31.3.13

Ver (128)







[BRETONS SANS FRONTIERES]


.

Carlos Marzal (Cautela)





CAUTELA



Tu infierno aún tiene un escalón no descendido.
Hay muertes que no has muerto todavía.
Por poco que imagines, si imaginas,
sabes que no has llegado tarde al infortunio.
Las fuentes del dolor no se han secado.
En el ojo del miedo aún hay más miedo.
Ni los tuyos ni tú estáis a salvo ahora
de todo lo que fuera está aguardando.
Aún puede hacer más frío. Aún hay más noche
dentro de la noche, y el desierto
se renueva detrás de aquel desierto.

Carlos Marzal



O teu inferno tem ainda um degrau que não desceste.
Há mortes que não morreste ainda.
Por pouco que imagines, se imaginares,
sabes que não chegaste tarde ao infortúnio.
As fontes da dor não secaram.
No olho do medo há ainda mais medo.
Nem tu nem os teus estais a salvo agora
de tudo o que está aguardando lá fora.
Ainda pode vir mais frio. Ainda há mais noite
por dentro da noite e o deserto
renova-se aí por trás desse deserto.

(Trad. A.M.)

.

30.3.13

Vitorino Nemésio (Arte poética)





ARTE POÉTICA



A poesia do abstracto...
Talvez.
Mas um pouco de calor,
a exaltação de cada momento
é melhor.
Quando sopra o vento
há um corpo na lufada;
Quando o fogo alteou
a primeira fogueira,
apagando-se fica alguma coisa queimada.
É melhor...
Uma ideia
só como sangue de problemas;
No mais, não,
não me interessa.
Uma ideia
vale como promessa
e prometer é arquear
a grande flecha.
O flanco das coisas só sangrando me comove,
e uma pergunta é dolorida
quando abre brecha.
Abstracto!
O abstracto é sempre redução,
secura;
Perde -
e diante de mim o mar que se levanta é verde:
Molha e amplia...
Por isso, não:
nem o abstracto nem o concreto
são propriamente poesia.
A poesia é outra coisa.
Poesia e abstracto, não.


Vitorino Nemésio

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29.3.13

Carlos Edmundo de Ory (Num café)





EN UN CAFÉ



He vuelto ahora sin saber por qué
a estar triste más triste que un tintero
Triste no soy o si lo soy no sé
la maldita razón porque no quiero

He vuelto ahora sin saber por qué
a estar triste en las calles de mi raza
He vuelto a estar más triste que un quinqué
más triste que una taza

Estoy sentado ahora en un café
y mi alma late late
de sed de no sé qué
tal vez de chocolate

No quiero esta tristeza medular
que nos da un golpe traidor en una tarde
Pide cerveza y basta de pensar
El cerebro está oscuro cuando arde


Carlos Edmundo de Ory



Voltei agora sem saber por quê
a estar triste mais triste que um tinteiro
Triste não sou ou se sou não sei
a maldita razão porque não quero

Voltei agora sem saber por quê
a estar triste nas ruas da minha raça
Mais triste que um lampião
mais triste até que uma taça

Sento-me agora no café
e o coração bate bate
de sede de não sei quê
porventura de chocolate

Não quero esta tristeza medular
que traiçoeira nos agride uma tarde
Pede uma cerveja e basta de pensar
O cérebro fica escuro quando arde


(Trad. A.M.)

.

28.3.13

João Araújo Correia (Contos Bárbaros - Vocabulário - G-Z)





guicho (espetado, teso, levantado)
heradeira (hera)
horsa (égua)
impontar (despedir, mandar embora / impontar o hóspede, à força de o envergonhar)
jogas (pedras roladas / como jogas de brincar)
justar (contratar, apreçar)
lampa (levar vantagem, vencer / que lhe há-de levar as lampas em obra de cantaria)
larada (o que está no lar, cinza ou borralho/ agenciar o preciso para criar a larada)
lençol de cima (pai, varão do casal)
lençol de baixo (mãe, mulher do casal / uns saem ao lençol de cima, outros ao lençol de baixo)
linde (limite / aquela excedia os lindes naturais)
lora (lura, cova, gruta)
lumieira (archote, luz, clarão)
macróbio (que ou quem vive muito, velho / os macróbios... benziam-se com mão convulsa)
malhoada (tramóia, combinação, conluio / fizera isto de... com a governanta)
meanho (meão, médio, remediado / a cara dos lavradores...)
minga (falta / não faz minga ser agora)
moirão (cada um dos esteios a sustentar a verga da chaminé / v. pilheira)
moroiço (monte de pedras)
ougado (augado, aguado)
pacta (pacto, contrato, acordo / o velho tinha... com o demo)
panasco (planta de pasto / obteve trigo em sítios que nunca tinham dado mais do que...)
pilheira (sítio da cinza, atrás da lareira / na..., por detrás do moirão)
pós-catrapós (onomatopeia: roldão)
prear (caçar, fazer presa)´
quando (vai senão... lhe acudiu a ideia)
quindim (graça, requebro, enfeite / nestes quindins, passava a moça o tempo)
rebotalho (refugo)
redrar (segunda cava, superficial, da vinha / afeitos a cavar, a...)
relouquice (loucura, maluqueira)
rentar (...às moças / namorar, assediar)
ressa (calor do sol, golpe de...)
roço (uma cabana de... e giestas / acto ou efeito de roçar, mato, tojo)
segada (ceifa, acto de segar)
seirão (chamou-lhe... saco mal atado / seira, saco, cesta, alcofa)
soalheiro (lugar de exposição ao sol, para trabalho ou convívio)
sôbelo (sobre o / já viria... mar?)
sueto (hoje tenho... preciso de gozar /feriado, folga, descanso)
talaveira (trazia a cabeça uma desgraça de papos e talaveiras)
tanchão (estaca, suporte/ à luz de tanchões espetados na parede)
tendeiro (negociante, com tenda, loja ou afim)
terreano*
testeira (chinelões de coiro, reforçados de testeiras / reforço na biqueira)
tirante (excepto)
toar (falar, constar / até citaram nomes, casos toados como o do lavrador)
tonilho (contava tonilhos à lareira / modinha, toadilha)
tredo (traidor, traiçoeiro, intrépido / cortando pescoços tredos)
tremenho (não houve tremenhos de... ela emendar a língua / meio, modo, maneira)
tressorinha* (tressora?) (esta moça, a tressorinha)
trochada (em estando com a... não atende ninguém / tronchada, pancada)
ujo (pacatez de um... decrépito / ave de rapina)
vassoirano* (intimo o vassoirano a ler)
vincilho (=vencilho, atilho, de palha, giesta, etc.)


