31.5.12

Um verso (105)






Um verso de Francisco Alvim
(do outro lado do mar):




o futuro é uma boca
e doze maxilares
mastigando o tempo




Francisco Alvim

.

Gonzalo Rojas (Ao silêncio)





AL SILENCIO




Oh voz, única voz: todo el hueco del mar,
todo el hueco del mar no bastaría,
todo el hueco del cielo,
toda la cavidad de la hermosura
no bastaría para contenerte,
y aunque el hombre callara y este mundo se hundiera,
oh majestad, tú nunca,
tú nunca cesarías de estar en todas partes,
porque te sobra el tiempo y el ser, única voz,
porque estás y no estás, y casi eres mi Dios,
y casi eres mi padre cuando estoy más oscuro.


Gonzalo Rojas





Ó voz, única voz, todo o vão do mar,
todo o vão do mar não bastaria,
o vão todo do céu,
a cavidade inteira da beleza,
não bastariam para te conter
e embora o homem se calasse
e o mundo se afundasse,
ó majestade, tu jamais,
tu jamais deixarias de estar em toda a parte,
porque te sobra o tempo e o ser, única voz,
porque estás e não estás, e és quase meu Deus,
e és quase meu pai quando eu estou mais confuso.


(Trad. A.M.)

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30.5.12

Alexandre O'Neill (Amigos pensados, Manuel)






AMIGOS PENSADOS: MANUEL



Manuel sai de amador às quatro para a pesca,
passa-me à porta, faz com a tosse ponto e vírgula,
escarra como se fosse no país.

Com duzentos anzóis há quase sempre um peixe,
que nós conversamos quando, regressado,
Manuel abre a oficina e recomeça a mesa
que talvez acabe para mim.



ALEXANDRE O´NEILL
Feira Cabisbaixa
(1965)

.

29.5.12

Jorge Espina (Poesia)






POESIA



A sombra cresce alheia
à vontade do objecto,
A flor não se sabe flor.
O salgueiro não vê seu reflexo no rio.
O poema é sombra da ave
no momento em que deixa o ninho.
O poema não descreve nem explica.
O poema convoca.
Isto não é um poema.


JORGE ESPINA
Volver al pan, llegar a casa
Canalla Ediciones (2012)


(Trad. A.M.)

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28.5.12

Ver (97)







[Henri Cartier Bresson]



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Javier Salvago (Ars moriendi)






ARS MORIENDI



Escribo para llegar
serenamente al silencio,
que es el morir.
Para aprender a callar,
en paz conmigo, sin miedo,
libre, al fin.



Javier Salvago






Escrevo para chegar
serenamente ao silêncio,
que é a morte.
Para aprender a calar,
em paz comigo mesmo,
sem medo,
livre, por fim.

(Trad. A.M.)

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27.5.12

Luís Miguel Nava (Os dedos)




Os dedos com que me tocou
persistem sob a pele, onde a memória os move.
Tacteiam, impolutos. Tantas vezes
o suor os traz consigo da memória, que não tenho
na pele poro através
do qual eles não procurem
sair quando transpiro.A pele é o espelho da memória.


Luís Miguel Nava



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26.5.12

Gioconda Belli (Nova teoria do Big Bang)






NUEVA TEORÍA SOBRE EL BIG BANG




El Big Bang fue el orgasmo primigenio:
Orgasmo de los Dioses amándose en la nada.
Cada vez que te amo repito la génesis universal
protones y neutrones, neutrinos y fotones
saltan de mi encendidos a crear nuevos mundos
centellas y meteoros se cruzan con mis gritos
te amo mientras mis pulmones crean la Vía Láctea de nuevo
y el sol vuelve a nacer redondo y amarillo de mi boca
la luna se me suelta de los dedos
Marte, Plutón, Neptuno, Venus, Saturno y sus anillos
las novas, súper novas, los agujeros negros
anillos concéntricos de galaxias innombrables
se desgajan de mis contorsiones.

Soy Gaia, soy todas las Diosas explotando.
Entre luz de centellas tu planeta de fuego
prende mis luces todas
brotan mundos cometas meteoros se hacen trizas
lluvias de estrellas danzan en el arco del éter
nace por fin la tierra sus edades de magma y cataclismos
la primera partícula de vida moviéndose en la hierba
su cilicio
y luego es el silencio
velocidad de materia que se dispersa en círculos
tus soles y mis soles se asientan en su espacio
es el frío la grandeza del tiempo
la eternidad el azul y el rojo
los sonidos, la estática
el amor insondable tu amor tierno tus manos en mi frente
las campanas a lo lejos bing bang bing bang bing bang
bing bang
Big Bang.


