31.3.12

Luís de Camões (Erros meus, má fortuna)






Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.


Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.


Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.


De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!



Luís de Camões

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30.3.12

Ángel Petisme (Nos lábios duma puta)






EN LOS LABIOS DE UNA PUTA





A los verdugos, decía Jean Paul Sartre,
es fácil reconocerlos: tienen cara de miedo.
A los funcionarios el reloj, pasadas las tres,
les chorrea por la muñeca como Blandi-blub.
El miedo, los funcionarios, los artistas:
el mismo material de construcción.

Nietzsche mató a Dios,
Lou Andreas Salomé, después del clímax,
acabó con Nietzsche y de paso con Rilke.
Fausto devoró a Goethe,
pero ahí siguen la Pepsi y la Cocacola.

Vivimos rodeados de ventanas:
hablamos con ciberfontaneros australianos
y nos comemos los huevos sin sal
porque no conocemos al vecino de enfrente.

A los artistas es fácil reconocerlos,
tienen cara de verdugo…
Cuantos más conozco
más entiendo a las putas:
al menos ellas no se dejan besar
en los labios; guardan ahí su “pan de higos”,
su salvación, su pureza de oficio antiguo.

En los labios de una puta duerme el Fuego,
descansa tu Dignidad.



Angel Petisme





Os carrascos, dizia Jean Paul Sartre,
é fácil reconhecê-los, têm cara de medo.
O relógio aos funcionários, depois das três,
espirra-lhes do pulso como Blandi-blub.
O medo, os funcionários, os artistas,
a mesma matéria de construção.


Nietzsche matou Deus,
Lou Andreas Salomé, depois do clímax,
acabou com Nietzsche e na passada com Rilke.
Fausto devorou Goethe,
mas a Pepsi e a Coca-Cola continuam aí.


Vivemos rodeados de janelas:
falamos com ciber-picheleiros australianos
e comemos os ovos sem sal
porque não conhecemos o vizinho da frente.


Os artistas é fácil reconhecê-los,
têm cara de carrasco...
Quantos mais conheço
mais entendo as putas:
ao menos elas não deixam beijar
na boca, aí guardam seu “pão de figo”,
a salvação, a pureza de ofício antigo.


Nos lábios de uma puta dorme o Fogo,
repousa a Dignidade.



(Trad. A.M.)

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29.3.12

Ver (92)






(Alfred Stieglitz)


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Ángel González (Morte no olvido)






MUERTE EN EL OLVIDO




Yo sé que existo
porque tu me imaginas.
Soy alto porque tú me crees
alto, y limpio porque tú me miras
con buenos ojos,
con mirada limpia.
Tu pensamiento me hace
inteligente, y en tu sencilla
ternura, yo soy también sencillo
y bondadoso.
Pero si tú me olvidas
quedaré muerto sin que nadie
lo sepa. Verán viva
mi carne, pero será otro hombre
- oscuro, torpe, malo - el que la habita...



Ángel González







Eu sei que existo
porque tu me imaginas.
Sou alto porque tu me crês
alto e limpo porque tu me olhas
com bons olhos,
com olhar limpo.
O teu pensamento faz-me
inteligente e em tua singela ternura
eu sou também singelo
e bondoso.
Mas se me esqueceres
ficarei morto sem ninguém
saber. Minha carne
verão viva, mas será outro homem
- obscuro, torpe, mau – a habitá-la…



(Trad. A.M.)

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28.3.12

Fernando Pessoa / A. Campos (Ora porra)






Ora porra!
Então a imprensa portuguesa é
que é a imprensa portuguesa?
Então é esta merda que temos
que beber com os olhos?
Filhos da puta! Não, que nem
há puta que os parisse.




Álvaro de Campos

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27.3.12

Eva Vaz (Para gritar)






PARA GRITAR



Mi madre siempre deseó
una parcela en el campo:
"Descansar
es invertir en calidad de
vida".

Para su último hogar
improvisó un alquiler
de cinco años y flores de
plástico.

La muerte también tiene
fecha de caducidad.

Ha vencido el alquiler
y mi padre le ha comprado
su propia parcela en el campo,
en el pueblo.

La muerte también entiende
de clases.

Vuelven a encontrarse,
por arte del negocio inmobiliario.
Su última cita,
en el paraíso del cementerio municipal:
mi padre asiste al siniestro desnudo
de huesos desordenados.
Y el anillo de matrimonio.

Su esposa, mi madre,
en una paz brutal como nunca tuvo.
Todo en una bolsa de plástico.
Sin más mística:
el espanto en una bolsa de basura.

Mi padre volvió a sentar
a su amante
en el asiento del copiloto.
Con cariño. Con la tragedia
instalada en el volante.
Con arcadas. Con amor.

