31.1.13

Miriam Reyes (Às vezes passo dias)





Eventualmente paso días enteros sangrando
(por negarme a ser madre).
El vientre vacío sangra
exagerado e implacable como una mujer enamorada.

Si los hijos no salieran nunca
del cuerpo de sus madres
juro que tendría uno ahora mismo,
para sentirlo crecer dentro de mí
hasta poseerme como en una sesión espiritista
o como si mi bebé y yo
fuéramos muñecas rusas
una llena de la otra
mamá llena de bebé.

También tendría un hijo
si ellos siempre fueran bebés
y pudiera sostenerlo en mis brazos por encima de la realidad
para que mi niño nunca pusiera los pies en la tierra.

Pero ellos llegan a ser
tan viejos como uno.

No alimentaré a nadie con mi cuerpo
para que viva este suicidio en cuotas que vivo yo.

Por eso sangro y tengo cólicos
y me aprieto este vientre vacío
y trago pastillas hasta dormirme y olvidar
que me desangro en mi negación.


Miriam Reyes




Às vezes passo dias inteiros a sangrar
(por me negar a ser mãe).
O ventre vazio sangra
exagerado e implacável como uma mulher apaixonada.

Se os filhos não saíssem nunca
do corpo das mães
juro que teria um agora mesmo
para senti-lo crescer dentro de mim
até me possuir como numa sessão espírita
ou como se o meu bebé e eu
fôssemos bonecas russas
uma cheia da outra
mamã cheia de bebé.

Também teria um filho
se eles fossem sempre bebés
e pudesse sustê-lo nos braços acima da realidade
para que nunca pusesse os pés na terra.

Mas eles chegam a ser
tão velhos como qualquer um.

Não alimentarei ninguém com o meu corpo
para viver este suicídio a prestações que eu mesma vivo.

Por isso sangro e tenho cólicas
e aperto este ventre vazio
e engulo comprimidos até adormecer e esquecer
que me esvaio na minha negação.


(Trad. A.M.)



> Outra versão: As folhas ardem (Jorge Melícias)

.

30.1.13

Um verso (114)





Um verso de O’Neill
(moreno português, já disse?):




Imaginar, primeiro, é ver.
Imaginar é conhecer, portanto agir.




Alexandre O’Neill

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Marcelo Daniel Díaz (O astronauta)

 
 
 

EL ASTRONAUTA



En la madrugada las estrellas y las ecuaciones
tejen la red de una araña negra
que mastica los huesos de la noche.
Sobre la escuela volaba un avión comercial
que dejaba una cicatriz de humo en el cielo
y dije: “yo quiero ser Neil Armstrong”.
En el guardapolvo llevaba un mapa de ruta
para salir de la atmósfera
y dibujar otro barrio en el cosmos.
Pero los recuerdos felices funcionan
tan sólo como recuerdos felices:
ahora ensayo pasos de astronauta
para cruzar la calle.


Marcelo Daniel Díaz


[Marcelo Leites]



As estrelas e equações na madrugada
tecem a rede de uma aranha negra
que mastiga os ossos da noite.
Por cima da escola voava um avião comercial,
deixando no céu uma cicatriz de fumo
que dizia: “Eu quero ser Neil Armstrong”.
Eu levava no bolso um roteiro
para sair da atmosfera
e desenhar outro bairro no cosmos.
Mas as recordações felizes funcionam
apenas como recordações felizes:
hoje ensaio passos de astronauta
só para atravessar a rua.


(Trad. A.M.)



>>  Vuelo digital (6p) / Marcelo Leites (4p) / Tinta de poetas (5p) / Sites Google (entrevista)

.

29.1.13

Mario Quintana (Emergência)





EMERGÊNCIA



Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
– para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.


Mario Quintana


[Acontecimentos]


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28.1.13

Pedro Andreu (Nunca me abras a porta)





NUNCA ME ABRAS LA PUERTA



Pero no importa, dale, llévate mi alegría
en tus labios, haz papel de fumar
mis poemarios, cambia la cerradura, vive el cielo.
Haz el favor de ser feliz, y nunca, nunca abras
a ese mamarracho enfebrecido
que llamará a tu puerta
las próximas semanas.

Se hará pasar por mí
-ya te lo advierto-
y te traerá la peste.


Pedro Andreu


[Tu cita de los martes]



Mas não importa, vá, põe-me a alegria
nos lábios, usa meus versos para enrolar
o tabaco, muda a fechadura, vive o céu.
Faz favor de ser feliz, e nunca, nunca abras
a esse espantalho febril
que há-de bater-te à porta
nas próximas semanas.

Vai fazer-se passar por mim
– aviso-te já –
e há-de trazer-te a peste.

(Trad. A.M.)