Gioconda Belli


[La canción de la sirena]





O Big Bang foi o orgasmo primitivo:
Orgasmo dos deuses amando-se no nada.
Cada vez que te amo repito a génese universal
protões e neutrões, neutrinos e fotões
saltam de mim em chama para criar novos mundos
centelhas e meteoros cruzam com meus gritos
amo-te e meus pulmões criam de novo a Via Láctea
e o sol volta a nascer da minha boca redondo e amarelo
a lua solta-se-me dos dedos
Marte, Plutão, Neptuno, Vénus, Saturno e seus anéis
as novas, super-novas, buracos negros,
anéis concêntricos de incontáveis galáxias
partem-se das minhas contorsões.

Sou Gaia, sou todas as Deusas explodindo.
Entre luz de centelhas teu planeta de fogo
prende-me as luzes todas
brotam mundos e cometas e meteoros fazem-se em cacos
chuvas de estrelas dançam no arco do éter
nasce a terra por fim suas eras de magma e cataclismos
a primeira partícula de vida a mover-se no chão
seu cilício
e depois é o silêncio
matéria veloz que se dispersa em círculos
teus sóis e meus sóis assentam no seu espaço
é o frio a grandeza do tempo
a eternidade o azul e o vermelho
os sons, a estática
o amor insondável, teu amor terno,
tuas mãos na minha fronte
os sinos ao longe bing bang bing bang bing bang
bing bang
Big Bang


(Trad. A.M.)

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25.5.12

Camilo Castelo Branco (A minha galante costureira)






Nada de consequências intempestivas!

Eu não autorizo ninguém a lamentar primeiro que eu a minha galante costureira da Rua dos Arménios.

É tão linda!

Mal diria João Antunes da Mota, por alcunha o Kágado, quarenta e cinco anos antes, que aquele saguão infecto deveria ser habitado pela cara mais fragrante, mais engraçada, mais travessa, mais inteligente que eu tenho na minha galeria de mulheres, cuja imortalidade está a meu cargo!

O capítulo seguinte pode lê-lo toda a gente.




- CAMILO CASTELO BRANCO, Onde está a felicidade?, VI.

.

Pablo Casares (No Tánger Café)






EN EL TÁNGER CAFÉ




Como dos
horizontes
enfrentados
nos miramos
extraños.


Pago el café
y salgo tan rápido
que olvido
dejar al camarero
mil lágrimas
de propina.


Pablo Casares






Como dois
horizontes
afrontados
olhamo-nos
estranhos.


Pago o café
e saio tão depressa
que me esquece
deixar ao empregado
mil lágrimas
de gorjeta.


(Trad. A.M.)



>>  Nodo50 (4p) / Las afinidades electivas (3p)


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24.5.12

Russell Edson (O piloto)






THE PILOT



Up in a dirty window in a dark room is a star
which an old man can see. He looks at it. He can see it.
It is the star of the room; an electrical freckle that has
fallen out of his head and gotten stuck in the dirt on the window.
He thinks he can steer by that star. He thinks he can use the back
of a chair as a ship’s wheel to pilot his room through the night.
He says to himself, brave Captain, are you afraid?
Yes, I am afraid; I am not so brave.
Be brave, my Captain.
And all night the old man steers his room through the dark…


Russell Edson






Lá em cima, um quarto escuro, uma janela suja, há uma estrela
que um velho consegue ver. Olha para ela. Consegue vê-la.
É a estrela do quarto; uma peça eléctrica que
lhe tombou da cabeça, cravando-se no sujo da janela..
Ele acha que pode guiar-se pela estrela. Que pode usar as costas
da cadeira como o timão dum barco para pilotar o quarto noite fora.
Diz para si próprio, ó bravo Comandante, estás com medo?
Sim, estou; não sou lá muito bravo.
Coragem, Comandante.
E toda a noite o velho tripula o quarto através do escuro...


(Trad. A.M.)

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23.5.12

Gabriel Celaya (Meditação)






MEDITACIÓN





Si es verdad que existo y que me llamo Rafael;
si es verdad que estoy aquí
y que esto es una mesa;
si es verdad que soy algo más que una piedra oscura entre ortigas,
algo más que una áspera piedra en el fondo de un pozo.