Depositó la bolsa,
como el que regresa del supermercado,
en la propiedad,
en una bolsa de basura
de plástico.
Tantas bocas viven
de la muerte.
Hasta mi poema vive de la muerte.
Mi ego liba de tu muerte.

Perdóname,
mamá,
has tenido una nieta.


Eva Vaz


[Crepusculario siglo XXI]





Minha mãe sempre quis
ter um lote no campo:
“Descansar
é investir em qualidade
de vida”.

Para lar derradeiro
arranjou um aluguer
de cinco anos e flores
de plástico.

Também a morte tem
prazo de caducidade.

No fim do contrato
o meu pai comprou-lhe
o seu próprio lote no campo,
na aldeia.

A morte também entende
de classes.

Voltam a encontrar-se,
por artes do negócio imobiliário.
Seu último encontro,
no paraíso do cemitério municipal:
meu pau assiste à mostra sinistra
de ossos desordenados.
E do anel de casamento.

Sua esposa, minha mãe,
numa paz brutal como nunca teve.
Tudo num saco de plástico.
Sem mais mística:
o espanto dentro de um saco de lixo.

Meu pai voltou a sentar
a amante
no lugar do co-piloto.
Com carinho. Com a tragédia
instalada ao volante.
Com náusea. Com amor.

Pôs o saco,
como quem vem do supermercado,
no terreno,
dentro dum saco de lixo
de plástico.
Quantas bocas
se alimentam da morte.
Até meu poema se alimenta da morte.
Meu ego liba da tua morte.

Perdão,
mamã,
tiveste uma neta.


(Trad. A.M.)

.

26.3.12

Camilo Castelo Branco (Anátema-Vocabulário)








apelo eu - expressão de discordância, ainda corrente nos Açores, usada por Nemésio

de boamente - de bom modo, de bom grado

eu estou que - eu acho, penso, calculo

há migalhinha - há pouquinho

mal o haja eu - Aquilino grafa 'malo haja' (ant. 'bem haja')

quer não - interj. discordância

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Ángel Crespo (As sombras vão caindo)






Las sombras van cayendo como un regalo de los dioses,
el más generoso, pues son
de sus incorruptibles cuerpos y de sus almas
inmortales imagen; y no
nos piden nada a cambio de este espejo
en el que todo encuentra su unidad
de nuevo, es otra vez, y cada vez,
como un latido hecho de movimiento y de quietud,
el puro pensamiento que se esconde
de sí mismo, acosado por la luz.



Ángel Crespo






As sombras vão caindo como um presente dos deuses,
o mais generoso, imagem que são
de seus corpos incorruptos
e suas almas imortais; e nada
nos pedem em troca deste espelho
onde tudo encontra de novo sua unidade,
é outra vez e cada vez,
como um latejo de quietude e movimento,
puro pensamento que se esconde
de si mesmo, acossado pela luz.


(Trad. A.M.)

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25.3.12

José Miguel Silva (Eucaliptal)






EUCALIPTAL




Quem regressa a Portugal regressa ao medo
de falar sem alçapões de protecção
conventual, ao respeitinho pelos títulos
de borra, à timidez de protestar nas oficinas,
nos empregos, nos polés, nos hospitais.

Volta ao gozo bichaneiro da franqueza
pelas costas, ao bitate regougado
pela incúria, ao leve gás do palavrão
desopilante, pusilânime, vendado,
ao complacente desamor da liberdade.

Regressar a Portugal é regressar
ao desapego por direitos e deveres,
à indiferença pela história colectiva,
pelo que quer que sobrepuje o cá-se-vai
dum comodismo sem coragem nem prazer.

É regressar a horizontes de betão
e eucalipto, a frustrados atoleiros
de automóveis à deriva, ao fanico
de salários sobrevivos, mordaçantes,
ao cajado da lisonja e da preguiça.

Quem regressa a Portugal, regressa ao tempo,
sobretudo, da infância, que o lugar
já foi levado (não me canso de o dizer,
nem me conformo) pelo tufão da mais-valia
predial. Mas se o tempo da infância

cabe inteiro na memória, quem regressa
a Portugal, regressa a quê e para quê?


JOSÉ MIGUEL SILVA
Erros Individuais
(2010)



[Luz & sombra]


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24.3.12

Ana Montojo Micó (Troca tuas certezas)






Cámbiame tus certezas por mis dudas,
tus sólidas verdades
por mis incertidumbres gaseosas.
Tu razón absoluta
por mis contradicciones relativas,
tus frases lapidarias
por cualquier verso suelto que me sobre.


