das sobras do jantar,
umas dúzias de piriscas,
mais uma planta já morta.
A seguir são doze andares e alguns quarenta passos
até ao contentor – onde já mal cabe um saco.
Ao deixá-lo ali acende-se-te um número na mente,
setenta e seis. São poucos ainda
os sacos que enchestes juntos,
comparados com os mais de mil
que encheste com Laura;
São muitos, um montão, comparando
com os dez apenas
que levavas daquela cave londrina de Marge
para um minúsculo depósito no pátio.
Em La Habana todas as noites
Amarilis pendurava o lixo nos ramos das árvores
- para evitar a rataria;
enchestes os dois vinte e tal sacos.
É feio, bem sabes, esse teu costume
de computar amores em sacos de lixo,
pode ser que te passe um dia destes.
Doze andares lá em cima há uma luz, na tua cozinha.
E no cesto um novo saco para enchermos amanhã.


(Trad. A.M.)

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9.7.13

Camilo Castelo Branco (O cérebro do Simeão)





O cérebro do Simeão, se era refractário aos golpes da dignidade, não era mais sensível às comoções das pauladas.

Duas vezes feliz quanto à cabeça: nem honra nem predisposições inflamatórias.

Cicatrizou a ferida; começou a comer galinhas com a fome de um canibal e com o prazer carnívoro de uma raposa.


- CAMILO CASTELO BRANCO, A Brasileira de Prazins, XVI.

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Gioconda Belli (Sabor da vindima)





SABOR DE VENDIMIA



Recuerdo el terror de las primeras arrugas.

Pensar: Ahora sí. Ya me llegó la hora.
Las líneas de la risa marcadas sobre mi cara
aun en medio de la más absoluta seriedad.

Yo, frente al espejo,
intentando disolverlas con mis manos,
alisándome las mejillas, una y otra vez,
sin resultado.

Luego fue la mirada furtiva de mi reflejo
en los escaparates
preguntarme si la luz del día las haría más evidentes,
si el que me observaba desde la otra acera
estaría censurando mi incapacidad de mantenerme joven,
incólume ante el paso del tiempo.

Viví esas primeras marcas de la edad
con la vergüenza de quien ha fallado.
Como una estudiante que reprueba el examen
y debe caminar por la calle
con las malas notas expuestas ante todos.

–Las mujeres nos sentimos culpables
por envejecer,
como si pasada la juventud de la belleza,
apenas nos quedara que ofrecer,
y debiéramos hacer mutis;

salir y dejar espacio a las jóvenes,
a los rostros y cuerpos inocentes
que aún no han cometido el pecado
de vivir más allá de los treinta o los cuarenta–

No sé cuándo dispuse rebelarme.
No aceptar que sólo se me concedieran como válidos
los diez o veinte años con piel de manzana;
sentirme orgullosa de las señales
de mi madurez.

Ahora,
gracias a estos razonamientos
cada vez me detengo menos
frente al espejo.
Paso por alto
la aparición de
inevitables líneas
en el mapa de vida del rostro.

Después de todo,
el alma,
afortunadamente,
es como el vino.
Que me beba quien me ame,
que me saboree.


Gioconda Belli


[Emma Gunst]




Recordo o terror das primeiras rugas.

Pensar, é agora, chegou a minha hora.
As linhas do riso vincadas na minha cara
mesmo com a expressão mais séria do mundo.

Eu, frente ao espelho,
tentando apagá-las com as mãos,
alisando as faces, uma e outra vez,
sem resultado.

Depois, o olhar furtivo do meu reflexo
nas montras,
perguntando-me se a luz do dia as faria mais evidentes,
se aquele que me observava do passeio defronte
estaria a censurar-me a incapacidade de manter-me jovem,
incólume à passagem do tempo.

Vivi essas primeiras marcas da idade
com a vergonha de quem fracassou.
Como uma aluna que reprova no exame
e depois tem de caminhar pela rua
com as más notas à vista de toda a gente.

- Nós mulheres sentimo-nos culpadas
de envelhecer,
como se passada a beleza da juventude
nada nos restasse já para oferecer
e tivéssemos que sair de cena;

desaparecer e dar espaço às jovens,
aos inocentes rostos e corpos
que não caíram ainda no pecado
de viver para lá dos trinta ou dos quarenta –

Não sei já quando decidi revoltar-me,
recusar que me dessem só como válidos
os dez ou vinte anos de pele de maçã,
sentir orgulho dos sinais da minha maturidade.

Agora, vistas estas razões,
paro cada vez menos
diante do espelho.
Passo por alto
a aparição de
inevitáveis linhas
no mapa de vida do rosto.

No fim de contas,
a alma,
felizmente,
é como o vinho.
Que me beba quem me amar,
que me saboreie.


(Trad. A.M.)

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8.7.13

José Luís Peixoto (Os instantes)





OS INSTANTES



devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.