Si verdaderamente es real esta extraña claridad violeta de la tarde,
si esos grises y malvas son casas y nubes;
si verdaderamente no es un sonámbulo ese hombre que pasa por la calle;
si es real este silencio que sube y baja entre el misterio y la vida;
si es verdad que existo y que me llamo Rafael,
y que soy algo más que una planta de carne;
si verdaderamente las cosas existen,
y yo también existo,
y mi pensamiento existe;
si verdaderamente esta dulce tarde con olor a magnolias es algo real;
si es también real este temblor de infinito que siento latir dentro de mí;
si verdaderamente me llamo Rafael y existo y pienso;
si verdaderamente el mundo vive en una atmósfera densa de pensamientos desconocidos y eternos;
si verdaderamente es así,
¡oh, gracias, gracias por todo!



Gabriel Celaya





Se é verdade que eu existo e me chamo Rafael;
se é verdade estar aqui
e isto ser uma mesa;
se é verdade ser algo mais que uma pedra escura entre ortigas,
algo mais que pedra áspera no fundo de um poço.


Se verdadeiramente é real esta estranha luz violeta da tarde,
se esses cinzas e malvas são casas e nuvens;
se não é de verdade sonâmbulo esse homem que passa na rua;
se é real este silêncio que sobe desce entre o mistério e a vida;
se é verdade que existo e me chamo Rafael
e sou algo mais que uma planta de carne;
se verdadeiramente as coisas existem,
e eu existo também
e meu pensamento existe;
se verdadeiramente esta doce tarde cheirando a magnólia é algo real;
se é real também este tremor de infinito que sinto latir em mim;
se verdadeiramente me chamo Rafael e existo e penso;
se verdadeiramente o mundo vive uma atmosfera densa de pensamentos eternos e desconhecidos;
se verdadeiramente é assim,
oh, graças, graças por tudo!


(Trad. A.M.)

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22.5.12

Olhar (113)







(Doiro)



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Felipe Benítez Reyes (A bala de prata)






LA BALA DE PLATA




Es la última. Las demás las he ido regalando
a tipos como yo. Una leyenda
he mandado grabar a su través:
“Soy dueña de una vida”.
Mis familiares piensan que es sólo un amuleto.


Algún día, esa cosa minúscula
sabría acabar con todo. Y es curioso
que algo tan insignificante
me pueda trasladar a los infiernos.


Felipe Benítez Reyes


[Neorrabioso]





É a última. As outras fui-as oferecendo
a tipos como eu. Mandei-lhe pôr
uma legenda atravessada:
“Eu sou dona de uma vida”.
Minha família pensa que é só um amuleto.


Um dia, essa coisa minúscula
vai acabar com tudo. E é curioso
que algo tão insignificante
me possa transladar para o inferno.


(Trad. A.M.)

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21.5.12

Francisco Alvim (Com ansiedade)






COM ANSIEDADE




Os dias passam ao lado
o sol passa ao lado
de quem desceu as escadas



Nas varandas tremula
o azul de um céu redondo, distante



Quem tem janelas
que fique a espiar o mundo



Francisco Alvim




>>  AntonioMiranda (10p) / CompanhiadasLetras (12p> O metro nenhum-2011)



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20.5.12

Josep Palau (Despedida)






DESPEDIDA



Ya no sé escribir, ya no sé escribir más.
La tinta me embadurna los dedos, las venas…
–He dejado en el papel toda la sangre.

¿Dónde podré decir, dónde podré dejar dicho, dónde
podré inscribir la pulpa del fruto de oro sino en el fruto,
la tempestad en la sangre sino en la sangre,
el árbol y el viento sino en el viento de un árbol?

¿Dónde podré decir la muerte sino en mi muerte,
muriéndome?
Lo demás son palabras…
No sabré ya escribir nada mejor.
Demasiado cerca de la vida vivo.
Las palabras se me mueren dentro
y yo vivo en las cosas.


JOSEP PALAU I FABRE
Poemes de l'Alquimiste
Barcelona (2008)

(Versão Jonio González)



[Otra iglesia es imposible]







Não sei já escrever, já não sei escrever mais.
A tinta suja-me os dedos, as veias...
- Todo o sangue ficou no papel.

Onde poderei dizer, onde poderei deixar dito, onde
poderei inscrever a polpa do fruto de ouro senão no fruto,
a tempestade no sangue senão no sangue,
o vento e a árvore senão no vento da árvore?

Onde poderei dizer a morte senão em minha morte,
morrendo?
O resto são palavras...
Não saberei escrever já nada melhor.
Demasiado perto da vida eu vivo.
As palavras morrem-me cá dentro e eu vivo nas coisas.