Tus ciegas convicciones
por una gota de mi escepticismo,
tu seguro de vida
por alguna sorpresa en mi futuro,
tu rígida coraza
por el amor a pecho descubierto,
tu aparente alegría
por mis noches reales de tristeza,
tu inflexible moral
quizá por el final de mis principios,
tu existencia perfecta
por lo que no aprendí de mis errores.


Pero ya me conoces
así que no lo pienses demasiado;
yo no tengo palabra
y tal vez me arrepienta del negocio.



[Poetas s.XXI]





Troca tuas certezas por minhas dúvidas,
tuas verdades sólidas
por minhas incertezas gasosas.
Tua razão absoluta
por minhas contradições relativas,
tuas frases lapidares
por um verso solto que me sobre.


Tuas cegas convicções
por uma gota do meu cepticismo,
teu seguro de vida
por alguma surpresa em meu futuro,
tua rígida couraça
pelo amor de peito descoberto,
tua aparente alegria
por minhas noites reais de tristeza,
tua moral inflexível
pelo fim talvez dos meus princípios,
tua existência perfeita
por quanto não aprendi de meus erros.


Mas já me conheces,
por isso não penses de mais;
eu não tenho palavra
e talvez me arrependa do negócio.



(Trad. A.M.)


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23.3.12

Ver (91)









Doiro/Régua/Moledo



(Rui Pires)




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Ana Pérez Cañamares (Adeuses)






ADIOSES




Decir adiós a un novio es fácil
si uno se concentra en repartir los recuerdos:
aquel CD te lo regalé yo
este libro es mío
nunca me gustó esta foto
pero el marco es una herencia de mi madre.


Pero con los amigos a la hora de romper
no hay nada para repartirse
nada que repare el daño
que simulacre la ruptura.
No hay aniversarios que llorar.
Sólo huecos, tardes de domingo
pipas que se enrancian
películas que envejecen
bromas que nadie entiende
que flotan arrastradas por el aire
como globos después de una fiesta.
A la hora de romper no hay un momento perfecto.
Las manos están en movimiento
se agarran, se sueltan
bailan juntas o por separado
se pellizcan
se enredan los dedos en las frases
en un abrazo o en un pulso.
Sólo vale un tajo inesperado
zas
y entonces yo me he quedado con dos de tus dedos
tú con dos de los míos
y no nos sirven los dedos ajenos
ni los muñones propios.


Los números de teléfono no se olvidan de un día para otro
no se vacían las piscinas
ni se agostan los veranos
y en el recuerdo las risas suenan siempre burlonas.


ANA PÉREZ CAÑAMARES
La alambrada de mi boca
Baile del Sol (2007)


[Neorrabioso]





Dizer adeus a um amor é fácil
se nos fixarmos em repartir as lembranças:
aquele CD fui eu que to dei
este livro é meu
nunca gostei desta foto
mas a moldura é herança da minha mãe.


Mas com os amigos na hora de romper
não há nada para partir
nada que repare o dano
ou que disfarce a ruptura.
Não há aniversários que chorar,
apenas buracos, tardes de domingo,
cachimbos com ranço
películas a envelhecer
piadas que ninguém entende
que bóiam arrastadas pelo ar
como balões depois duma festa.
Na hora de romper não há um momento perfeito,
as mãos movem-se
agarram-se, soltam-se
bailam juntas ou separadas
beliscam-se
enredam-se os dedos nas frases
num abraço ou num pulso.
Só dá é um corte inesperado
zás
e assim fiquei eu com dois dedos teus
tu com dois dos meus
e não nos servem nem os dedos alheios
nem os cotos próprios.


Os números de telefone não se esquecem dum dia para o outro
não se esvaziam as piscinas
nem se secam os estios
e os risos na lembrança soam sempre a fingido.


(Trad. A.M.)

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22.3.12

José Luís Peixoto (Palavras para a minha mãe)






PALAVRAS PARA A MINHA MÃE




mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.


José Luís Peixoto



[Ginjal Lisboa]

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21.3.12

Amalia Bautista (Um pátio meridional)






UN PATIO DEL SUR




Un patio, cualquier patio, en un hueco del sur,
limoneros de aroma mareante,
la luz del día que se va muriendo
indiferente, igual que cualquier día,
repitiendo ese rito
que conserva el misterio de las cosas sabidas
y temidas a un tiempo:
¿y si fuera la última esta tarde?
Bandadas de vencejos cruzan el cielo oscuro,
bordean la alta torre,
consiguen despistarme con sus vuelos erráticos
cuyo frágil destino desconozco.
Las campanas empiezan a sonar
y los vencejos fingen asustarse
con el estruendo, pero todo es juego,
y tragedia, y cabriola, y trazado de círculos
perfectos contra el gris
rojizo de agonía
del alto y ancho cielo.
El cielo ya está negro del todo. Entre las ramas
del limonero ríe y me deslumbra,
tan arriba, un lucero.