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27.1.13

Paulo Moreiras (A taberna do Pasquino)





Alguns pingarolas e peraltas ainda permaneciam na beberrónia, na taberna do Pasquino, numa dolência parda, embalada pelo vinho de enforcado, especialidade da casa, entre outras pitanças que naquele antro de comes e bebes se podiam demandar; uns entretidos em animada perlenga, outros cascabulhando sortes ou azares em cima dos tampos de mármore das mesas por onde rolavam, barulhentos e prazenteiros, uns quantos dados de pintas no jogo do quinquenove.

Mais para o lado, à sinistra, ficava uma ampla sala de estar, própria para os femeeiros corrilhos, onde as luzes eram rarefeitas, não permitindo lobrigar quem por ali abancava; aí estanciavam três ou quatro conanas, cheios de mesuras e salamaleques, conversando cada um com a sua meretriz de eleição, enquanto bebiam copos de vinho e de capilé, num lascivo jogo de toca-e-foge; elas cheias de risinhos fáceis e eles ofertando miminhos galanteadores.


PAULO MOREIRAS
O Ouro dos Corcundas
Casa das Letras
(2011)

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Miguel d'Ors (Caminho de imperfeição)





CAMINO DE IMPERFECCIÓN



Joven,
yo era un vanidoso inaguantable.
«Esto va mal», me dijo un día el espejo.
«Tienes que corregirte».
Al cabo de unas semanas era menos vanidoso.
Unos meses después ya no era vanidoso.
Al año siguiente era un hombre modesto.
Muy modesto.
Modestísimo.
Uno de los hombres más modestos que he conocido.
Más modesto que cualquiera de ustedes.
O sea
un vanidoso inaguantable
viejo.


Miguel d’Ors




Jovem,
eu era um vaidoso insuportável.
“Vai mal, isto”, diz-me um dia o espelho.
“Tens de te corrigir”.
Ao cabo de umas semanas já não era vaidoso.
No ano seguinte era um homem modesto.
Muito modesto.
Modestíssimo.
Um dos homens mais modestos que conheci.
Mais modesto do que vocês todos.
Ou seja
um vaidoso insuportável
velho.


(Trad. A.M.)

.

26.1.13

José Luís Peixoto (Carta de condução)





CARTA DE CONDUÇÃO



Já tive um carro da cor dos teus olhos. Deixava-o
estacionado à frente de prostíbulos onde alugava
quartos com vista sobre o quintal dos vizinhos.


Esperava por semáforos, sem saber que esperava
apenas por ti. No auto-rádio, a tua voz cantava
fados demasiado velhos até para a minha mãe.


A segunda circular era uma manifestação pacífica
de pára-brisas, as palavras de ordem eram simples
porque ainda não sabia que já me tinhas escolhido.


Quando os outros rapazes folheavam revistas de
carros nas aulas de matemática, eu apenas me
interessava por unicórnios e farmácias abandonadas.


Agora os meus olhos contam quilómetros nos teus,
procuro papéis entre os papéis do guarda-luvas e
tenho tanto medo que me vendas em segunda mão.


José Luís Peixoto


[Poedia]


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25.1.13

Luis Alberto de Cuenca (A ruiva louca)





LA LOCA DEL PELO ROJO



No, no te parecías a Van Gogh
(salvo en el pelo rojo, que, en tu caso,
no era de nacimiento, sino apócrifo).
Te faltaban la barba y el talento,
y las cartas a Theo. Te sobraba
una oreja. Definitivamente
no tenías que ver nada con Vincent.
Pero estabas tan loca como él.


Luis Alberto de Cuenca


[Javier Das]




Não, não te parecias com Van Gogh
(salvo no cabelo ruivo, que não era,
no teu caso, natural, mas apócrifo).
Faltava-te a barba e o talento,
e as cartas a Theo. E sobrava-te
uma orelha. Definitivamente
não tinhas nada a ver com Vincent.
Mas estavas tão louca como ele.


(Trad. A.M.)

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24.1.13

João Araújo Correia (O sorriso desta peixeira)





O sorriso desta peixeira...

Repararam?

Sorriu-lhe a canastra do peixe, as ramagens do lenço, o oiro das arrecadas, o oiro do cordão, a boca descorada de mulher com filhos, as pupilas calmas de trabalhadeira, até as camarinhas da testa e do nariz lhe sorriram...

Riso que lava o ar da rua onde apregoa o peixe, riso claro e puro, iluminaria atalho perigoso, dando confiança ao bom e inquietude ao celerado.



- JOÃO DE ARAÚJO CORREIA, Sem Método, V.

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Karmelo C. Iribarren (Guarda-chuvas e táxis)





LOS PARAGUAS, LOS TAXIS



Acabo de tirarlo,
35 minutos bajo la tormenta
-esperando un maldito
taxi-
han podido con él.

Pero cómo se ha portado.

Ésa es la diferencia:
los taxis son como ciertos amigos,
nunca están cuando más los necesitas.