(Trad. A.M.)


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19.5.12

Carlos Drummond de Andrade (Cortesia)






CORTESIA




Mil novecentos e pouco.
Se passava alguém na rua
sem lhe tirar o chapéu
Seu Inacinho lá do alto
de suas cãs e fenestra
murmurava desolado
― Este mundo está perdido!
Agora que ninguém porta
nem lembrança de chapéu
e nada mais tem sentido,
que sorte Seu Inacinho
já ter ido para o céu.




Carlos Drummond de Andrade



[Alguma poesia]


.

Federico García Lorca (Canção do cavaleiro)






CANCIÓN DEL JINETE




Córdoba.
Lejana y sola.


Jaca negra, luna grande,
y aceitunas en mi alforja.
Aunque sepa los caminos
yo nunca llegaré a Córdoba.


Por el llano, por el viento,
jaca negra, luna roja.
La muerte me está mirando
desde las torres de Córdoba.


¡Ay qué camino tan largo!
¡Ay mi jaca valerosa!
¡Ay que la muerte me espera,
antes de llegar a Córdoba!


Córdoba.
Lejana y sola.



Federico García Lorca





Córdoba.
Tão longe e tão só.


Mula negra, lua grande
azeitonas em meu alforge.
Embora saiba o caminho
nunca vou chegar a Córdova.


Pelo plaino, com o vento,
mula negra, lua vermelha.
A morte me está olhando
lá das torres de Córdova.


Ai que caminho comprido!
Ai minha mula valente!
Ai a morte que me espera,
antes de chegar a Córdova!


Córdova.
Tão longe e tão só.



(Trad. A.M.)

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18.5.12

Ibne Sara (Serra Nevada)






SERRA NEVADA





Podeis esquecer a oração
E provar do vinho proibido:
Antes o fogo cruel da danação,
Menos atroz que a Serra Nevada,
Pois consola o pecador arrependido;
Antes as fornalhas do Inferno
Que o agreste de uma tal nortada.
Sem vã soberba daquilo que vos digo
Repetirei o dito do poeta antigo:
Se um dia cair nas penas do Inferno
Isso para mim será quase nada
Desde que aconteça em frio Inverno.


Ibne Sara


(Trad. Adalberto Alves)


[Silva]

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17.5.12

José María Parreño (Cualquier senda)






Cualquier senda
conduce
o extravía
al que no sabe
dónde va.



José María Parreño




>>  A media voz (13p) / El placard (10p)


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16.5.12

Camilo Castelo Branco (O que fez ao dinheiro)






O leitor não quer que lhe moralizem os sucessos, porque, bendito seja o Senhor, não lhe falta bom juízo próprio para moralizá-los.

Aqui o que precisa saber-se, e quanto antes, é o que fez Augusta daquele dinheiro e daqueles brilhantes.

A curiosidade é justa, até porque eu, distinto mexeriqueiro destas trapalhadas humanas, a primeira coisa que perguntei quando me contaram esta história foi justamente o que a moça fez ao dinheiro,




- CAMILO CASTELO BRANCO, Onde está a felicidade?, XXVII.

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Fernando Ortiz (Resumo)






RESUMEN




De qué valdrán las verdades
que nos enseñan los años
si no le sirven a nadie.



Fernando Ortiz




De que valerão as verdades
que nos ensinam os anos
se não servem a ninguém.



(Trad. A.M.)

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15.5.12

José Carlos Ary dos Santos (Estrela da tarde)






ESTRELA DA TARDE




Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia


Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia


Meu amor, meu amor, minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor, eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor, eu não tenho a certeza


Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram


Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram


Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto


Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!



José Carlos Ary dos Santos




> Estrela da tarde (Carlos do Carmo)


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14.5.12

Federico Díaz-Granados (Os adeuses)






LOS ADIOSES



Hubiera podido obsequiarte
aquel cine donde vimos
Notting Hill y American Beauty.


Hubiera querido regalarte los hoteles donde nos escondimos
Me hubiera gustado ser el dueño del café en que nos despedimos
Donde escuchamos tantas canciones que hoy son un soundtrack de nuestras vidas.


Y fui ventana donde se estrellaron pájaros
Y el sol me calentó como campanas de bronce de una gótica catedral
Como ángeles que buscan en los escombros restos de su vuelo
Y la luz más allá del paraíso.