(*) N/ encontrado nos dicionários
.

Blas de Otero (Tempo de poemas)





TIEMPO DE POEMAS



Se me ha acercado una niña, y me ha preguntado:
¿Qué es la poesía?
Y yo le he contestado: La poesía eres tú cuando tengas once años más.
Pero, además de esto, la poesía son las nubes, los árboles, el río,
una metralleta que tabletea
y un obrero parado ante la fábrica.
La poesía es también estar tranquilo
a pesar de todo.
Dejar que el tiempo pase.
Escribir una carta con el tintero
del corazón.
Cerrar la llave del grifo.
Y, sobre todo, la poesía son los poemas
y los poemas, como ya he dicho en alguna ocasión,
es una de tantas cosas
que hace el hombre sobre la tierra.


Blas de Otero



Uma menina chegou-se a mim e perguntou-me:
O que é a poesia?
E eu disse: A poesia és tu com mais onze anos.
Mas, além disso, a poesia são as nuvens, as árvores,
o rio, uma metralhadora a cantar
e um operário desempregado em frente da fábrica.
A poesia é também estar sereno
apesar de tudo.
Deixar passar o tempo.
Escrever uma carta com o tinteiro
do coração.
Fechar a chave do grifo.
E, acima de tudo, a poesia são os poemas
e os poemas, como já disse em tempos,
são uma de tantas coisas
que o homem faz sobre a terra.


(Trad. A.M.)

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27.3.13

Murilo Mendes (Por causa de Jandira)





POR CAUSA DE JANDIRA



O mundo começava nos seios de Jandira.

Depois surgiram outras peças da criação:
Surgiram os cabelos para cobrir o corpo,
(Às vezes o braço esquerdo desaparecia no caos.)
E surgiram os olhos para vigiar o resto do corpo.
E surgiram sereias da garganta de Jandira:
O ar inteirinho ficou rodeado de sons
Mais palpáveis do que pássaros.
E as antenas das mãos de Jandira
Captavam objetos animados, inanimados.
Dominavam a rosa, o peixe, a máquina.
E os mortos acordavam nos caminhos visíveis do ar
Quando Jandira penteava a cabeleira...

Depois o mundo desvendou-se completamente,
Foi-se levantando, armado de anúncios luminosos.
E Jandira apareceu inteiriça,
Da cabeça aos pés,
Todas as partes do mecanismo tinham importância.
E a moça apareceu com o cortejo do seu pai,
De sua mãe, de seus irmãos.
Eles é que obedeciam aos sinais de Jandira
Crescendo na vida em graça, beleza, violência.
Os namorados passavam, cheiravam os seios de Jandira
E eram precipitados nas delícias do inferno.
Eles jogavam por causa de Jandira,
Deixavam noivas, esposas, mães, irmãs
Por causa de Jandira.
E Jandira não tinha pedido coisa alguma.
E vieram retratos no jornal
E apareceram cadáveres boiando por causa de Jandira.
Certos namorados viviam e morriam
Por causa de um detalhe de Jandira.
Um deles suicidou-se por causa da boca de Jandira
Outro, por causa de uma pinta na face esquerda de Jandira.

E seus cabelos cresciam furiosamente com a força das máquinas;
Não caía nem um fio,
Nem ela os aparava.
E sua boca era um disco vermelho
Tal qual um sol mirim.
Em roda do cheiro de Jandira
A família andava tonta.
As visitas tropeçavam nas conversações
Por causa de Jandira.
E um padre na missa
Esqueceu de fazer o sinal-da-cruz por causa de Jandira.

E Jandira se casou
E seu corpo inaugurou uma vida nova.
Apareceram ritmos que estavam de reserva.
Combinações de movimento entre as ancas e os seios.
À sombra do seu corpo nasceram quatro meninas que repetem
As formas e os sestros de Jandira desde o princípio do tempo.

E o marido de Jandira
Morreu na epidemia de gripe espanhola.
E Jandira cobriu a sepultura com os cabelos dela.
Desde o terceiro dia o marido
Fez um grande esforço para ressuscitar:
Não se conforma, no quarto escuro onde está,
Que Jandira viva sozinha,
Que os seios, a cabeleira dela transtornem a cidade
E que ele fique ali à toa.

E as filhas de Jandira
Inda parecem mais velhas do que ela.
E Jandira não morre,
Espera que os clarins do juízo final
Venham chamar seu corpo,
Mas eles não vêm.
E mesmo que venham, o corpo de Jandira
Ressuscitará inda mais belo, mais ágil e transparente.


Murilo Mendes


[Poesia cronica]

.

26.3.13

Berna Wang (Anoitece)





Anochece
y el cielo, con todos sus colores,
se va haciendo cada vez más grande,
hasta devorar el sol,
todas las nubes,
el horizonte,
la carretera,
el coche;
hasta devorarme a mí.

Berna Wang


[Cómo la luna en el água]



Anoitece
e o céu, de todas as cores,
vai-se fazendo cada vez maior,
até devorar o sol,
as nuvens todas,
o horizonte,
o caminho,
o carro;
até devorar-me a mim mesma.

(Trad. A.M.)

.

25.3.13

Um verso (118)





Um verso de Al Berto
(sem mais nada entre parênteses):





Onde me abrigo do mortal brilho do meio-dia



Al Berto

.

Antonio Orihuela (Way out)





WAY OUT



La poesía dejará de ser una cosa triste
cuando empiece a tener que ver con la vida de la gente,
cuando la gente vuelva a ser la que decida qué hacer
con sus vidas y con las palabras,
mientras tanto
todo esto que hacemos seguirá siendo
literatura.

Antonio Orihuela


[Entre nómadas]



A poesia deixará de ser uma coisa triste
quando passar a ter que ver com a vida das pessoas,
quando as pessoas voltarem a ser quem decide o que fazer
com as suas vidas e com as palavras,
entretanto
tudo isto que fazemos continuará a ser
literatura.

(Trad. A.M.)