Los paraguas, en cambio, mueren por ti.


Karmelo C. Iribarren


[Balconcillos]



Acabo de o jogar fora,
meia hora sob a tormenta
- à espera de um maldito
táxi -
deu cabo dele.
Mas como se comportou.
Essa a diferença:
os táxis são como certos amigos,
quando precisas deles nunca estão.
Os guarda-chuvas, em troca, morrem por ti.


(Trad. A.M.)

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23.1.13

Ferreira Gullar (No corpo)





NO CORPO



De que vale tentar reconstruir com palavras
O que o verão levou
Entre nuvens e risos
Junto com o jornal velho pelos ares?


O sonho na boca, o incêndio na cama,
     o apelo da noite
Agora são apenas esta
     contração (este clarão)
     do maxilar dentro do rosto.


A poesia é o presente.


Ferreira Gullar


[Antologia]


.

22.1.13

José Luis García Martín (Reminiscências)




REMINISCENCIAS


Amor que no devasta no es
amor. Lees a Omar Jayyam en esta
plaza de bronce y de palomas
aún con olor a oriente y desventura.
(Una vez amé, creí que me amarían,
y no fue así; eso es todo. )
Acepta su patética
invitación a la vida, aférrate
al instante que huye, sacude
tanta apagada y vil tristeza,
la ceniza que mancha tus ropas
todavía inocentes, deja
que el amor y el azar levanten fortalezas
de viento y las deshaga el viento
una y otra vez...
Pero tú
no me oyes. Mientras
un duro terrón de tedio
se deshace en la taza de café
(Hoy no hay nadie a quien no envidie
sólo por no ser yo), en un rincón paciente
de A Brasileira esperas
que la vida se siente en la silla vacía.


JOSÉ LUIS GARCÍA MARTÍN
Tinta y papel
(1985)



Amor que não devasta amor
não é. Lês Omar Jayyam nessa
placa de bronze e de pombas
cheirando ainda a oriente e desventura.
(Em tempos amei, julguei que me amariam,
e assim não foi; é tudo).
Aceita seu patético
envite para a vida, agarra-te
ao instante que foge, sacode
tanta apagada e vil tristeza,
a cinza que te mancha as roupas
ainda inocentes,
deixa que o amor e o acaso levantem castelos
de vento e o vento os desfaça
uma e outra vez...
Mas tu
não me ouves. Enquanto
um torrão duro de tédio
se desfaz na taça de café
(Não há ninguém hoje que eu não inveje
só por não ser eu), num canto
paciente
de A Brasileira esperas
que a vida se sente na cadeira vaga.


(Trad. A.M.)

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21.1.13

Olhar (121)









Anta>Mazes>Lamego


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Enrique García-Máiquez (Aguarela)





ACUARELA



La playa de siempre
se ha vuelto más tímida.
La luz de septiembre

tersa, tenue, tibia,
cansada se acuesta
cerca de la orilla.

Baja la marea.
El mar se desnuda.
El sol se avergüenza.

En Cádiz, la cúpula
dorada se apaga.
Y el faro, que cruza

la noche, se alarga...


Enrique García-Máiquez


[Cuaderno de Cadiz]




A praia de sempre
tornou-se mais tímida.
A luz de Setembro

ténue, lisa, tíbia,
deita-se cansada
perto da beira.

A maré baixa.
Desnuda-se o mar.
O sol retrai-se.

Em Cádiz, apaga-se
a cúpula dourada.
E o farol alonga-se,

cruzando a noite...


(Trad. A.M.)

.

20.1.13

José Alberto Oliveira (Guia de perplexos)





GUIA DE PERPLEXOS



Tenho-me conformado
à dita
destes poemas:
convencido da sinceridade
dos espelhos,
tenho deixado
que a perturbação
dos dias
se resigne a frases
de pouco empenho.


José Alberto Oliveira



[Vortex]


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19.1.13

Jorge M. Molinero (Há sempre uma gota)






Siempre hay una gota que
colma el vaso.
Recemos
en quien tú creas - dios,
Maradona o Michael Hutchence. Recemos,
para que esta, la gota que colme el vaso
no sea de nuestra sangre.


Jorge M. Molinero


[La juventud del otro]



Há sempre uma gota que
enche o copo.
Rezemos
a quem tu creias – deus,
Maradona ou Michael Hutchence.
Rezemos, para que ela,
a gota que encha o copo,
não seja do nosso sangue.


(Trad. A.M.)



>>  La juventud del otro (blogue/muitos p) / Facebook / Crepusculario s.21 (7p)

.

18.1.13

Paulo Moreiras (A inveja)





Desde o princípio do mundo que a inveja cega os homens e toma, nas paixões da alma, vaidoso domicílio.

E tão cegos se acham esses invejosos, tão ofuscados no seu entendimento, que cuidam que os outros é que são cegos e incapazes de lobrigar o cortejo de enganos que usam semear com as suas atitudes mesquinhas e torpes.