Y no hubo obsequios
Y puse el cielo sobre tu cuerpo y lo volviste viento
Y puse el viento sobre tus ojos y lo volviste sueño
Puse sueño en tu silencio
Y lo volviste noche
Y esta noche no hay cielo, viento y sueño
Que conviertan mi corazón
En una luz donde retorne el amor.


Y es por este amor lejano y verdadero
Que las palabras tienen música sobre el papel que nadie canta
Como quien golpea durante horas una casa vacía
Como quien patea latas vacías en el corazón.



Federico Díaz-Granados







Podia ter-te oferecido
aquele cinema onde vimos
Notting Hill e American Beauty.


Queria oferecer-te os hotéis onde nos escondemos
Gostava de ter sido dono do café onde nos despedimos
Onde escutámos tantas canções, hoje o soundtrack das nossas vidas.


E fui janela onde se esmagaram pássaros
E me aqueceu o sol como sinos de bronze duma catedral gótica
Como anjos buscando nos escombros restos do seu voo
E a luz para além do paraíso.


E fora de obséquios
Pus o céu em teu corpo, fizeste-lo vento
Pus o vento em teus olhos, fizeste-lo sonho
Pus sonho em teu silêncio
E fizeste-lo noite
E esta noite não há céu, vento, nem sonho
Que façam de meu coração
Uma luz de que retorne o amor.


E é por este amor distante e verdadeiro
Que as palavras têm música no papel que ninguém canta
Como quem bate durante horas a uma casa vazia
Ou chuta latas vazias lá dentro do coração.



(Trad. A.M.)

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13.5.12

Ver (96)







[Fan Ho]



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Eva Vaz (O coração de Lázaro)






EL CORAZÓN DE LÁZARO



Firme es esta voz que aúlla
con la ternura de los lobos.
Esto soy. Esto ofrezco.
No es poca cosa haber llegado a este poema.
Soy la que se levanta temprano
con el corazón de Lázaro entre las manos.

Yo soy la última canción.
Yo soy el acople.
Soy el tercer cigarro encendido con la misma cerilla.
La música sin el bar.
Soy el final.
Soy el diagnóstico.
Soy la que se levanta temprano
con el corazón de Lázaro entre las manos.

Firme es esta mirada de ojos enfangados
que sin querer tocar el cielo
llegaron a lo más alto:
llorarse con luto estético
la tragedia propia y la ajena.
Arrastrar todos los escombros.
Soy la siesta infinita de la suerte.
Soy la que se levanta temprano
con el corazón de Lázaro entre las manos.

Yo soy el libro empezado.
El último poema.
El primer verso.
La H muda.
El estertor.
Soy la que se levanta temprano
con el corazón de Lázaro entre las manos.

Soy el vértigo.
El ruido de los venenos, soy.
Soy un mapa sin leyenda.
La vértebra de menos.
La hoja roja.
Soy Eva Vaz, la pirueta de un nombre.
Soy la que se morirá aprendiendo
como se muere una.
Soy la que se levanta temprano
con el corazón de Lázaro entre las manos
y lo alimenta,
y lo envenena,
y lo consume.

Y lo ama.


Eva Vaz


[Crepusculario s.XXI]





Firme é esta voz que uiva
coma ternura dos lobos.
Isto sou. Isto ofereço.
Não é coisa pouca ter chegado a este poema.
Sou a que cedo se levanta
com o coração de Lázaro entre mãos.

Eu sou a última canção.
Eu sou o encaixe.
Sou o terceiro cigarro acendido com o mesmo fósforo.
A música sem o bar.
Sou o final.
Sou o diagnóstico.
Sou a que cedo se levanta
com o coração de Lázaro entre mãos.

Firme este olhar de olhos enlameados
que sem querer tocar o céu
chegaram ao mais alto,
de chorar com luto estético
a tragédia própria e a alheia.
Arrastar os escombros todos.
Eu sou a sesta infinita da sorte.
Sou a que cedo se levanta
com o coração de Lázaro entre mãos.

Eu sou o livro começado.
O último poema.
O primeiro verso.
O H mudo.
O estertor.
Sou a que cedo se levanta
com o coração de Lázaro entre mãos.

Sou a vertigem.
O rumor dos venenos sou.
Sou um mapa sem legenda.
A vértebra a menos.
A folha encarnada.
Sou Eva Vaz, a pirueta dum nome.
Sou a que há-de morrer aprendendo
como é que a gente morre.
Sou a que cedo se levanta
com o coração de Lázaro entre mãos,
e alimenta-o,
e envenena-o,
e traga-o.