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24.3.13

Miguel Martins (Na noite clara da tua morte)





Na noite clara da tua morte Pai
parto de vez para a margem da brandura
Levo nos olhos esta luz de dor
feixes opacos medas de cansaço
(como as que carregavas)
seara que nasce no sonho condenada
quando na alma a chama esmoreceu
Chegou-me a mim: já nada perdura
Querias saber o que era aquele nada
contra o qual lutava – sou eu
vazio de ti. Poupámos o Futuro.


Miguel Martins

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23.3.13

Antonio Machado (O olho que vês)





O olho que vês não é
olho porque o vejas;
é olho porque te vê.



Antonio Machado

.

22.3.13

João Araújo Correia (Contos Bárbaros - Vocabulário - A-F)





a contar de (... Maio =a partir de)
acadimar (habituar, afazer / foi-se acadimando à condição de devedor)
afeito (habituado)
agranhado* (estamos mal, o pão é mal...)
alambarar* (e uns ganchinhos na ponta alambarados)
alfenim (massa para doce, pessoa delicada, muito sensível)
algar (caverna / barranco, ribanceira / meteu a charrua aos rudes algares da propriedade)
ambas de (dormiam ambas de duas na loja)
aparautar (=aperaltar / aparautado, entrou ao adro)
apoleado (o marido apoleado abriu um livro / aperreado, apertado, maltratado, de polé)
argalha(o) (argueiro, aresta de cereal)
arnaz (estômago / comilão, de boa boca / arnazes de puro aço)
auge (em semelhantes auges / marés, circunstâncias, ocasiões)
avaloar (=avaliar/ ...os estragos do temporal)
avantesma (fantasma, assombração, espectro)
aziumada (ela porém, um pouco... / azeda, com aziume)
azougue (mercúrio / fino como o azougue)
barbacã (muro, fresta, seteira)
belfa (bochecha / enchia as belfas de cavacas)
bondar (bastar, chegar)
boqueira (boca, entrada)
cantés (quanto a / cantés aguardente, quanta mais melhor)
cardenha(o) (barraco, edifício agrícola)
carpela (pálpebra / olhos sumidos nas... encorrilhadas)
carrego (carga)
carreja (o)( acto de carrejar, carreto / fez-se uma... de livros)
castinceiro(a) (castanheiro silvestre / o busto erecto como um...)
cavelhariço* (as larachas do... um bruto, que fora soldado)
centeia (palha...>de centeio)
cetrás (ao..., ao para trás)
chaço (homem de chaço / rico, importante)
chegante (próximo, pegado / o filho chegante ao falecido)
chiadoiro (capacidade de chiar =vida / deram-lhe cabo do... ao nascer)
choupa (ferrão da aguilhada / ferro do talho / bois no açougue, com a... espetada)
chus (nem... nem bus / nada, palavra nenhuma)
cispado (fechado)
codo (gelo)
coito (lugar de abrigo)
cômoro (socalco, arreto / pequena elevação, outeiro)
cordovão (coiro de cabra, grande)
error (de errar, passar / errores da lua sobre os montes)
esbangar (espalhar / deixava criar bolor aos doces... as uvas)
esbeiçar (as estradas ficaram esbeiçadas)
escadeado (como escada, com saliências / despejou-lhe no peito... um frasco de tintura)
escaleira (escada)
escaninho ( gaveta pequena em armário ou caixa / vai-me ao... e tira de lá a faca)
esgoleirar (parecia mal apresentar-se à mesa esgoleirado / sem gravata)
espotricar (saltar, pular, montar/ espotricava um burro em pelo)
fé / à falsa fé (à traição)
feirão (o que vai à feira)
felícia (felicidade, ventura)
figos (lampos>de pau>vindimos)
fim / a fim do mundo
fintar-se (quotizar-se / foi preciso os lavradores fintarem-se)
forro (livre, poupado, ganho, posto de lado / um dinheirito forro de algumas novidades)
fraca-chicha(s) (fraco, débil)
freima (mania, impaciência, teimosia)
frondejar (criar fronde, folhas, copa – árvore)


(*) N/ encontrado nos dicionários

.


Antonio Gamoneda (Envelheceu dentro dos teus olhos)





Envelheceu dentro de teus olhos: eras a doçura
e o extermínio e amei teu corpo
em seus frutos nocturnos.


Tua inocência é como uma faca diante de meu rosto,


mas pesas no meu coração e, como um mel escuro,
sinto-te em meus lábios ao encaminhar-me
para a morte.



ANTONIO GAMONEDA
Livro do Frio
Assírio & Alvim

(Trad. José Bento)

.

21.3.13

César Simón (Uma tarde por outra)





DE TARDE EN TARDE



A veces, de tarde en tarde,
paso por aquella playa.
Y nada pediría, si se me ofreciese;
que todo regresara, por ejemplo.
Disimulo quién soy, si me siento a una mesa
y acude el camarero
que nos atendía.
Es como si dijera: yo no he sido
nadie,
yo no he tenido
nada.
Y sin rencor lo digo,
con impreciso gesto, con oscuro
semblante.
Pues esta sensación es verdadera:
no hay que sacar de nada conclusiones.
Y menos que de nada de aquellos días muertos
que no deben, por respeto, ni mencionarse.


César Simón




Às vezes, uma tarde por outra,
passo por essa praia.
E nada pediria, se mo dessem,
que tudo voltasse, por exemplo.
Disfarço quem sou, se me sento a uma mesa
e acorre o empregado
que nos atendia.
Como se dissesse: eu não fui
ninguém,
eu não tive nada.
E sem rancor o digo,
com impreciso gesto, de cara fechada.
Pois esta sensação é autêntica,
não podemos tirar conclusões de nada.
E menos ainda daqueles dias finados,
que não devem, por respeito, sequer mencionar-se.


(Trad. A.M.)



>>  A media voz (18p) / Wikipedia

.

20.3.13

Blanca Varela (A rose is a rose)





A ROSE IS A ROSE



inmóvil devora luz
se abre obscenamente roja
es la detestable perfección
de lo efímero
infesta la poesía
con su arcaico perfume

Blanca Varela



imóvel devora luz
abre-se
escandalosamente vermelha
é a detestável perfeição
do efémero
infesta a poesia
com seu arcaico perfume

(Trad. A.M.)

.

19.3.13

Um verso (117)





Um verso de Herberto
( que corta o fogo):



o fósforo e a lixa do teu nome riscam
e calcinam
a língua portuguesa



Herberto Helder

.