É um vício difícil de tragar, pois, se todos se dispõem a apontar a inveja ao próximo, a verdade é que se escusam a vê-la em si mesmos; homem algum será capaz da assunção desse horrível predicado perante outros e apenas no seu íntimo, no escuro dos seus sentimentos, reconhecerá a sua maior dor e a sua maior fraqueza.



PAULO MOREIRAS
O Ouro dos Corcundas
Casa das Letras
(2011)

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Jorge Riechmann (Para escrever poesia)





PARA ESCRIBIR POESÍA


(7)

No cambiéis los nombres.
Preservad los nombres antiguos.
Renovad cada día el pacto de los nombres.
Y no dejéis de dudar
de todo cuanto digo.


Jorge Riechmann




Não troqueis os nomes.
Preservai os nomes antigos.
Renovai o pacto dos nomes todos os dias.
E duvidai sempre
de tudo quanto eu digo.


(Trad. A.M.)

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17.1.13

João de Deus (Dia de anos)





DIA DE ANOS



Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!


Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado...
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!


Não faça tal: porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa: que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.


Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!


João de Deus

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16.1.13

Jorge Espina (A neve dissipa-se)





A neve dissipa-se deixando a nu
o céu verde da infância
orvalha
o vento é uma música celta


os amigos de sempre
a cidra
a voz dos antepassados no bosque


é tudo água



JORGE ESPINA
Volver al pan, llegar a casa
Canalla Ediciones (2012)

(Trad. A.M.)

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15.1.13

Um verso (114)





Um verso de Nietzsche
(also sprach Friedrich):



Homem livre é o que pensa doutro modo do que poderia esperar-se em razão da sua origem, do meio, do estado e da função, ou das opiniões reinantes no seu tempo



Friedrich Nietzsche

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Joan Margarit (Monumentos)




MONUMENTOS



El vacío que sientes, cada vez con más fuerza,
es el de los traidores.
También los monumentos, por dentro, están vacíos,
con las entrañas llenas de óxido y de muerte:
oscuros y podridos por la historia,
es tan siniestro su interior
como arrogante el gesto que en el aire
dibuja el personaje.
Según van traicionando los amigos
-y la muerte es también una traición-
nos vamos convirtiendo en monumentos.
Por fuera queda un resto de elocuencia,
sobre todo al hablar con alguien joven,
pero la voz resuena en el vacío,
perdida entre los hierros de un oculto entramado
que se deshoja en leves capas de óxido.


Joan Margarit




O vazio que sentes, cada vez mais,
é o dos traidores.
Também os monumentos, por dentro, estão vazios,
com as entranhas cheias de óxido e morte:
escuros e apodrecidos pela história,
é tão sinistro o seu interior
como arrogante o gesto que o personagem
traça no ar.
Conforme os amigos nos vão traindo
- e a morte é também uma traição –
assim nos vamos convertendo em monumentos.
Por fora fica um resto de eloquência,
sobretudo ao falar com alguém jovem,
mas a voz ressoa no vazio,
perdida entre os ferros de uma trama oculta
que se desfolha em leves capas de óxido.


(Trad. A.M.)

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14.1.13

Jaime Salazar Sampaio (Aquele português valente)





aquele português valente que encontrei outro dia
em paris, mostrou-me um artigo de jornal
onde todos os problemas portugueses, todos,
se resolviam em francês.
mexi com força o açúcar na chávena e o nosso
compatriota desapareceu.
de que lhe vale ser português (e valente)
se basta eu agitar a colher no café,
para ele se perder no boulevard saint michel
ou na rua das pretas?
há muitos anos (vinte? trinta?) vivemos nós todos
num país que não existe. Somos nove milhões,
quase, e não damos pela coisa,
alimentamo-nos de raiva, caruncho, montes
de anedotas e um vago amor à humanidade
que, pelo seu lado, talvez também não exista
(o amor? a humanidade?... como quiserem, é sempre duvidoso).


Jaime Salazar Sampaio


[Luz & sombra]

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13.1.13

Ángel González (Que lhe havemos de fazer)





QUÉ LE VAMOS A HACER



Y ahora,
con el alma vacía como tantas
veces,
contemplo el lento paso de los días
que me empujan no sé hacia qué destino
oscuro, presentido
ya sin curiosidad. Es aburrido
saber y no saber, equivocarse
y acertar. También estar seguro
es tan insoportable en muchos casos
como dudar, como ceder, como desmoronarse.


Seguro, a salvo, ahora
que ya pasó el dolor,
observo la zozobra lo mismo que una estela
fundida a mis espaldas
con el espeso limo
de los sucesos cotidianos, dados
-antes de ser recuerdos- al olvido.
La indiferencia ante la propia suerte
no es mejor compañera que la angustia,
ni mi sonrisa
(cuando el azar nos pone,
viejo amor,
frente a frente)
representa otra cosa que la ausencia
de algún gesto más justo
para significar la seca, dolorosa,
irreparable pérdida del llanto.