Amalia Bautista


[Noctambulario]







Um pátio, um pátio qualquer, num buraco a sul,
limoeiros de odor enjoativo,
a luz do dia morrendo indiferente,
tal como num dia qualquer,
repetindo aquele rito
que conserva o mistério das coisas sabidas
e temidas ao mesmo tempo:
e se esta tarde fosse a última?
Bandos de andorinhas cruzam o céu escuro,
bordejam a alta torre,
chegam-me a despistar com o voo errático
de que desconheço o frágil destino.
Os sinos começam a tocar
e as andorimhas fazem que se assustam com o som,
mas é só brincadeira,
e tragédia, e cabriola, e desenho de círculos perfeitos
contra o cinzento avermelhado de agonia
do altíssimo e largo céu.
O céu escureceu de todo. Lá no alto,
entre os ramos do limoeiro, deslumbra-me, rindo,
uma estrela.


(Trad. A.M.)

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20.3.12

Olhar (109)






(Primavera)



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Alejandra Pizarnik (A enamorada)






LA ENAMORADA




esta lúgubre manía de vivir
esta recóndita humorada de vivir
te arrastra alejandra no lo niegues


hoy te miraste en el espejo
y te fue triste estabas sola
la luz rugía el aire cantaba
pero tu amado no volvió


enviarás mensajes sonreirás
tremolarás tus manos así volverá
tu amado tan amado


oyes la demente sirena que lo robó
el barco con barbas de espuma
donde murieron las risas
recuerdas el último abrazo


oh nada de angustias
ríe en el pañuelo llora a carcajadas
pero cierra las puertas de tu rostro
para que no digan luego
que aquella mujer enamorada fuiste tú


te remuerden los días
te culpan las noches
te duele la vida tanto tanto
desesperada ¿adónde vas?
desesperada ¡nada más!



Alejandra Pizarnik


[La canción de la sirena]




esta lúgubre mania de viver
esse recôndito chiste de viver
arrasta-te alexandra não o negues

olhaste-te hoje no espelho
e ó tristeza estavas só
a luz bramia o ar cantava
mas teu amado não voltou

enviarás mensagens sorrirás
tremerás com as mãos assim voltará
teu amado tão amado

ouves a demente sereia que to roubou
o barco das barbas de espuma
onde morreram os risos
recordas o último abraço

oh nada de angústias
ri para o lenço chora a gargalhadas
mas fecha as portas de teu rosto
para que não digam depois
que foste tu essa mulher enamorada

remordem-te os dias
culpam-te as noites
dói-te a vida tanto tanto
desesperada aonde vais?
desesperada nada mais!



(Trad. A.M.)

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19.3.12

José Gomes Ferreira (Noite)






Noite
- vela de sombra a derreter-se
na lividez
da manhã de treva clara.


Mar.


Restos de naufrágio
com olhos e nádegas,
seios e pelos
que o vento sacode
na areia...


A inocência
às vezes parece-se com a morte.


Sonâmbula e feia.




José Gomes Ferreira


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18.3.12

Aldo Luis Novelli (Lê o jornal)






Lee el diario
pide un café
le echa edulcorante
lo revuelve
toma un sorbo
sonríe cuando Mafalda
le pregunta
-para qué lee el diario todos los días
si las noticias son siempre malas-
- para saber cuánto queda del mundo esta mañana-
le contesta.


Aldo Luis Novelli



[El alma disponible]





Lê o jornal
pede um café
põe adoçante
mexe
toma um gole
sorri quando Mafalda
lhe pergunta
-para que lê o jornal todos os dias
se as notícias são sempre más-
-para saber o que resta do mundo, de manhã-
responde.


(Trad. A.M.)

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17.3.12

Coitado do Jorge (76)






HUMANISTA





Filho duma cadela...


Eu disse, com o meu ar de morcão:
- Sabe, eu sou humanista...


E ele:
- Pois, eu é mais mulherista!



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Vicente Gallego (Quando vieres)





CUANDO VENGAS





Cuando vengas,
cuando quieras meter
tu solución opaca en mi costado,
donde se afila y duele
el hueso, el gran cobarde;
cuando un día se apague nuca adentro
la ráfaga del ser con un murmullo
de fósforo quemado y se deshagan,
polvo al aire de oro,
las alas del sentido,
¿dónde cabrá una aguja, la más fina,
la punta tan siquiera del lamento?


Lo que llaman vivir: una tal furia
como la dan de balde en este valle
convertida en arena al primer soplo.


