23.7.13

Manoel de Barros (Palavras)





PALAVRAS




Veio-me dizer que eu desestruturo a linguagem.
Eu desestruturo a linguagem?
Vejamos: eu estou bem sentado num lugar.
Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim.
Tira o lugar em que eu estava sentado.
Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele lugar.
E eu nem atrapalhava a passagem de ninguém.
Ao retirar de debaixo de mim o lugar, eu desaprumei.
Ali só havia um grilo com a sua flauta de couro.
O grilo feridava o silêncio.
Os moradores do lugar se queixavam do grilo.
Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta.
Agora eu pergunto: quem desestruturou a linguagem?
Fui eu ou foram as palavras?
E o lugar que retiraram de debaixo de mim?
Não era para terem retirado a mim do lugar?
Foram as palavras pois que desestruraram a linguagem.
E não eu.



MANOEL DE BARROS
Compêndio para uso dos pássaros
(Poesia reunida 1937-2004)
Quasi Edições, 2007

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