Ángel González




E agora, de alma vazia como tantas
vezes,
contemplo o passar lento dos dias
que me empurram não sei para que destino
escuro, pressentido
já sem curiosidade. É aborrecido
saber e não saber, enganar-se
e acertar. Também estar seguro
é tão insuportável em muitos casos
como duvidar, como ceder, como desmoronar-se.


Seguro, a salvo, agora
que a dor já passou,
observo a borrasca tal como a esteira
fundida nas minhas costas
com o espesso limo
dos sucessos quotidianos, dados
ao esquecimento, antes de serem recordações.
A indiferença ante a própria sorte
não é melhor companheira que a angústia,
nem meu sorriso
(quando o acaso nos põe,
velho amor,
frente a frente)
representa outra coisa do que a ausência
de um gesto mais justo
para significar a seca, dolorosa,
irreparável perda do pranto.


(Trad. A.M.)

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12.1.13

Paulo Moreiras (A guerra civil)





Embora tais sainetes servissem como adubos para temperar aquela caperotada de cains e abéis, a guerra continuava ardilosa e os seus ventos sopravam de todos os lados – e esta andava cerca, cada vez mais próxima.

Todos os dias chegavam notícias dos confrontos entre os absolutistas e os liberais, com vitórias e derrotas para ambos os lados, com avanços e recuos, o que prolongava ainda mais de todos aqueles que viviam à margem das pelejas e dos ideais que se digladiavam nos campos de batalha, pois a sua luta era quotidiana, de manhã à noite, para porem qualquer coisa em cima da mesa e sobreviverem.

Viviam-se tempos calamitosos.

O espectro da miséria pairava em todas as casas e com mais zelo na dos pobres.

Aqueles que tinham algumas courelas de cultivo conseguiam valer-se de umas batatas armazenadas ou comiam beldroegas e agriões apanhados pelos lameiros dos caminhos, que era do pouco que ainda conseguiam encontrar; outros amanhavam-se com couves, bolotas, castanhas ou alguma serôdia cevada.

Quem nada possuía esmolava por um pedaço de broa nos adros das igrejas ou por um caldo de chícharos nos solares mais abastados e dados à caridade e à filantropia.

A míngua era o ar que então se respirava mais amiúde.



PAULO MOREIRAS
O Ouro dos Corcundas
Casa das Letras
(2011)



> Paulo Moreiras (blogue) / Facebook / DGLB (bio) / Google (bio+) / Livraria Ideal (entrevista-10.2.2012)

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Javier Salvago (Ano novo)





AÑO NUEVO



Como las cosas no podían
ir a peor —escribió Kafka,
en su Diario—, mejoraron.

Cómo me gustaría, ante este negro
e inhóspito horizonte que se abre,
ante mí —como un año más,
o como un año menos—,
poder decir lo mismo.
Pero siento
que no he tocado fondo,
que hay más miseria, más dolor, más tedio
más adelante, que las cosas
pueden empeorar.
Que lo peor, como quien dice,
aún está por llegar.


Javier Salvago




Como as coisas não podiam
piorar - escreveu Kafka,
no seu Diário - melhoraram.

Como eu gostaria, perante este negro
e inóspito horizonte que se abre
diante de mim - um ano mais,
ou um ano menos -
de poder dizer o mesmo.
Sinto porém
que não bati no fundo,
que há mais miséria, mais dor, mais tédio
para a frente, que as coisas
podem mesmo piorar.
Que o pior, como quem diz,
está ainda para vir.


(Trad. A.M.)



> Outra versão:  Do trapézio (L.P.)

.

11.1.13

Inês Dias (Reconquista)





RECONQUISTA




Do meu bisavô, ferreiro e construtor
de pontes, conheci apenas as iniciais,
gravadas na pedra com que tomara
o último dos elementos. Mas a sul
do passado, o meu avô repetia-lhe
ainda os gestos, ensinando-me a travar
as marés com pequenos diques improvisados –
paus de gelado, seixos, pedacinhos de cordel.


Nunca mais o futuro voltou a ter pé
como nessa Praia do Amanhã tão literal,
tão só para mim. Aprendi a bordar
iniciais, às vezes na própria pele,
a construir diques cada vez mais frágeis
de palavras, pontes entre o meu corpo
e a margem dos outros.


De pouco vale: geração em geração,
ano a ano, vamos perdendo a luta
contra o avanço das águas.


Inês Dias


[Arquivo de cabeceira]


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10.1.13

Gsús Bonilla (Um dia no circo)





UN DIA EN EL CIRCO



Cuando las fieras
tienen el estómago vacío
se sabe
que el domador
no tiene
el arrojo suficiente
para entrar a la jaula
porque la última vez
se comieron el látigo
la mano
parte del antebrazo
y la confianza.