Poco vale lo todo, la aberrante
trabazón de los mundos
que una gota disuelve de honda sombra
brotada en el cerebro.


Cuando vengas, mi muerte,
cuando se abra el párpado hasta el pánico
y de su tallo abajo caiga el ojo,
cuando llegue la hora
de la hora,
¿he de ver al trasluz
la cuarta hoja
del trébol del porqué,
o será
solamente
un irse en vano,
sin querer, sin saber,
un rodar de lo sordo
a lo más ciego,
un escueto tragarse
la lengua hasta el pulmón,
solo en lo solo?



Vicente Gallego





Quando vieres,
quando quiseres espetar-me
nas costas a tua solução opaca,
onde o osso se aguça e dói,
esse grande cobarde;
quando um dia se apagar nuca adentro
o clarão do ser com um murmúrio
de fósforo queimado e se desfizerem,
como pó no ar,
as asas do sentido,
onde caberá uma agulha, a mais fina,
a ponta tão só do lamento?


O que se chama viver, uma tal fúria
como a dão em vão neste vale
convertida em areia ao primeiro sopro.


Pouco vale tudo, a aberrante
ligação dos mundos
que uma gota dissolve de funda sombra
brotada no cérebro.


Quando vieres, morte minha,
quando abrir a pálpebra até ao pânico
e do corte cair o olho ao chão,
quando chegar a hora
da hora,
verei em contraluz
a folha quarta
do trevo do porquê,
ou será
apenas
um ir-se em vão,
sem querer, sem saber,
um rodar do surdo
ao cego,
um simples engolir
a língua até ao fundo,
só no só?


(Trad. A.M.)

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16.3.12

Murilo Mendes (Os pobres)






OS POBRES




Chegam nus, chegam famintos
À grade dos nossos olhos.
Expulsos da tempestade de fogo
Vêm de qualquer parte do mundo,
Ancoram na nossa inércia.

Precisam de olhos novos, de outras mãos,
Precisam de arados e sapatos,
De lanternas e bandas de música,
Da visão do licorne
E da comunidade com Jesus.

Os pobres nus e famintos
Nós os fizemos assim.


Murilo Mendes




>>  ABL (anto-78pp) / KlickEscritores (11p+bio+biblio) / Poemblog (66p)


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15.3.12

Rosario Castellanos (Limite)






LÍMITE




Aquí, bajo esta rama, puedes hablar de amor.

Más allá es la ley, es la necesidad,
la pista de la fuerza, el coto del terror,
el feudo del castigo.

Más allá, no.



Rosario Castellanos







Aqui, sob este ramo, podes falar de amor.

Além é a lei, é a necessidade,
a pista da força, o couto do terror,
o feudo do castigo.

Além, não.


(Trad. A.M.)

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14.3.12

Camilo Castelo Branco (Vamos fechar este capítulo)






Vamos fechar este capítulo.

- Com que lance dramático? – pergunta o leitor.

- Nenhum! – respondo eu.

E vai ele, replica:
- Porque não inventaste um encapotado, que viesse perturbar este festim, como o Mane Tacel Phares de Baltasar?

- Era uma invenção lorpa – respondo eu.

- Pois não houve mais nada!? – torna o importuno.

Houve o seguinte:
O menino que fazia anos, meteu-se na capoeira das galinhas e degolou-as todas!

Acaba melhor do que eu imaginara.



- CAMILO CASTELO BRANCO, Anátema, I, in fine.

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Roger Wolfe (Poética negra)






POÉTICA NEGRA



Una pluma sigue siendo preferible
a tener que desempolvar
la Magnum 44.


Roger Wolfe


[Javier Das]





Antes a pena
que tirar o pó
à Magnum 44.


(Trad. A.M.)


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13.3.12

Inês Dias (Adamastor)






ADAMASTOR



Regressámos à praia,
esgotada essa série de acidentes
em que o menor foi o amor,
ao contrário do que se previa.


Deixámos a maré subir
na memória, cancelar-nos
a areia sob os pés, levar
até os restos do navio encalhado
que ressuscitava todas as manhãs,
corpo de ossos já limpos.


Podia ter sido o meu.


Somos, afinal, dos últimos:
desfiamos gerações, contando onda após onda
após onda, até ao mergulho final.


E escrevemos como vivemos,
na espuma ou nos vidros embaciados
da cidade, com a teimosa certeza de que
nada ficará – nós não ficaremos.


Inês Dias



[Arquivo de cabeceira]


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12.3.12

Piedad Bonnett (Oração)






ORACIÓN




Para mis días pido,
Señor de los naufragios,
no agua para la sed, sino la sed,
no sueños
sino ganas de soñar.
Para las noches,
toda la oscuridad que sea necesaria
para ahogar mi propia oscuridad.