José Luís Peixoto


[Abro páginas]

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7.7.13

Manuel Moya (Não os homens)





NO LOS HOMBRES 

                       (A mi padre, a quien tanto esperaba cada tarde de mi infancia)


No los hombres
que vuelven de Hispania o de Cartago
cegados por el mirto o por el oro,
no aquéllos, cuyos torsos
perturban los jardines,
no los estrelleros, los escribas
ni el vencedor de Farsalia;
desde luego no los príncipes
ni el gladiador
que volvíó a eludir la muerte,
no el impúdico tribuno, ni el hebreo
tonante, inexpresivo,
al que temí menos por su sangre
que por su misterio,
no ninguno de los dioses
que dicen verdaderos
a quienes en su temor y en su codicia
tantos se encomiendan,
sino ver a mi padre
entrando solo en la ciudad
herido y sin escudo,
deslumbrante.


MANUEL MOYA
Taller de máscaras
(2001)



Não os homens
que voltam de Hispania ou Cartago
cegos do mirto ou do ouro,
não esses, cujos torsos
perturbam os jardins,
não os astrólogos, os escribas,
nem o vencedor de Farsalia;
não os príncipes desde logo,
nem o gladiador
que voltou a iludir a morte,
não o tribuno impúdico, nem o hebreu
trovejante, salamurdo,
que menos por seu sangue temi que pelo mistério,
não, nenhum desses deuses
que dizem verdadeiros
e a quem tantos se encomendam
em seu temor e cobiça,
apenas ver meu pai
entrar sozinho na cidade
ferido e sem escudo,
deslumbrante.

(Trad. A.M.)

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6.7.13

Ver (140)



 

 
 
Bela Vista>Barqueiros>Mesão Frio


Maravilhas de Portugal
Roteiro do Douro
Descobrir Portugal
Regressar às origens

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Gabriel Celaya (O que mora em mim)





QUIEN ME HABITA


                              Car je ‘est’ un autre
                                   (Rimbaud)



¡Qué extraño es verme aquí sentado,
y cerrar los ojos, y abrirlos, y mirar,
y oír como una lejana catarata que la vida se derrumba,
y cerrar los ojos, y abrirlos, y mirar!  

¡Qué extraño es verme aquí sentado!
¡Qué extraño verme como una planta que respira,
y sentir en el pecho un pájaro encerrado,
y un denso empuje que se abre paso difícilmente por mis venas!  

¡Qué extraño verme aquí sentado,
y agarrarme una mano con la otra,
y tocarme, y sonreír, y decir en voz alta
mi propio nombre tan falto de sentido!  

¡Oh, qué extraño, qué horriblemente extraño!
La sorpresa hace mudo mi espanto.
Hay un desconocido que me habita
y habla como si no fuera yo mismo.


Gabriel Celaya




Que estranho ver-me aqui sentado,
e fechar os olhos, e abri-los, e olhar,
e ouvir a vida a ruir qual distante catarata,
e fechar os olhos, e abri-los, e olhar!

Que estranho ver-me aqui sentado,
estranho ver-me qual planta que respira,
e sentir no peito um pássaro cativo, uma garra
a abrir caminho, a custo, nas minhas veias.

Que estranho ver-me aqui sentado,
e agarrar uma mão com a outra,
e tocar-me, e sorrir, e dizer em voz alta
meu nome próprio tão falho de sentido!

Oh que estranho, que horrivelmente estranho!
A surpresa emudece meu espanto,
haver um desconhecido que me habita
e falar como se não fosse eu mesmo.


(Trad. A.M.)

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5.7.13

Jorge de Sena (Como queiras, Amor)





Como queiras, Amor, como tu queiras,
Entregue a ti, a tudo me abandono,
seguro e certo, num terror tranquilo,
A tudo quanto espero e quanto temo,
entregue a ti, Amor, eu me dedico.

Nada há que eu não conheça, que eu não saiba,
e nada, não, ainda há por que eu não espere
como de quem ser vida é ter destino.

As pequeninas coisas da maldade, a fria
tão tenebrosa divisão do medo
em que os homens se mordem com rosnidos
de mal contente crueldade imunda,
eu sei quanto me aguarda, me deseja,
e sei até quanto ela a mim me atrai.

Como queiras, Amor, como tu queiras.
de frágil que és não poderás salvar-me,
Tua nobreza, essa ternura tépida
quais olhos marejados, carne entreaberta,
será só escárnio, ou, pior, um vão sorriso
em lábios que se fecham como olhares de raiva.
Não poderás salvar-me, nem salvar-te.
Apenas como queiras ficaremos vivos.

Será mais duro que morrer, talvez
Entregue a ti, porém, eu me dedico
àquele amor por qual fui homem, posse
e uma tão extrema sujeição de tudo.

Como queiras, Amor, como tu queiras.


Jorge de Sena

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4.7.13

Felipe Benítez Reyes (Arte menor)





ARTE MENOR




1
Su boca es como un verso.
Es de música y viene
desde el recuerdo.

2
Es falso que el recuerdo
sea la vida.
La vida es otra cosa
más retorcida.

3
En la calle del Olvido
me prometía
una noche a su vera.
Aún espero ese día.

4
La niña del joyero
no se desnuda
si a traducir a César
no se le ayuda.
La tarde aquella
La guerra de las Galias
libré con ella.