GSÚS BONILLA
Menú del día... a día
Ed. Baile del Sol (2011)



Quando as feras
têm o estômago vazio
é sabido
que o domador
não tem
o arrojo bastante
para entrar na jaula
porque da última vez
comeram-lhe o látego
a mão
parte do antebraço
e a confiança.


(Trad. A.M.)

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9.1.13

João Araújo Correia (Medreiros)





É incontável o número dos mortos.

Atrás dessa leva triste, o coração assim mo pede, vão as minhas palavras de hoje, repassadas de ternura que não posso expressar de íntima – tão subjectiva, que é uma lauda arrancada a um volume infinito, sem caracteres nem tinta, informe, inefável como vaga de sombras, de melancolias nimbadas de luar.



- JOÃO DE ARAÚJO CORREIA, Sem Método, I.

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Eloy Sánchez Rosillo (O abismo)





EL ABISMO



Hay en este ir dejando que transcurra
la vida sin dar fruto, en esta voluntaria
renuncia a hacer en la que tantas veces
me mantengo y que no tiene, en mi caso,
ninguna relación con la pereza,
ni con el yermo escepticismo, ni
con esa sequedad del corazón que a muchos,
a mi edad, para siempre les niega la palabra,
hay en este abstenerse deliberado, acaso,
no sé, como un extraño amor por el peligro,
como un oscuro afán irreprimible
de tentar a la suerte andando por el borde
de un abismo espantoso. En ocasiones, pasan
largos meses enteros en los que nada escribo,
en que me opongo inexplicablemente
a cumplir el deber que justifica
mi existir. Y me digo: “Hace ya muchos años
que dejé de ser joven; va acortándose el tiempo
del que tal vez disponga para llevar a cabo
la labor pendiente: los poemas
que porfían y aspiran al aire y a la luz
y que sin forma habitan en las sombras
de mi silencio. No hay mayor tristeza
que la de aquello que queriendo alzarse
no crece y se transforma en flor, en vida
que se afirma y que canta”. Sin embargo, persisto
en la inactividad, mirando, absorto,
lleno de culpa y de desasosiego,
al fondo del abismo: la nada que desdice
mis viejas ilusiones, la fe que me sostuvo,
mi voluntad de ser frente a la muerte.


Eloy Sánchez Rosillo

[Balconcillos]




Há neste ir deixando que a vida transcorra
sem dar fruto, nesta voluntária
renúncia de acção e que, no meu caso,
não tem nada a ver com preguiça,
nem mesmo com cepticismo, nem
com essa secura do coração que a muitos,
na minha idade, nega para sempre a palavra,
há nesta abstenção deliberada, talvez,
não sei, como que um estranho amor do perigo,
um obscuro afã irreprimível
de tentar a sorte caminhando à beira
de um abismo espantoso. Às vezes, passam-se
longos meses inteiros em que não escrevo nada,
opondo-me inexplicavelmente
a cumprir o dever que justifica
a minha existência. E digo a mim mesmo:
“Há muitos anos já que deixei de ser jovem;
vai-se encurtando o tempo
de que talvez disponha para levar a cabo
o trabalho pendente, os poemas
que porfiam e aspiram ao ar e à luz
e que habitam sem forma nas sombras
do meu silêncio. Não há tristeza maior
do que a de quem querendo erguer-se
não cresce nem se transforma em flor,
em vida que se afirma cantando”.
Contudo, persisto inactivo, contemplando,
absorto, intranquilo e cheio de culpa,
o fundo do abismo, o nada que desdiz
minhas velhas ilusões, a fé que me sustenta,
minha vontade de ser face à morte.


(Trad. A.M.)

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8.1.13

Gonçalo M. Tavares (O mapa)





O MAPA



Sempre senti a matemática como uma presença
física, em relação a ela vejo-me
como alguém que não consegue
esquecer o pulso porque vestiu uma camisa demasiado
apertada nas mangas.
Perdoem-me a imagem: como
num bar de putas onde se vai beber uma cerveja
e provocar com a nossa indiferença o desejo
interesseiro das mulheres, a matemática é isto: um
mundo onde entro para me sentir excluído;
Para perceber, no fundo, que a linguagem, em relação
aos números e aos seus cálculos, é um sistema,
ao mesmo tempo, milionário e pedinte. Escrever
não é mais inteligente que resolver uma equação;
Porque optei por escrever? Não sei. Ou talvez saiba:
entre a possibilidade de acertar muito, existente
na matemática, e a possibilidade de errar muito,
que existe na escrita (errar de errância, de caminhar
mais ou menos sem meta) optei instintivamente
pela segunda. Escrevo porque perdi o mapa.