Aníbal Núñez (Rima)





RIMA



La vida es la ruleta
en que apostamos todos el amor es algo
maravilloso el tiempo
es oro nuestras vidas son los ríos
que van a dar a la mar
que es el morir España
es una grande y libre
el trabajo es salud los sueños
sueños son obras son amores
y -aparte de poesía- qué eres tú?

Aníbal Nuñez



A vida é a roleta
em que apostamos todos o amor é algo
maravilhoso o tempo
é ouro nossas vidas são rios
que vão dar ao mar
que é morrer Espanha
é una grande e livre
o trabalho é saúde os sonhos
sonhos são obras são amores
e – poesia à parte – tu que és?

(Trad. A.M.)

.

18.3.13

Rui Pires Cabral (A secção dos congelados)





A SECÇÃO DOS CONGELADOS



Truncadas, indefinidas, passam
na memória como filmes mudos
pequenas histórias de amor
carnal. Os grandes caudais da noite
sempre desaguam na tarde salobra
e rasa: Janeiro amolece a tinta
das paredes, levamos à rua uma cara
mais fechada, e depois, na secção
dos congelados, não sabemos distinguir
o que sentimos além do frio que represa
as coisas todas: caminhamos sós


num privado bosque, convocamos
sombras que foram perdendo o nome,
sinais que não transportam já
um sentido automático de desejo
ou sofrimento. E contudo, à revelia
das certezas que não quiséramos ter,
acabamos sempre por tornar
às mesmas ruas, à noite insone
e imensa, onde nos dói descobrir,
na companhia dos outros,
o quanto nos reclama a solidão.


Rui Pires Cabral


[Luz & sombra]

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17.3.13

Ángel Petisme (Poemail 303)




POEMAIL 303



Es una piedra interesante mi puto corazón.
Cuando la miras se ilumina,
cuando la tocas, apenas
diez segundos, se pone dura
como un caleidoscopio.

A veces se cree Dios,
el corazón negro del mundo,
con su sonrisa de Sidney Poitier
o Denzel Washington.
Otras un pobre diablo reflejado
en los escaparates de LSD,
quiere crucificarse a sí mismo.

Anda, no me lleves a Urgencias. Acaríciame.
Tápame con tu piel.
Enciende una vela, amor,
sobre el agua que flota en mis ojos.


Angel Petisme


[Apología de la luz]



É uma pedra curiosa este meu coração.
Quando a olhas ilumina-se,
quando lhe tocas, apenas
dez segundos, põe-se dura
como um caleidoscópio.

Às vezes julga-se Deus,
o coração negro do mundo,
com seu sorriso de Sidney Poitier
ou Denzel Washington.
Outras um pobre diabo espelhado
nas montras de LSD,
a querer crucificar-se a si mesmo.

Anda, não me leves à Urgência. Acofia-me.
Cobre-me com a tua pele.
Acende uma vela, amor,
sobre a água que me voga nos olhos.


(Trad. A.M.)

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16.3.13

João Araújo Correia (O Tio António Chapeleiro)





O Tio António Chapeleiro – assim chamado porque a sogra, falecida havia muitos anos, fabricava de sua mão chapéus de palha centeia e os vendia nas feiras – era um velhote rijo e conservado como trave de castanho cortada em boa lua.

Quando lha gabavam a fortaleza de espantar em idade tão provecta – ia nos oitenta – sorria-se e afirmava todo ancho, batendo no peito sonoro: isto é um pote de ferro!

Sempre muito lavado, contra o costume da terra, sempre muito alegre, não obstante o padecer das cruzes, com o asseio e o riso acicatava a língua trocista dos vizinhos imundos e sorumbáticos, pois diziam dele: Este diabo é uma rosa-de-jericó!

Não no amavam, porque era limpo, nunca deixou crescer as barbas além de uma semana e também porque vivia demais consigo, a ponto de nunca entrar numa taberna.

Defeitos graves...

Tirante a missa aos domingos, passava o tempo numa propriedade arredia do povo – um migalho, que conseguira comprar à custa de economias.



- JOÃO DE ARAÚJO CORREIA, Contos Bárbaros / Os figos de pau (1939).

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Ángel Guinda (Para uma poética)





HACIA UNA POÉTICA



No siempre la claridad viene del cielo.

Escucha sólo tu música cuando cantes,
por oscura que sea y espinosa.

Que la luz te ensordezca,
que no te ciegue el ruido.

Y tu obra
sea más que tu vida,
porque te contramuera.

Ángel Guinda



Nem sempre vem do céu a claridade.

Escuta só a tua música quando cantares,
mesmo que obscura e espinhosa.

Que a luz te ensurdeça
e não te cegue o ruído.

E tua obra seja mais que tua vida
a tua contra-morte.

(Trad. A.M.)



>>  Angel Guinda (sítio>tudo+algo) / Wikipedia

.

15.3.13

Mark Strand (Eu fui explorador polar)





I HAD BEEN A POLAR EXPLORER




I had been a polar explorer in my youth
and spent countless days and nights freezing
in one blank place and then another. Eventually,
I quit my travels and stayed at home,
and there grew within me a sudden excess of desire,
as if a brilliant stream of light of the sort one sees
within a diamond were passing through me.
I filled page after page with visions of what I had witnessed
- groaning seas of pack ice, giant glaciers, and the windswept white
of icebergs. Then, with nothing more to say, I stopped
and turned my sights on what was near. Almost at once,
a man wearing a dark coat and broad-brimmed hat
appeared under the trees in front of my house.
The way he stared straight ahead and stood,
not shifting his weight, letting his arms hang down
at his side, made me think that I knew him.
But when I raised my hand to say hello,
he took a step back, turned away, and started to fade
as longing fades until nothing is left of it.