Piedad Bonnett





Para meus dias peço,
Senhor dos Naufrágios,
não água para a sede, mas a sede,
não sonhos,
mas vontade de sonhar.
Para as noites,
o escuro todo que for necessário
para afogar o meu próprio escuro.


(Trad. A.M.)

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11.3.12

Ver (90)






(Alfred Stieglitz)


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Pablo Neruda (Walking around)






WALKING AROUND




Sucede que me canso de ser hombre.
Sucede que entro en las sastrerías y en los cines
marchito, impenetrable, como un cisne de fieltro
navegando en un agua de origen y ceniza.

El olor de las peluquerías me hace llorar a gritos.
Sólo quiero un descanso de piedras o de lana,
sólo quiero no ver establecimientos ni jardines,
ni mercaderías, ni anteojos, ni ascensores.

Sucede que me canso de mis pies y mis uñas
y mi pelo y mi sombra.
Sucede que me canso de ser hombre.

Sin embargo sería delicioso
asustar a un notario con un lirio cortado
o dar muerte a una monja con un golpe de oreja.
Sería bello
ir por las calles con un cuchillo verde
y dando gritos hasta morir de frío.

No quiero seguir siendo raíz en las tinieblas,
vacilante, extendido, tiritando de sueño,
hacia abajo, en las tripas mojadas de la tierra,
absorbiendo y pensando, comiendo cada día.

No quiero para mí tantas desgracias.
No quiero continuar de raíz y de tumba,
de subterráneo solo, de bodega con muertos,
aterido, muriéndome de pena.

Por eso el día lunes arde como el petróleo
cuando me ve llegar con mi cara de cárcel,
y aúlla en su transcurso como una rueda herida,
y da pasos de sangre caliente hacia la noche.

Y me empuja a ciertos rincones, a ciertas casas húmedas,
a hospitales donde los huesos salen por la ventana,
a ciertas zapaterías con olor a vinagre,
a calles espantosas como grietas.

Hay pájaros de color de azufre y horribles intestinos
colgando de las puertas de las casas que odio,
hay dentaduras olvidadas en una cafetera,
hay espejos
que debieran haber llorado de vergüenza y espanto,
hay paraguas en todas partes, y venenos, y ombligos.

Yo paseo con calma, con ojos, con zapatos,
con furia, con olvido,
paso, cruzo oficinas y tiendas de ortopedia,
y patios donde hay ropas colgadas de un alambre:
calzoncillos, toallas y camisas que lloran
lentas lágrimas sucias.



PABLO NERUDA
Residencia en la Tierra
(1925-32)






Acontece que me canso de ser homem.
Acontece que entro nas alfaiatarias, nos cinemas,
flácido, impenetrável, como um cisne de feltro
que navega numa água de origem e de cinza.

O odor das barbearias faz-me chorar aos gritos.
Quero só um descanso de pedras ou de lã,
quero não ver estabelecimentos nem jardins,
nem mercadorias, lunetas, ascensores.

Acontece que me canso de meus pés e minhas unhas,
de meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.

Todavia seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco na orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.

Não quero continuar a ser raiz nas trevas,
vacilante, estendido, a tiritar de sono,
descendo, nas cercas molhadas da terra,
absorvendo e pensando, a comer dia após dia.

Não quero para mim tantas desgraças.
Não quero fazer mais de raiz e de túmulo,
de subterrâneo só, de adega com defuntos,
inteiriçados, a morrer de angústia.

Por isso a segunda-feira arde como petróleo
quando me vê chegar com cara de prisão,
e uiva no seu decurso qual uma roda ferida,
e dá passos de sangue ardente rumo à noite.

E empurra-me para certos recantos, para certas casas húmidas,
para hospitais onde os ossos saem pela janela,
para certas sapatarias com odor a vinagre,
para ruas medonhas como fendas.

Há pássaros cor de enxofre e horríveis intestinos
pendurados nas portas das casas que odeio,
há dentaduras esquecidas numa cafeteira,
há espelhos
que deveriam ter chorado de vergonha e pavor,
há guarda-chuvas em toda a parte, e venenos, e umbigos.

Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
com fúria e esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
e pátios onde há roupa pendurada num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sórdidas.


(Trad. José Bento)


[Luz & sombra]


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10.3.12

António Barahona (Silêncio)






SILÊNCIO



Silêncio é uma palavra impossível.
Não corresponde a nenhuma realidade.
Não há silêncio no cosmos
nem em cada um de nós.
Numa sala sem eco,
entre sete paredes de cimento isolante,
ouve-se ecoar a circulação
do nosso próprio sangue.