5
Se quitaba las medias
mientras decía
que su novio era alférez
de Infantería.

6
Olvera de atardecida.
Por sus calles vagan galgos
como fantasmas. Y la vida
tiene un algo de galgo
fantasmal, crepuscular,
en la Olvera atardecida.

7
En el amor vale menos
el presente que el pasado,
y el mismo amor pesa menos
que los celos.

8
Pero valen
más que el pasado y los celos,
pesan más que el mismo amor,
las noches en el recuerdo.

9
Calle del Conde Negro,
fui sin navaja.
Me asaltaron los otros.
Perdí la plata.

10
La miraba en el bar
y me miraba
con ojos que decían
«No me haces falta»

Porque es artista
y además tiene un novio
surrealista.



FELIPE BENITEZ REYES
Vidas improbables
("Miguel Fonseca, poeta tradicional")




1
Sua boca é como um verso.
É de música e vem
lá do fundo da lembrança.

2
É falso que recordar seja viver.
Viver é outra coisa, mais a doer.

3
Na rua do Esquecimento prometia
uma noite a seu lado.
Ainda espero esse dia.

4
A filha do joalheiro não se despe
se a não ajudam a traduzir César.
Nessa tarde, entrei com ela na guerra das Gálias.

5
Tirava as meias enquanto dizia
que o noivo era alferes de Infantaria.

6
Olvera entardecida,
por suas ruas vagam galgos
como fantasmas. E algo
a vida tem de galgo
fantasmal, crepuscular,
na Olvera entardecida.

7
No amor vale menos
o presente que o passado,
e o mesmo amor pesa menos
do que o ciúme.

8
Mas mais que ciúme e passado
e mais do que o próprio amor
valem as noites na lembrança.

9
Na rua do Conde Negro
apanhei-me sem navalha.
Assaltaram-me os ladrões,
perdi o dinheiro todo.

9
Olhei para ela no bar
e ela olhou para mim
com uns olhos que diziam
‘Não sinto falta de ti’

Porque é artista
e além disso tem noivo,
um surrealista.


(Trad. A.M.)

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3.7.13

Rui Zink (Violência psicológica)





Para usar de violência psicológica era preciso prática.

Oriundo do futebol, a única coisa que Paulo Gomes conhecia que tivesse como adjectivo o 'psicológica' era a 'chicotada psicológica', uma corruptela do termo, porque consistia simplesmente no despedimento de um treinador e contratação de outro, gerando assim matéria-prima para alguns dias de jornalismo desportivo...


- RUI ZINK, O suplente (2000), V,4.

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Federico García Lorca (Pronuncio teu nome)





Yo pronuncio tu nombre
en las noches oscuras,
cuando vienen los astros
a beber en la luna
y duermen los ramajes
de las frondas ocultas.
Y yo me siento hueco
de pasión y de música.
Loco reloj que canta
muertas horas antiguas.


Yo pronuncio tu nombre,
en esta noche oscura,
y tu nombre me suena
más lejano que nunca.
Más lejano que todas las estrellas
y más doliente que la mansa lluvia.


¿Te querré como entonces
alguna vez? ¿Qué culpa
tiene mi corazón?
Si la niebla se esfuma,
¿qué otra pasión me espera?
¿Será tranquila y pura?
¡¡Si mis dedos pudieran
deshojar a la luna!!


Federico García Lorca


[Na rua de cima]





Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando chegam os astros
para beber na lua
e adormecem os ramos
das frondes ocultas.
E eu sinto-me vazio
de paixão e de música.
Louco relógio cantando
mortas horas antigas.


Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que as estrelas,
mais dolente que a mansa chuva.


Querer-te-ei como então
algum dia? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura?
Pudessem meus dedos
desfolhar a lua!



(Trad. A.M.)

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2.7.13

António Barahona (Auto-retrato)





AUTO-RETRATO



Apenas um homem
com febre de versos:
minha sã imagem
nua até aos ossos.


António Barahona



[Hospedaria Camões]


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1.7.13

Federico Díaz-Granados (Inutilidade do ofício)





INUTILIDAD DEL OFICIO



Cuánto se ha sacrificado para escribir estas líneas
cuántos pesares y melancolías
para asumir con dignidad la ruina y el abandono
y sobrevivir a la tragedia.

Y siempre habrá poesía
pero volveremos a las mismas y repetidas palabras
todos los temas están dichos
y habrá que repetir en cada verso
ritmos ya entonados, amores y muertes ya cantados.

Cuánto sacrificio para escribir algunas palabras de basura
cuántos sismos interiores.
Para que no las lean, se burlen o no aplaudan en un recinto.


Federico Díaz-Granados


[Punto de partida]




Quanto foi sacrificado para escrever estas linhas
quantos pesares e melancolias
para assumir com dignidade a ruína e o abandono
e sobreviver à tragédia.

E poesia sempre haverá
mas voltaremos às mesmas palavras repetidas
todos os temas estão gastos
e há que repetir em cada verso
ritmos já entoados, mortes e amores já cantados.

Quanto sacrifício para escrever algumas palavras de lixo
quantos sismos interiores.
Para ninguém as ler ou ser seduzido, nem aplaudir.


(Trad. A.M.)

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