Mark Strand



Na minha juventude fui um explorador polar
e passei noites e dias incontáveis gelando
de lugar vazio em lugar vazio. Por fim,
deixei de viajar e fiquei em casa,
aí cresceu em mim um repentino excesso de desejo,
como se me tivesse atravessado um resplandecente
feixe de luz daqueles que se vêem no interior de um diamante.
Enchi páginas e páginas com as visões que havia testemunhado -
os rugidos do gelo no mar, glaciares gigantes, o branco dos icebergues
chicoteado pelo vento. Então, sem nada mais para dizer, parei
e dirigi a minha atenção para o que me estava próximo.
Quase ao mesmo tempo,
um homem de casaco negro e chapéu de aba larga
apareceu entre as árvores em frente à minha casa.
A forma como olhou a direito e ficou quieto,
sem se mover minimamente, os braços estendidos
ao longo do corpo, fizeram-me pensar que o conhecia.
Mas quando levantei a mão para o cumprimentar,
ele deu um passo atrás, voltou-se, e começou a desaparecer
como uma ânsia desaparece até que nada sobre dela.


(Trad. L.P.)


[Do trapézio]

.

14.3.13

Ángel González (Poética que tento às vezes seguir)





POÉTICA A LA QUE INTENTO A VECES APLICARME



Escribir un poema: marcar la piel del agua.
Suavemente, los signos
se deforman, se agrandan,
expresan lo que quieren
la brisa, el sol, las nubes,
se distienden, se tensan, hasta
que el hombre que los mira
-adormecido el viento,
la luz alta-
o ve su propio rostro
o -transparencia pura, hondo
fracaso- no ve nada.

Ángel González


[Apología de la luz]



Escrever um poema, marcar a pele da água.
Suavemente, os signos
deformam-se, crescem,
expressam o que dizem
a brisa, o sol, as nuvens,
distendem-se, retesam-se,
até que o homem que os olha
– adormecido o vento, a luz alta –
ou vê o seu próprio rosto
ou – transparência pura, redondo
fracasso – não vê nada.

(Trad. A.M.)

.

13.3.13

Ver (127)







[Maravilhas de Portugal]


.

América Martínez Ferrer (Andar pelas margens)





(III)

Andar por los bordes de esta hoja
sin apuntar el paso hacia su centro
Desarmada
Planeo la estrategia para mi avance:

Sitiar la palabra
Replegarla y cercarla
en ese espacio,
ahora supeditado al silencio

Tomo el lápiz
pero, como una espada,
ahuyenta el verbo posible
Sus flancos se dispersan
y vuelvo a andar por los bordes
masticando esta nueva derrota


América Martínez Ferrer




Andar pelas margens desta folha
sem dirigir os passos para o meio
Desarmada
Traço a estratégia para avançar:

Sitiar a palavra
Vergá-la e cercá-la
nesse espaço
agora subjugado ao silêncio

Tomo o lápis
mas ele, como espada,
afugenta o verbo possível
Seus flancos dispersam
e eu volto a andar pelas margens
mastigando nova derrota

(Trad. A.M.)

.


12.3.13

Mario Quintana (Vida)




VIDA



Não sei
o que querem de mim essas árvores
essas velhas esquinas
para ficarem tão minhas só de as olhar um momento.

Ah! se exigirem documentos aí do Outro Lado,
extintas as outras memórias,
só poderei mostrar-lhes as folhas soltas de um álbum de imagens:
aqui uma pedra lisa, ali um cavalo parado
ou
uma
nuvem perdida,
perdida...

Meu Deus, que modo estranho de contar uma vida!


Mario Quintana

.

11.3.13

Ángel Crespo (O tédio)





El tedio a veces es como el amor;
mana de las cavernas
del pecho, se dilata,
atraviesa la estancia y los cristales
y se difunde hasta perderse
de vista.
Y, barnizado
con su color distinto,
es más íntimo el mundo.


Ángel Crespo



O tédio às vezes é como o amor,
mana das cavernas
do peito, dilata-se,
atravessa a casa e os vidros
e espalha-se até se perder
de vista.
E, lustrado
com sua distinta cor,
o mundo parece mais íntimo.


(Trad. A.M.)

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10.3.13

João Araújo Correia (Inverno pegado)





Nesse Inverno, de tanto chover, as estradas ficaram esbeiçadas.

O rio levou pelo pé as vinhas dos nateiros.

Das serras, tombaram sobre os vales enormes fragas, redondas como jogas de brincar do tempo dos gigantes.

Inverno pegado.

Pelo Abril dentro, já as árvores se desfaziam em pétalas brancas e em farrapos de cor, e as abelhas não saíam dos cortiços, nem uma borboleta preava nos cálices alagados.

Magoava a alma ver afogado em água sombria o sussurro claro do tempo das flores.

Tristeza igual só a da cara dos lavradores meanhos quando iam às courelas esburgadas avaloar os estragos do temporal desfeito.

Tragédia assim só se podia ler na máscara do cavador crucificado na ombreira dos cardenhos.


- JOÃO DE ARAÚJO CORREIA, Contos Bárbaros / Milagre (1939).

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Andrés Neuman (Claudia na biblioteca)






CLAUDIA EN LA BIBLIOTECA



Rebuscas en los libros
con un extraño afán de jardinera.
Delicada y ansiosa, de perfil me pareces
distinta cuando curvas las rodillas
y se tensan tus muslos
debajo del vaquero. Muerte lenta
contemplar, sin tocarlo,
el pequeño tatuaje en tu cintura.
Será mejor sufrir que describir los pechos:
¿quién se atreve a cruzar los toboganes
que unen la palabra con su tema?

Así que huyo
y finjo distracción.
Si volvieras la vista a quien te escribe
desaparecerías, y es demasiado pronto.
Sigue leyendo, Claudia.
Haces bien en amarte.

Andrés Neuman

[Marcelo Leites]



Remexes nos livros
com um estranho afã de jardineira.
Delicada e ansiosa, acho-te diferente
de perfil ao dobrares os joelhos,
contraindo os músculos
por dentro das calças. Morte lenta
contemplar, sem lhe tocar,
essa pequena tatuagem na cinta.
Os peitos será melhor sofrer do que descrevê-los:
quem se atreveria a pôr-se à frente dos tobogãs
que unem a palavra e a coisa?

Por isso fujo,
fingindo distracção.
Se volvesses o olhar para quem te escreve
desaparecias, e ainda é muito cedo.
Continua lendo, Cláudia,
Fazes bem em amar-te.


(Trad. A.M.)

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9.3.13

Raymond Carver (O meu corvo)




MY CROW



A crow flew into the tree outside my window.
It was not Ted Hughes’s crow, or Galway’s crow.
Or Frost’s, Pasternak’s, or Lorca’s crow.
Or one of Homer’s crows, stuffed with gore,
after the battle. This was just a crow.
That never fit in anywhere in its life,
or did anything worth mentioning.
It sat there on the branch for a few minutes.
Then picked up and flew beautifully
out of my life.