E ama-o.


(Trad. A.M.)

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12.5.12

Dana Gioia (Palavras)






WORDS



The world does not need words. It articulates itself
in sunlight, leaves, and shadows. The stones on the path
are no less real for lying uncatalogued and uncounted.
The fluent leaves speak only the dialect of pure being.
The kiss is still fully itself though no words were spoken.


And one word transforms it into something less or other
- illicit, chaste, perfunctory, conjugal, covert.
Even calling it a kiss betrays the fluster of hands
glancing the skin or gripping a shoulder, the slow
arching of neck or knee, the silent touching of tongues.


Yet the stones remain less real to those who cannot
name them, or read the mute syllables graven in silica.
To see a red stone is less than seeing it as jasper
- metamorphic quartz, cousin to the flint the Kiowa
carved as arrowheads. To name is to know and remember.


The sunlight needs no praise piercing the rainclouds,
painting the rocks and leaves with light, then dissolving
each lucent droplet back into the clouds that engendered it.
The daylight needs no praise, and so we praise it always—
greater than ourselves and all the airy words we summon.



DANA GIOIA
Interrogations at Noon
(2001)





O mundo não precisa de palavras. Fala
por raios de sol, por folhas, por sombras. As pedras do caminho
não são menos reais por jazerem sem conta nem inventário.
As folhas falam desenvoltas a língua do ser e nada mais.
Um beijo é um beijo inteiro apesar de não haver palavras.



E uma palavra torna-o em algo menos ou em outra coisa
- ilícito, casto, ligeiro, conjugal, encoberto.
Mesmo o chamá-lo beijo denuncia a ânsia das mãos
tacteando a pele ou apertando um ombro, a curva
lenta do pescoço ou joelho, o toque silente das línguas.



As pedras contudo são menos reais para quem não sabe
nomeá-las, nem ler as mudas sílabas inscritas na sílica.
Ver uma pedra vermelha é menos do que vê-la como jaspe
- quartzo metamórfico, parente do sílex que os Kiowa
usavam como pontas de seta. Nomear é conhecer e recordar.



A luz do sol não carece de louvores para furar as nuvens,
ou pintar de luz as rochas e as folhas e depois dissolver
cada gota lucente nas nuvens que a geraram.
A luz do dia não carece de louvores, mas nós louvamo-la sempre
- é maior do que nós e do que as leves palavras que juntamos.



(Trad. A.M.)



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11.5.12

Pedro Sevilla (Desolação)






DESOLACIÓN




Estos días amargos -hablo en serio-
cuando el dolor asfixia y uno quiere morir
para no ver los dientes a la vida,
cuando ni la ironía es un arma certera
ni el vino trae olvidos,
yo pagaría oro, vendería mi alma,
por volverme otra vez
niño de calzón corto saliendo de la escuela
camino de los brazos de mi madre.



Pedro Sevilla




Estes dias amargos – falo a sério –
quando a dor asfixia e desejamos morrer
para não ver os dentes à vida,
quando nem a ironia é uma arma certeira
nem o vinho traz o esquecimento,
eu daria ouro, venderia a alma,
para tornar-me outra vez
menino de calções a sair da escola
direito aos braços de minha mãe.



(Trad. A.M.)




>>  Poesia salvaje (4p) / Facebook / Wikipedia


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10.5.12

Camilo Castelo Branco (O desastre da ponte das barcas)





(Morrera um grande maroto...)





A enxurrada chegara à ponte.

Todos sabem como aí se fizeram três mil cadáveres.

Os alçapões estavam abertos, por descuido ou por traição.

A multidão entulhou as barcas: o peso quebrou as entenas estrondosamente; as fauces do abismo engoliram massas com pactas, jorros de centenares de corpos, famílias vinculadas no derradeiro abraço.

Se da aglomeração de gritos pôde ouvir-se distinto um rugido inimitável, esse rugido foi de João Antunes da Mota.

Morrera um grande maroto; mas a espécie não se perdeu.



- CAMILO CASTELO BRANCO, Onde está a felicidade?, prólogo.



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Jorge Boccanera (Evento VIII)






SUCESO VIII




a veces soy la voz del otro lado del teléfono
a veces un aliento
una ciudad enorme donde te encuentro a veces
por supuesto una fecha
un saludo que cruza el cielo velozmente
dos ojos que te miran
un café que te espera después de la llovizna
una fotografía una mano en tu mano
desesperadamente una canción etcétera

y siempre o casi siempre
nomás ese silencio
donde solés colgar tus prendas íntimas.