António Barahona

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9.3.12

Eva Vaz (Mudanças)






CAMBIOS



Ahora salgo con chicos
más jóvenes
y me drogo mucho más.

Y ahora no me molesta
que los hombres me miren
imaginándome posible
la carne.

Me invitan a los servicios
con sus embolias seminales
y sus miserias de sábado noche.
Con caramelitos en los bolsillos.

Y todo está por hacer.
Que no termine la noche.
Que no termine esta
maldita noche.
Baila,
baila...
Que no termine esta
mentira.


Eva Vaz


[Crepusculario siglo XXI]





Agora saio com putos
mais novos
e drogo-me muito mais.

E já não me incomoda
que os homens me olhem
imaginando possível
a carne.

Chamam-me para os sanitários
com suas embolias seminais,
suas misérias de sábado à noite.
Com caramelos nos bolsos.

E tudo está por fazer.
Que não se acabe a noite.
Que não se acabe esta
noite maldita.
Baila,
baila...
Que não termine esta
mentira.


(Trad. A.M.)



>>  Eva Vaz (blogue) / Poetas y poemas (17p) / Desde Babia (5p) / Las afinidades electivas (3p) / Junta Andalucia (síntese+linques)


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8.3.12

Aquilino Ribeiro (Vocabulário-Terras do Demo)






abada
abandar (fazer bando)
abispar
aboíz (armadilha)
abundoso
abusão (abuso- fem.)
acaçapar
acercar
achamboaria
aciúme
acitado (excitado?)
adrega (subst.)
aduela
afeito (acostumado)
aganar
ágora
agro
agulheiro (buraco)
aiveca
alagoeiro (lago)
alambrar
alancar
alanco
alanzoar (alegar, afirmar, proclamar)
alapardar (alapar, refl.)
alavela (eram alavelas minhas)
alcandor
alceiro (levantado, pronto)
aldeagante
aldemenos (ao menos)
alfenim
alforjar
almargeal
almofia
alpoldra
alquicrete
alquilé
alveitar
alvoriçar (por ‘alvoroçar’) (bravio que nem enxame de abelhas alvoriçado)
alvoroto
amadorrar (amodorrar, adormecer)
ameijoada (anda de...)
amochilar (guardar na mochila, aferrolhar)
amossadela (apalpão)
amoujo (seios)
amoujuda (mamuda, peituda)
anágua
anainho
ancho
andadura (andar)
andaina (vestimenta)
andanhos (da casa, divisões)
andeiro (que anda bem)
andurrial
apagear (apajar, assistir)
aparçar (emparceirar?) será ‘apraçar’- levar à praça, mostrar na praça, em público? (Cad.Aq. 10, 2000, p. 34)
apeiro
apendoar (ganhar pendão)
apesunhar (apesunhado=com peso)
apieçar (mobilar)
apisoar (o burel, no pisão)
aqueibar
arcaz
ardido (esperto, valente)
arganaz
argilo
ariosca (marosca)
arolo (espiga do milho desgranada)
arranco (corrida, galope)
arranga-malho (com preguiça, sem vontade)
arregoar
arrelampar
arrenego (zanga –subst)
arretar
arreitar
arteiro
artola
arrincar
atracandar
auge
aurincu (arincu)
auruge
avantar (aventar, deitar, lançar)
avelar (é)
azangar
azemel
azoada (ruído)
azoar (soar)



Cont. (A-F)

Cont. (G-Z)

José Gorostiza (A beira do mar)






LA ORILLA DEL MAR



No es agua ni arena
la orilla del mar.

El agua sonora
de espuma sencilla,
el agua no puede
formarse la orilla.

Y porque descanse
en muelle lugar,
no es agua ni arena
la orilla del mar.

Las cosas discretas,
amables, sencillas;
las cosas se juntan
como las orillas.

Lo mismo los labios,
si quieren besar.
No es agua ni arena
la orilla del mar.

Yo sólo me miro
por cosa de muerto;
solo, desolado,
como en un desierto.

A mí venga el lloro,
pues debo penar.
No es agua ni arena
la orilla del mar.


José Gorostiza




Nem água nem areia
a beira do mar.

A água sonora
de espuma singela,
não pode a água
formar a beira.

E porque descanse
em seu próprio lugar,
não é água ou areia
a beira do mar.

As coisas discretas,
amáveis e simples;
as coisas juntam-se
como fazem as beiras.

E bem assim os lábios,
querendo beijar.
Não é água ou areia
a beira do mar.

Eu só me contemplo
como coisa de morto;
desolado, sozinho,
como num deserto.

A mim venha o choro,
pois que devo penar.
Não é água ou areia
a beira do mar.


(Trad. A.M.)