Raymond Carver



Um corvo voou da minha janela para a árvore.
Não era o corvo de Ted Hughes ou de Galway.
Ou de Frost, de Pasternak, ou de Lorca.
Ou um dos corvos de Homero, farto de sangue,
depois da batalha. Este era apenas um corvo,
que jamais encaixou em algum lado,
nem fez nada digno de menção.
Pousou no ramo por instantes,
depois ergueu-se e voou da minha vida.

(Trad. A.M.)


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8.3.13

Aldo Luis Novelli (A poesia)






La poesía es un oasis luminoso en el centro del desierto.
Ese inmenso desierto, es el territorio del poema.
El poema es la sed.

Aldo Luis Novelli




A poesia é um oásis luminoso no meio do deserto.
Esse imenso deserto é o território do poema.
O poema é a sede.

(Trad. A.M.)

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7.3.13

Ver (126)





Alentejo


[Maravilhas de Portugal]

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Ana Pérez Cañamares (Se um dia me ouvires)





SI UN DÍA ME OYES



Si un día me oyes
- después de una noche
en la que he resultado ser
encantadora:
de esas mujeres que beben
y se ponen graciosas
contando anécdotas
de bares y ácidos y viajes
y camas y cabrones
con el pelo despeinado
para mejor
y el carmín corrido
como si viniera
de morrearme en el baño
con el tío más guapo
del garito -
si un día
después de una de estas noches
en las que ejerzo
de encantadora de serpientes
al despedirme
me oyes decir
que sólo soy un fraude


compadéceme:
los adictos a los aplausos
también necesitamos testigos
cuando nos quitamos
el maquillaje.


Ana Pérez Cañamares


[Fontana blog]




Se um dia me ouvires
- depois de uma noite
em que calhei ser encantadora,
como essas mulheres que bebem
e se fazem graciosas
contando histórias
de bares e ácidos e viagens
e camas e cabrões
o cabelo despenteado
e a pintura esborratada
como se viesse
do banheiro de abraçar-me
ao tipo mais giro
da gafieira –
se um dia
após uma noite dessas
em que faço
de encantadora de serpentes
me ouvires dizer
que sou apenas uma fraude


tem pena de mim:
nós adictos dos aplausos
também precisamos de testemunhas
quando tiramos
a maquilhagem.


(Trad. A.M.)

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6.3.13

Mário Cesariny (Hoje, dia de todos os demónios)





hoje, dia de todos os demónios
irei ao cemitério onde repousa Sá-Carneiro
a gente às vezes esquece a dor dos outros
o trabalho dos outros o coval
dos outros


ora este foi dos tais a quem não deram passaporte
de forma que embarcou clandestino
não tinha política tinha física
mas nem assim o passaram
e quando a coisa estava a ir a mais
tzzt… uma poção de estricnina
deu-lhe a moleza foi dormir


preferiu umas dores no lado esquerdo da alma
uns disparates com as pernas na hora apaziguadora
herói à sua maneira recusou-se
a beber o pátrio mijo
deu a mão ao Antero, foi-se, e pronto,
desembarcou como tinha embarcado


Sem Jeito para o Negócio



Mário Cesariny

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5.3.13

Ana Montojo Micó (Caminha pelo parque)





Camina por el parque
un miércoles de otoño
sin ton ni son, sin perro,
sin silla que empujar
de anciano ni de niño.

No anda ni deprisa ni despacio
se deja acariciar
por el sol mentiroso de noviembre.

No corre tras un cuerpo inverosímil,
sólo fuma con música de pájaros.

Enfermo terminal de soledades,
parado, jubilata, delincuente
o al menos sospechoso de tristeza.


Ana Montojo Micó


[Poetas siglo XXI]




Caminha pelo parque
num dia de semana de Outono
sem tom nem som, sem cão,
sem cadeira de empurrar
de velho ou de menino.

Não anda depressa nem devagar
deixa-se afagar
pelo sol enganoso de Novembro.

Não corre atrás dum corpo inverosímil,
fuma apenas com música de pássaros.

Doente terminal de saudades,
desempregado, reformado, arguido
ou ao menos suspeito de tristeza.


(Trad. A.M.)

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4.3.13

Paulo Moreiras (O Ouro dos Corcundas - Vocabulário - G-Z)





gagosa (à)(v. tarrafa / sem custo, sem canseira, à socapa)
gamboinas (s.m. / pensava o gamboinas que eu vendia/ trapaceiro, de gamboína, trapaça)
gamenho (com donaire e.../ que ou quem se arranja muito, janota, vadio, malandro)
gandaiar (de gandaia, catar no lixo, borga, vadiagem)
garabulha (embrulhada, confusão, caligrafia má, garatuja)
garganeiro (bebeu de uma penada, muito.../ que fala muito e à toa)
garrochão (espeto, farpa)
gatázio (dedo / expeditos gatázios de um pequeno fedelho)
gomarreiro (aquela agremiação de azevieiros e.../ galinheiro, de gomarra, galinha)
gorgomileira (gorgomilo, garganta, pescoço)
gorra (de)(aliança, combinação / sempre metido de... com esse pegureiro)
gramalheira (estava aferrolhado às gramalheiras daquela desdita/ cadeia, cadeado)
grazinar (v. aganar/ resmungar, falar em excesso e em voz alta)
gualdripar (subtrair, surripiar)
gulheriteiro (ante o olhar... de Vicente/ lambareiro, amigo de gulherites, iguarias)
gulosina (está ‘glosina’ / doçura, guloseima / travessa de ovos de fio, como...)
jagodes (pessoa importuna ou apalermada)
ladravaz (ladrão, ratoneiro)
ladrisco (ladrão / presa perfeita para aquele bando de ladriscos)
lambisqueiro/a (lambareiro, guloso / outras mais lambisqueiras preferiram chocolate)
latíbulo (refúgio, esconderijo / Emílio acolheu Vicente no seu...)
leboreiro (por ‘lebreiro’? relativo a lebre/ qual... à espreita de dissimulada presa)
maltreito (combalido e... pelo ataque/ afectado, ferido, maltratado)
mandinga (qual ferra mandinga / feitiço)
maninho (terreno inculto, baldio / atirou para longe, para o meio dos maninhos)
maniverso (não nos podemos resignar ao destino, quando ele é.../ velhaco
maranha (mentira, patranha / não nos deixarmos cair em maranhas de arrependimentos)
matacão (patilha, suíça / matacões espessos... patilhas bufas)
matrafona (mulher desajeitada, matrona, marafona / outro que anda à cata do busilhão da...)
maturrangas (que o corregedor lhe topasse as apaixonadas maturrangas/ manhas, baldas)
matuto (rústico, envergonhado, manhoso / v. caterva)
melgueira (tesouro)
mequetrefe (sujeito sem importância)
merinaque ( saia-balão, de anquinhas / repuxava as barbas do espartilho e lhe compunha o...)
mocanqueiro (por baixo das barbas do.../ moquenco, mimalho, preguiçoso, sorna)
moliana (quem és tu para me vires cantar a... / censurar, reprovar)
mondongueira (magricela como vara das mondongueiras / mulher suja e desordenada)
moscar (sair velozmente, desaparecer, fugir / temos de nos... rapidamente)
muquirana (sovina, avarento)
parvajola (v. caterva/ parvo, idiota, tolo)
pataqueiro (v. bagalhudo / rico, que tem muitos patacos, ou sem valor, vale só um...)
pente (dos bichos=pente dos piolhos, com dentes mais cerrados)
peralta (janota, travesso)
perlenga (parlenda, conversa)
petimetre (v. bandurrilha/ peralvilho, senhorito)
pingarola (amigo da pinga=bebida / alguns... e peraltas ainda estavam na beberrónia)
pintamonos (pinta-monos, bonecos, sujeito sem valor / mais não era do que um...)
pitança (petisco, comida)
piteireiro (amante de petiscos, comilão / eram todos piteireiros da mesma estirpe)
postre (sobremesa / composta por postres doces e fruta variada
pulhastro (grunhiu o... / malandro, pulha)
quinchoso (quinteiro, quintal fechado