Jorge Boccanera




às vezes sou a voz do outro lado do telefone
às vezes um sopro
uma cidade enorme onde te encontro às vezes
é claro uma data
uma saudação que risca o céu velozmente
dois olhos que te olham
um café que te espera depois da chuva
uma fotografia uma mão na tua mão
desesperadamente uma canção, etc

e sempre ou quase sempre
esse silêncio nem mais
onde costumas pendurar a tua roupa íntima.


(Trad. A.M.)

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9.5.12

Rui Pires Cabral (O fim da aventura)






O FIM DA AVENTURA




À tarde sento-me no jardim do bairro
onde os lódãos acolhem melros
e enchem de sementes as inférteis
alamedas de alcatrão.


É o primeiro domingo sem ti,
em tudo igual aos outros domingos:
ruas despovoadas, grades nas montras
escuras, um pacato mundo de vizinhos
temporariamente ausentes.


Deixo-me ficar ao frio um bom bocado,
distraído pelo fútil desejo de ser
o próximo estranho que atravesse
a rua, de não ter sequer o abrigo
dum nome.


E, de súbito, ei-la que regressa,
após meses de remanso em parte
incerta: conjurei a sombra azeda
que me sussurra ao ouvido.


Cá está ela, sim, íngreme
e sedenta.


A poesia.


Rui Pires Cabral


[O poema que hoje partilharia com vocês]

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8.5.12

Eugenio Montejo (Setembro)






SETIEMBRE





Mira setiembre nada se ha perdido
con fiarnos de las hojas.
La juventud vino y se fue, los árboles no se movieron.
El hermano al morir te quemó en llanto
pero el sol continúa.
La casa fue derrumbada, no su recuerdo.
Mira setiembre con su pala al hombro
cómo arrastra hojas secas.


La vida vale más que la vida, sólo eso cuenta.
Nadie nos preguntó para nacer,
¿qué sabían nuestros padres? ¿Los suyos qué supieron?
Ningún dolor les ahorró sombra y sin embargo
se mezclaron al tiempo terrestre.
Los árboles saben menos que nosotros
y aún no se vuelven.
La tierra va más sola ahora sin dioses
pero nunca blasfema.
Mira setiembre cómo te abre el bosque
y sobrepasa tu deseo.
Abre tus manos, llénalas con estas lentas hojas,
no dejes que una sola se te pierda.



Eugenio Montejo





Olha Setembro não se perdeu nada
com fiar-nos nas folhas.
A juventude veio e foi-se, e as árvores não se mexeram.
Teu irmão ao morrer queimou-te em pranto
mas o sol continua.
A casa foi derrubada, não a sua lembrança.
Olha Setembro com sua pá ao ombro
como arrasta folhas secas.


A vida vale mais do que a vida, só isso conta.
Ninguém nos perguntou para nascer,
nossos pais que sabiam? E os deles que souberam?
Nenhuma dor lhes evitou sombra e todavia
juntaram-se ao tempo terrestre.
As árvores sabem menos do que nós
e não se voltam ainda.
A terra gira mais só agora sem deuses
mas nunca blasfema.
Olha Setembro como te abre o bosque
e excede o teu desejo.
Abre as mãos, enche-as destas folhas lentas,
não deixes que uma só se te perca.


(Trad. A.M.)

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7.5.12

Olhar (112)







Granada (La Alhambra)




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Eloy Sánchez Rosillo (Depois da festa)







DEPOIS DA FESTA




Em quantas ocasiões disseste para ti que a vida
te não tratou mal, que, no fim de contas,
és um homem de sorte.
Mas,
para quê enganar-se. Deixa-te de histórias.
Esta noite não podes consolar-te
dizendo-te o mesmo que das outras vezes
- com não pouco optimismo – disseste.
Alguém que não tu saiu com ela
quando a festa acabou.
Faz frio
nas ruas da cidade desertas. E voltas
para casa de madrugada. E estás só.



ELOY SÁNCHEZ ROSILLO
Autorretratos
Barcelona (1989)



(Trad. A.M.)

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6.5.12

Rui Knopfli (Uniforme de poeta)






UNIFORME DE POETA




Ajustei minha cabeleira longa,
coloquei-lhe ao de cima meu
chapéu de coco em fibra sintética,
sacudi a densa poeira das asas encardidas
e, dependurada a lira a tiracolo,
saio para a rua
em grande uniforme de poeta.
Tremei guardas-marinhas,
alferes do activo em
situação de disponibilidade:
meu ridículo hoje suplanta
o vosso e nele se enleia e perturba
o suspiro longo das meninas
romântico-calculistas.