Gonçalo M. Tavares


[Revista Minerva]

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7.1.13

David González (Lo que importa)





LO QUE IMPORTA



no importa
que nadie llore
tu muerte

importa esto:

que la vida
te sonría


David González


[Hasta los gatos acaban por suicidarse]


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6.1.13

Ver (124)






[Bretons sans frontières]


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Pedro Andreu (Tragédias)





(¿Tragedias?)



De pronto recordé
que te me habías muerto para el mundo
de mis cosas. Aunque te viera a veces,
de lejos, a bordo de algún taxi
o te supiera allí tomándote un café
con un amigo de ambos que me habías robado.
Me borraron los bares que eran nuestros
—por prescripción poética del médico—
de callejeros, listines telefónicos, paseos.
Alguien abrió la ducha
y tu nombre escrito a mano
se borró de mi bañera.
Se marchó por el desagüe.
Y lo peor de todo: las tres de la mañana,
enero helando en la bombilla
del techo de este cuarto,
mis ganas de fumar
¡y sin tabaco!


Pedro Andreu



De repente lembrei-me
que tu me tinhas morrido para o mundo
das minhas coisas. Embora te visse por vezes,
de longe, dentro de algum táxi
ou te soubesse a tomar café ali
com um amigo de ambos que me tinhas roubado.
Os bares que eram nossos apagaram-mos
– por prescrição poética do médico –
de roteiros, da lista telefónica, dos passeios.
Alguém abriu o chuveiro
e apagou-me na banheira
o teu nome escrito à mão.
Lá se foi pelo buraco.
E pior ainda, às três da manhã,
Janeiro gelando na lâmpada
do tecto deste quarto,
eu com ganas de fumar
- e sem tabaco!


(Trad. A.M.)



>>  Las afinidades electivas (3p) / Apología de la luz (vários p) / Wikipedia


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5.1.13

Mark Strand (A vinda da luz)





THE COMING OF LIGHT



Even this late it happens:
the coming of love, the coming of light.
You wake and the candles are lit as if by themselves,
stars gather, dreams pour into your pillows,
sending up warm bouquets of air.
Even this late the bones of the body shine
and tomorrow's dust flares into breath.


Mark Strand




Tarda, mas não falha,
a chegada do amor, da luz.
Acordas e lá estão as velas a arder,
como que acendidas por si mesmas,
juntam-se estrelas, sonhos derramam-se,
soltando no ar cálidos aromas.
Mesmo assim tarde brilham os ossos do corpo
e o pó de amanhã cintila num sopro.


(Trad. A.M.)

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4.1.13

Ángel González (Dado biográfico)





DATO BIOGRÁFICO



Cuando estoy en Madrid,
las cucarachas de mi casa protestan porque leo por las noches.
La luz no las anima a salir de sus escondrijos,
y pierden de ese modo la oportunidad de pasearse por mi dormitorio,
lugar hacia el que
—por oscuras razones—
se sienten irresistiblemente atraídas.
Ahora hablan de presentar un escrito de queja al presidente de la República
y yo me pregunto: ¿en qué país se creerán que viven?;
estas cucarachas no leen los periódicos.


Lo que a ellas les gusta es que yo me emborrache
y baile tangos hasta la madrugada,
para así practicar sin riesgo alguno
su merodeo incesante y sin sentido, a ciegas
por las anchas baldosas de mi alcoba.


A veces las complazco,
no porque tenga en cuenta sus deseos,
sino porque me siento irresistiblemente atraído,
por oscuras razones,
hacia ciertos lugares muy mal iluminados
en los que me demoro sin plan preconcebido
hasta que el sol naciente anuncia un nuevo día.


Ya de regreso a casa,
cuando me cruzo por el pasillo con sus pequeños cuerpos
que se evaden
con torpeza y con miedo
hacia las grietas sombrías donde moran,
les deseo buenas noches a destiempo
—pero de corazón, sinceramente—
reconociendo en mí su incertidumbre,
su inoportunidad,
su fotofobia,
y otras muchas tendencias y actitudes
que —lamento decirlo—
hablan poco en favor de esos ortópteros.


Angel González


[Marcelo Leites]





Quando estou em Madrid,
as baratas da minha casa protestam por eu ler à noite.
A luz não as anima a sair do esconderijo
e perdem assim a ocasião de passear pelo meu quarto,
para o qual – por obscuras razões –
se sentem irresistivelmente atraídas.
Agora falam em apresentar queixa ao presidente da República
e eu pergunto-me: em que país julgarão que vivem?
não lêem jornais, estas baratas.


O que elas gostam é que eu me emborrache
e dance o tango até de manhã,
para assim fazerem sem risco
a sua ronda incessante e absurda, às cegas
nos mosaicos grandes do meu quarto.


Às vezes alinho,
não por ter em conta os seus desejos,
mas por me sentir irresistivelmente atraído,
por obscuras razões,
para certos lugares muito mal iluminados
onde me demoro sem plano preconcebido
até o sol nascente anunciar um novo dia.