rabo (de cabo a... / de um extremo ao outro)
rabusco (=rebusco / vamos ver se o... ainda nos rende algum alqueire)
raposia (ruminando manhas e raposias/ raposice, astúcia de raposa, malícia)
rascoeiro (que come/prova de tudo, sem critério)
redenho (como se o seu coração, feito crespina ou.../ redanho, gordura anexa aos intestinos)
ricanho (... tão aferrado à dinheirama, como as beatas às hóstias/ rico avarento)
salamantiga (salamandra)
salpimentar (juntar sal e pimenta, ofender com palavras ríspidas)
salsada (confusão, salgalhada / armou-se grande... entre os dois)
sarapatel (v. charro / desordem, confusão)
sarrabulho (imbróglio)
serrazinar (incomodar / qual pústula maligna que teimava em o...)
sertã (frigideira / e rebentava como as fartas morcelas na...)
sevandija (ordinário, pulha)
sofraldar (levantar, segurar / sofraldando as bainhas... para melhor estugar o passo)
taludo (grande / mais forte e... de porte)
taralhão (babujou, sem grande cerimónia, nem probidade, armando-se em.../ intrometido)
tarrafa (para lhes deitar a... e os apanhar à gagosa/ rede de pesca, de cabelo, renda, capote)
tosquenejar (=toscanejar, cabecear de sono / tosquenejava a cabeça, a cozer a digestão)
trabuzana (a um canto da viela, a cozer uma medonha... / borracheira, agitação, azáfama)
trampolina (v. caraminhola / de trampolinar, intrujar)
tramposo (de trampa / a cada triquete tenho de esbarrar com este... de merda)
trancarruas (tranca-ruas? =fanfarrão, arruaceiro)
tranca(s) (pernas / assim que o outro deu às...)
trancafiar (trancar, fechar, encerrar)
tranquibérnia (muito pecadilho ou tranquibérnias de última hora/ fraude, trapaça)
tremedal (um... de infâmias assolava diversos jornais /pântano, baixeza, indignidade)
trigança (a entrada de Tomásia nas triganças das mulheres do mundo/ pressa, azáfama)
triquete (v. tramposo/ passo)
tutilimúndi (cosmorama)
valhacouto (refúgio, esconderijo, amparo)
vasca (foi-se sem vascas e sem remorsos/ ânsia, estertor, agitação)
verdegai (?) o ... aquoso e brilhante dos olhos de Tomásia/ verde-gaio? verde claro, verdegar?)
zabaneiro/a (devasso, sem-vergonha, intriguista, metediço)
zangarrear (... de uma viola/toque ou tocar desafinado)
zangurriana (um biltre, a carregar uma.../ bebedeira, canto monótono, conversa chata)
zoilo (padres interesseiros, invejosos e.../ crítico parcial, apaixonado)

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Amalia Bautista (O dom)





EL DON



El dios más poderoso te concedió ese don,
muy pocos lo poseen, casi ninguno
en tanta cantidad y con tal fuerza.
Pero debes cuidarte de emplearlo
sólo con quienes de verdad merezcan
esa demostración de tu poder.
Eres capaz de transformar el aire
en alquitrán, de provocar el odio
a la vida y el ansia de la muerte,
sabes sembrar el vértigo y el daño
y crear el vacío donde pisas,
puedes secar los labios y los ojos,
desterrar la esperanza y los deseos,
matar la fe y hacer surgir desiertos
que el corazón entierran para siempre.
Conmigo has sido generoso, y largo
tiempo me has regalado los efectos
de tu implacable don. Ya es hora
de que vayas buscándote otra víctima.
En mi alma no cabe
ni media gota más de ese veneno.


Amalia Bautista




O deus mais poderoso concedeu-te esse dom,
muito poucos o possuem, quase nenhum
em tamanha quantidade e com tal força.
Mas deves esforçar-te por usá-lo
só com quem de verdade mereça
essa demonstração do teu poder.
És capaz de transformar o ar
em alcatrão, de provocar o ódio
à vida e a ânsia da morte,
sabes semear a vertigem e o dano
e criar o vazio onde pisas,
podes secar os lábios e os olhos,
desterrar a esperança e os desejos,
matar a fé e fazer surgir desertos
que enterram o coração para sempre.
Comigo foste generoso, e por muito
tempo me ofereceste os efeitos
do teu implacável dom. Já é hora
de ires procurar outra vítima.
Na minha alma não cabe
nem meia gota mais desse veneno.