Rui Knopfli

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5.5.12

Eduardo Errasti (Radiografia)






RADIOGRAFÍA



La tarjeta de un videoclub
y la de la Seguridad Social.
Dos entradas (siempre me ha gustado
la última fila de los cines).
Un carnet de identidad
con la foto borrosa de alguien
a quien me cuesta reconocer a veces.
Mi Número de Identificación
Fiscal. Trozos de papel con frases
que pudieron haberme llevado
a la gloria aunque ya no me importe
(he perdido demasiados trenes).
Teléfonos de amigos a los que no llamaré
nunca, estoy seguro. Direcciones.
Un par de calendarios atrasados.
Mi cartilla del paro (he de ir
cada tres meses al mercado de esclavos.
Algún día nos pedirán que enseñemos
los dientes). Cuatro décimos de lotería
que no me sacarán de la miseria
(la estadística casi siempre ha jugado
en mi contra). Ni un céntimo.
Muchas noches, cuando estás dormida,
me pregunto ¿Por qué sigues conmigo...?


Eduardo Errasti



[República del papel]




O cartão do video-clube
e o da Segurança Social.
Duas entradas (sempre gostei
do cinema na última fila).
Um bilhete de identidade
coma foto esbatida de alguém
que às vezes me custa reconhecer.
O meu Número de identificação
Fiscal. Bocados de papel com frases
que me podiam ter levado à glória
embora já não me importe
(perdi demasiados comboios).
Telefones de amigos que jamais
chamarei, tenho a certeza. Direcções.
Um par de calendários atrasados.
O papel do desemprego (tenho de ir
cada três meses ao mercado de escravos.
Um dia vão-nos pedir para mostrar
os dentes). Quatro cautelas de lotaria
que não me arrancarão à miséria
(quase sempre a estatística jogou
contra mim). Nem um cêntimo.
Muitas noites, quando estás a dormir,
pergunto a mim mesmo:
Porque é que continuas comigo...?



(Trad. A.M.)

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4.5.12

Ver (95)






[Fan Ho]



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David González (Poética)






POÉTICA




escribo a mano:
igual que si cavase
mi propia tumba


David González


[Crepusculario s.XXI]




escrevo à mão,
tal como se cavasse
a minha própria sepultura


(Trad. A.M.)

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3.5.12

Pedro Mexia (Depois de ti)






DEPOIS DE TI





Depois de ti
o dilúvio: esgotaram-se as imagens
e não posso mudar o que diziam:


há um esvaziamento, uma degradação,
que em pouco tempo tornam
o real absoluto no real possível:


e nunca mais hei-de sentir o mundo
tão alto como os versos e não o contrário,
e nunca mais poderei dizer a ninguém:


os teus olhos são tão belos como os teus olhos.


Pedro Mexia


[Poedia]


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2.5.12

Dante Medina (Carta dum não repeso)






CARTA DEL QUE TODAVÍA NO SE ARREPIENTE




Dios:
Soy malo con mi mujer
¿qué hago?


No te escribo para que de un toque
milagroso
me conviertas en santo.



Nomás quítame las ganas
de pegarle a mi mujer.


Es todo lo que pido
y es mucho.
Porque, ¿sabes?, me encanta pegarle.
A veces ya mejor la mando
para la iglesia
para que se refugie
de los golpes
que de todas maneras le he de dar
por vida de Dios!


Pero con tu ayuda, Diosito,
ya se me van a quitar las ganas de pegarle.
Por favor,
a vuelta de correo,
dime cómo.



Te prometo que te lo voy a tomar a milagro.


Dante Medina



[Azuldemar]




Deus:
Sou mau com minha mulher
que é que eu hei-de fazer?


Não te escrevo para tu
por milagre
me converteres em santo.


Tira-me é a vontade
de maltratar minha mulher.



É tudo o que te peço
e não é pouco.
Porque, sabes, adoro maltratá-la.
Às vezes já melhor mando-a
para a igreja
para se proteger
das pancadas
que lhe hei-de dar
por amor de Deus!


Mas com a tua ajuda, Deusinho,
vou certamente perder a vontade de maltratá-la.
Por favor,
diz-me como,
na volta do correio.


Prometo até tomar-to como milagre.



(Trad. A.M.)


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