Já de volta a casa,
quando me cruzo no corredor
com os seus pequenos corpos a fugir
desadireitos e receosos
para as frestas sombrias onde moram,
dou-lhes boas-noites a destempo
- mas de coração, sinceramente –
reconhecendo em mim sua incerteza,
e inoportunidade,
e fotofobia,
e outras muitas tendências e atitudes
que – lamento dizer –
abonam pouco a favor desses ortópteros.



(Trad. A.M.)

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3.1.13

João Araújo Correia (A Primavera)





A Primavera...

Não são os nimbos a galopar no céu como cavalos de luto, de saio esfarrapado.

Este vento – travessura de boca ociosa a soprar frio sobre amante dormido – não é!

Rosas desabrochadas, jamais, que as rosas, neste desterro, mal nascidas, pecam.

Corolas amarelas naquele muro, recortadas à tesoira e brunidas de mão presunçosa; o caldo galego orelhudo, abana que abana, até aflorar o chão esterroado; os chorões, rendidos como Job e os amanuenses a todos os decretos; os pâmpanos juvenis; os aulidos dos cavadores; os ralhos da rua, as florescências más dos soalheiros, o espiolhamento às portas, tudo quanto abarca uma retina esquisita; as túlipas branco e sangue que me instruem sobre a escrivaninha de disciplina e cor, nem essas me transmitem o hálito do maio-moço, que vem bêbedo, nitrindo, resvalando dos oiteiros, vestido como um maníaco, em torvelinhos, em convulsões, em ritmos de exaltação e quebranto.

É nas dolorosas que vestem de escuro e marcham devagarinho, velam o olhar, são doidas por violetas e enfermam à luz diurna, que eu sinto pulsar, através dos panos de dó, a Primavera.



- JOÃO DE ARAÚJO CORREIA, Sem Método, XIX.

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Ana Pérez Cañamares (Alfabeto de cicatrizes)





ALFABETO DE CICATRICES



Con pulso de artificiero
escojo las palabras.
Manejo con tacto
la nitroglicerina de cada sílaba.
Por culpa de palabras mal usadas
a mi corazón lo cruza
un alfabeto de cicatrices.


Ana Pérez Cañamares


[Viktor Gomez]




Escolho as palavras
com mãos de pirotécnico.
Manejo com tacto
a nitroglicerina de cada sílaba.
Por causa de palavras mal usadas
atravessa meu coração
um alfabeto de cicatrizes.


(Trad. A.M.)

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2.1.13

Geraldino Brasil (Aprendi nos campos)





APRENDI NOS CAMPOS



Aonde tenho ido
têm dito que espere.
Espero.
Às vezes nem me ouvem.
Espero.

Nasci nos campos, tive terras.
Esperei as chuvas.
Esperei os sóis.
21 dias pelos pintinhos amarelos.
30 pelos patinhos do lago.

Esperei árvore crescer.
Anos, saibam vocês que compram
nos mercados os frutos já maduros.

E eu não creio, homem meu irmão,
que me negues o teu olhar fraterno
e tempo de uma árvore crescer.

Se o negares como uma
que foi sem frutos,
ainda os terei como os de outra que plantei,
ou da seguinte, preciso fosse.
Esperar é comigo.


Geraldino Brasil

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1.1.13

Enrique García-Máiquez (Autobiografia)





AUTOBIOGRAFÍA



No he estado nunca solo. Siempre estuve
rodeado de amor. Tranquilamente
me dejaba querer: quiso la gente,
no sé por qué, tenerme en una nube
muy blanda de cariño. Yo flotaba
de mi madre a un amigo, de mi hermano
al recuerdo de un verso, del verano
a aquel silencio en el que Dios me hablaba.
Pero quise estar solo y ser más hondo.
Crispé los puños, apreté la boca,
y huí de los demás como una roca
que se suelta en un pozo. Y vi, en el fondo,
lo que busqué: a mí mismo, esta mirada
girando en espiral hacia la nada.


Enrique García-Máiquez


[Pisca de gente]




Nunca estive só. Estive sempre
rodeado de amor. Tranquilamente
deixava-me amar, e as pessoas quiseram,
sei lá porquê, pôr-me numa nuvem
de carinho suavíssima. Eu flutuava
da minha mãe para um amigo,
do meu irmão para a lembrança de um verso,
do Verão para aquele silêncio
em que Deus me falava.
Mas quis estar só e mais fundo.
Cerrei os punhos, apertei a boca
e fugi dos outros como uma pedra
que se joga num poço. E vi, lá no fundo,
aquilo que procurava, eu mesmo, este olhar
rodando em espiral para o nada.


(Trad. A.M.)



>>  Rayos y truenos (blogue) / Trampolink (não-blogue) / Gente del puerto (bio) / Wikipedia



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