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7.3.12

Fernando Pessoa / A. Caeiro (Se, depois de eu morrer)






Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas—a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.


Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.


Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.



Alberto Caeiro



[Arquivo Pessoa]


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6.3.12

Miguel d'Ors (Estranha coisa)






RARO ASUNTO




Raro asunto la vida: yo que pude
nacer en 1529,
o en Pittsburg o archiduque, yo que pude
ser Chesterton o un bonzo, haber nacido
gallego y d’Ors y todas estas cosas.
Raro asunto
que entre la muchedumbre de los siglos,
que existiendo la China innumerable,
y Bosnia, y las cruzadas, y los incas,
fuese a tocarme a mí precisamente
este trabajo amargo de ser yo.


Miguel d’Ors






Coisa estranha a vida: eu que podia
nascer em 1529,
ou em Pittsburg ou arquiduque, eu que podia
ser um Chesterton ou um bonzo, ter nascido
d’Ors e galego e tudo o resto.
Coisa estranha
que na multidão dos séculos,
que, existindo a China inumerável,
e a Bósnia, e as cruzadas, e os incas,
fosse tocar-me a mim precisamente
este trabalho amargo de ser eu.


(Trad. A.M.)

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5.3.12

Camilo Castelo Branco (Atenciosos leitores)






Quem lesse o primeiro capítulo desta bonita história, com a atenção de que ela se faz digna, lembrar-se-á de uma certa Micaela, cozinheira em casa dos fidalgos, e indiscreta em comparações de couves e alhos.

Pois, atenciosos leitores, seria não corresponder à vossa reconhecida bondade, omitindo-vos a interessante nova de que esta Micaela era nem mais nem menos, que irmã de Jacinta Rosa, a serpente matrimonial de João Rodrigues Cambado.


- CAMILO CASTELO BRANCO, Anátema, III.

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Mario Benedetti (Factos / Notícias)






FACTOS / NOTÍCIAS




Para os europeus
o estalinismo
foi
um facto
enquanto
para nós
foi apenas
notícia
por isso
nunca o entendemos bem


em troca
para nós
cuba e nicarágua
são factos
fundamentais e
fundacionais
enquanto
para eles
são apenas
notícias
por isso nunca
as entenderam bem




MARIO BENEDETTI
Viento del exilio
(1980-81)


(Trad. A.M.)

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4.3.12

Eugénio de Andrade (Havia uma palavra)






Havia
uma palavra
no escuro.
Minúscula. Ignorada.



Martelava no escuro.
Martelava
no chão da água.



Do fundo do tempo,
martelava.
Contra o muro.



Uma palavra.
No escuro.
Que me chamava.



Eugénio de Andrade

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3.3.12

Marcos Tramón (Cautela)






CAUTELA




Uma casa escrupulosamente limpa,
assim uma alegria predisposta.
Tranquilas e seguras as divisões,
quentes ainda do sol que deu nelas.
O dia quase sem luz, vão ficando
em claro-escuro os cantos da casa,
e estando como está tudo em silêncio,
uma primeira imagem dela te assalta.
Batem à porta, põe-te a salvo:
são lembranças.



MARCOS TRAMÓN
Desgana
Gijón (2010)


(Trad. A.M.)

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2.3.12

Charles Bukowski (Não suporto lágrimas)






NÃO SUPORTO LÁGRIMAS




havia algumas centenas de imbecis
de volta de uma ganso que tinha partido uma perna
enquanto decidiam
o que fazer
quando um polícia apareceu
e sacou do seu canhão
e o assunto estava encerrado
excepto para uma mulher
que saiu a correr da sua barraca
a gritar que lhe tinham morto o animal de estimação
mas o polícia agarrou o seu cinto
e disse-lhe
vai ao raio que te parta,
queixa-te ao presidente da república;
a mulher estava a chorar
e eu não suporto lágrimas.


Arrumei a minha tela
e fui para outro sítio:
os filhos da mãe tinham-me estragado
a paisagem.



Charles Bukowski

(Trad. m.a.domingos)



[O amor é um cão do inferno]

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Raúl Ferruz (Por favor)







POR FAVOR




si algún día sucede
lo que sospechamos

donad mis órganos

buscad un buen pseudónimo
publicad lo escrito

dadle lo que no tengo
a quién siempre lo quiso

y no dejéis que celebren
una misa en mi nombre

odio las campanas


Raul Ferruz


[Enfant terrible]






se um dia acontecer
aquilo que suspeitamos

dai os meus órgãos
achai um bom pseudónimo
e publicai o escrito

dai o que eu não tenho
a quem sempre o cobiçou

e não deixeis rezar
uma missa em meu nome

detesto sinos


(Trad. A.M.)

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