(Trad. I.D.)


[Arquivo de cabeceira]

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3.3.13

W. C. Williams (Árvores no Inverno)





WINTER TREES



All the complicated details
of the attiring and
the disattiring are completed!
A liquid moon
moves gently among
the long branches.
Thus having prepared their buds
against a sure winter
the wise trees
stand sleeping in the cold.


W. C. Williams



A complicação dos detalhes
de vestir e despir
está presente ali!
A lua líquida
passeia suavemente
por entre os ramos compridos.
Assim, com os brotos prontos
face a um Inverno certo,
as árvores sábias
dormem em pé ao frio.


(Trad. A.M.)

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2.3.13

Álvaro Valverde (Jardim privado)





JARDÍN PRIVADO



Nadie ha de entrar aquí.
Para sólo la sombra
levanté las paredes
que dan cobijo al tiempo.
No fue impune el trazado
de las sendas que orientan
su interior movedizo.
Escalas y arrayanes dan forma
a un pensamiento mercenario.
No elegí casa árbol al albur. Fue preciso
conocer cada especie
como a mí me conozco.
El agua sabe el canto
que el silencio arrebata y en su monotonía
otra luz se desvela.
Para nadie he querido este lugar umbrío,
pues que sólo a mis pasos
reconducen sus losas.
Más allá de sus muros,
bajo un único sol,
arde la vida.


Álvaro Valverde




Ninguém há-de entrar aqui.
Para a sombra apenas
levantei as paredes
que dão abrigo ao tempo.
Não foi inocente o traçado
das sendas que orientam
seu interior movediço.
Escadas e murtas dão forma
a um pensamento mercenário.
Não escolhi ao acaso a casa da árvore.
Precisei de conhecer cada espécie
como a mim mesmo conheço.
A água sabe o canto
que arrebata o silêncio
e outra luz se revela na sua monotonia.
Este lugar sombrio não o quis para ninguém
pois as pedras conduzem apenas
os meus próprios passos.
Para além dos muros,
sob a rosa do sol,
crepita a vida.


(Trad. A.M.)

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1.3.13

Ver (125)







Flores
Pico
Corvo


[Maravilhas de Portugal]



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Álvaro Mutis (Exílio)





EXILIO



Voz del exilio, voz de pozo cegado,
voz huérfana, gran voz que se levanta
como hierba furiosa o pezuña de bestia,
voz sorda del exilio,
hoy ha brotado como una espesa sangre
reclamando mansamente su lugar
en algún sitio del mundo.
Hoy ha llamado en mí
el griterío de las aves que pasan en verde algarabía
sobre los cafetales, sobre las ceremoniosas hojas del banano,
sobre las heladas espumas que bajan de los páramos,
golpeando y sonando
y arrastrando consigo la pulpa del café
y las densas flores de los cámbulos.

Hoy, algo se ha detenido dentro de mí,
un espeso remanso hace girar,
de pronto, lenta, dulcemente,
rescatados en la superficie agitada de sus aguas,
ciertos días, ciertas horas del pasado,
a los que se aferra furiosamente
la materia más secreta y eficaz de mi vida.
Flotan ahora como troncos de tierno balso,
en serena evidencia de fieles testigos
y a ellos me acojo en este largo presente de exilado.
En el café, en casa de amigos, tornan con dolor desteñido
Teruel, Jarama, Madrid, Irún, Somosierra, Valencia
y luego Perpignan, Arreglen, Dakar, Marsella.
A su rabia me uno, a su miseria
y olvido así quién soy, de dónde vengo,
hasta cuando una noche
comienza el golpeteo de la lluvia
y corre el agua por las calles en silencio
y un olor húmedo y cierto
me regresa a las grandes noches del Tolima
en donde un vasto desorden de aguas
grita hasta el alba su vocerío vegetal;
su destronado poder, entre las ramas del sombrío,
chorrea aún en la mañana
acallando el borboteo espeso de la miel
en los pulidos calderos de cobre.

Y es entonces cuando peso mi exilio
y miro la irrescatable soledad de lo perdido
por lo que de anticipada muerte me corresponde
en cada hora, en cada día de ausencia
que lleno con asuntos y con seres
cuya extranjera condición me empuja
hacia la cal definitiva
de un sueño que roerá sus propias vestiduras,
hechas de una corteza de materias
desterradas por los años y el olvido.


Álvaro Mutis



Voz do exílio, voz de poço arrasado,
voz órfã, voz grande que se ergue
como erva furiosa ou pata de besta,
voz surda do exílio,
brotou hoje como espesso sangue
reclamando mansamente seu lugar
em algum sítio do mundo.
Chamou hoje em mim
o griteiro das aves passando
em verde algazarra
sobre os cafezais,
as cerimoniosas folhas da bananeira,
as espumas geladas dos campos,
batendo e zoando
e arrastando a polpa do café
e as densas flores do páramo.

Hoje, algo se deteve dentro de mim,
um espesso remanso faz girar,
de repente, lenta, docemente,
resgatados na superfície agitada de suas águas,
certos dias, certas horas do passado,
a que se agarra com fúria
a matéria mais íntima da minha vida.
Bóiam agora como troncos da balsa,
serena evidência de testemunhas fiéis,
e a eles me entrego neste longo presente de exílio.
No café, em casa de amigos, voltam com dor esvaída
Teruel, Jarama, Madrid, Irún, Somosierra, Valencia
e depois Perpignan, Arreglen, Dakar, Marsella.
À sua raiva me uno, à sua miséria
e esquecimento assim quem sou, donde venho,
até quando uma noite começa o bater da chuva
e água corre pelas ruas em silêncio
e um cheiro húmido
me devolve às grandes noites de Tolima
onde a desordem das águas
grita até à alvorada sua algazarra vegetal;
seu poder destronado, entre os ramos da sombra,
brota ainda na manhã
acalmando o borbulhar espesso do mel
nos puídos caldeiros de cobre.

E é então que peso meu exílio,
olhando a solidão insuperável do perdido
pelo que me cabe de morte antecipada
em cada hora, em cada dia de ausência
que preencho de assuntos e seres
cuja estranha condição me empurra para a cal definitiva
de um sonho que há-de roer suas próprias vestes,
feitas com casca de matérias desterradas
pelo tempo e o esquecimento.


(Trad. A.M.)

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