31.10.11

Roque Dalton (O terrível)






LO TERRIBLE




Mis lágrimas,
hasta mis lágrimas endurecieron.
Yo que creía en todo,
en todos.


Yo que sólo pedía un poco de ternura,
lo que no cuesta nada,
a no ser el corazón.


Ahora es tarde ya.
Ahora la ternura no basta.
He probado el sabor de la pólvora.


Roque Dalton


[Viktor Gomez]





Minhas lágrimas,
até minhas lágrimas endureceram.
Eu que cria em tudo,
em todos.


Eu que pedia só um pouco de ternura,
que não custa nada,
só ao coração.


Agora é tarde.
Agora não basta a ternura.
Porque provei o sabor da pólvora.


(Trad. A.M.)

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30.10.11

Amadeu Baptista (Trasladação dos ossos de Jorge de Sena)






TRASLADAÇÃO DOS OSSOS DE JORGE DE SENA




De Santa Bárbara chegaram os ossos do poeta
que a pátria exilou. Uns pulhas de um assim chamado Ministério
da Cultura, que não dão à poesia a mínima importância,
ergueram-se a esse gesto como se não se soubesse
quanto os poetas detestam, como tantas e tantas vezes
foi provado e a paródia eleiçoeira, desta vez,
fez promover, não por amor aos versos, certamente,
mas para marcar a determinação da pequenez
em que todos morrem de fome da fartura enfatuada
desta gente. A ocasião, como é comum dizer-se,
faz o ladrão, e a estes não escapam as oportunidades
que o brio predador lhes aconselha, sujando tudo em volta,
dando a tudo o que é grande a represália de sempre,
tal como a todos os poetas já fizeram,
tal como fizeram ao Botto e agora ao Sena fazem, que esperou
mais de trinta anos para que a terra portuguesa de vez o afeiçoasse,
notando-se que como clandestino aqui chegou, agora,
não pela obra dele ou os seus actos, mas pela solerte ratice da canalha
que nunca subirá a púlpitos para pedir desculpa do mal que nos tem feito
e à poesia sempre odiará por lhe saber o fantástico poder que a cilindra.
Brancos os ossos chegam às exéquias da trasladação que por demais tardou
e não há corais de crianças das escolas a entoar-lhe cânticos,
não se promove gente a ler-lhe os livros, não se lhe divulga a obra,
nem os telejornais abrem com a notícia da chegada justa,
a todos convocando não só a que assistam e aprendam, mas que usem
a sua arte de música e de palavras para ampliar a verdade e a liberdade,
o corpo e os sentidos, a dignidade de resistir a tudo,
por mais que o vilipêndio se prolongue e se não salde nunca a dívida.
Não é para admirar. De humilhações, exílios e imbecilidades sofreu Jorge de Sena
durante toda a vida e este misto de preito e de omissão está na linha
do que a pandilha execrável é capaz, tratando-se de dar com uma mão
para tirar com a outra, como é próprio do descaramento e do oportunismo
que, imparável, os há-de condenar ao esquecimento de nunca terem nome,
nem espinha dorsal, nem verticalidade, nem ossos que alguma vez possam
passar por nossos.


Amadeu Baptista


[Amadeu Baptista]


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Eduardo Errasti (Andas por aí a dizer)






Andas diciendo por ahí
que exijo
cierto nivel intelectual
a las mujeres
para salir conmigo.
Por lo visto
has olvidado
que hubo un tiempo
en el que hubiera dado
todo por ti.
Lo cual demuestra
claramente que mientes.


Eduardo Errasti






Andas por aí a dizer
que eu exijo às mulheres
certo nível intelectual
para saírem comigo.
Pelos vistos
esqueceste já
que houve um tempo
em que eu daria
tudo por ti.
O que demonstra
claramente que é mentira
isso que dizes.

(Trad. A.M.)



>>  My etymology (nota) / Rufian Rodríguez (outra nota) /  El Comercio (outra)


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29.10.11

Alberto de Lacerda (Os poemas)






Os poemas
envelhecem


Alguns
(muito poucos)
vão deitando raízes
desconhecidas


No ramo mais alto
o bafo dos deuses



ALBERTO DE LACERDA
Átrio
IN-CM (1997)

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28.10.11

Roger Wolfe (Justiça poética)






JUSTICIA POÉTICA




A algunos de aquellos machitos hiperhormonados
que en nuestra adolescencia presumían
de vello facial y pelo en pecho y musculitos
me los encuentro ahora, de vez en cuando,
dos décadas después: barrigudos y enanos
gafitas-cuatro-ojos con galopantes alopecias,
que aparentan, sin esfuerzo alguno, diez años más que yo.


Nunca se me ocurre qué decirles. Pero les diré
–a todos ellos– algo aquí: que os follen, tíos.
Si es que hay alguien, por supuesto,
que tenga estómago para una cosa así.



Roger Wolfe


[Neorrabioso]






Alguns daqueles machinhos hiper-hormonados
que presumiam na adolescência
de penugem facial e pelos no peito e músculozinhos
encontro-os agora, de vez em quando,
vinte anos depois: barrigudos, atarracados,
óculos de quatro olhos e calvície galopante,
aparentando, à vontade, mais dez anos do que eu.


Nunca me ocorre o que dizer-lhes. Mas direi
- a todos eles – algo aqui: que os fodam.
Se houver alguém, já se vê,
com estômago para tal.


(Trad. A.M.)

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27.10.11

Olhar (104)







(Doiro)


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Luis González Ansorena (Só amo)


                                           (*)




Solo amo
el viento
que agita el bosque.
Solo el agua
que renuncia al cauce.
Solo amo la tierra
que no pisa el hombre.
Solo el fuego
que no tiene dueño.


LUIS GONZÁLEZ ANSORENA
La Luz del Nómada
(2011)


[Apología de la luz]





Só amo
o vento
que agita o bosque.
Só a água
que renuncia ao leito.
Só amo a terra
não pisada pelo homem.
Só o fogo
que não tem dono.


(Trad. A.M.)



(*) Lançado hoje, Palma de Mallorca (Ediciones La Barragaña)

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26.10.11

Ruy Belo (Tu estás aqui)






TU ESTÁS AQUI




Estás aqui comigo à sombra do sol
escrevo e oiço certos ruídos domésticos
e a luz chega-me humildemente pela janela
e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou
Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano
e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama
que uso para ser também isto este bicho
de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos
quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem
o que sei o
que faço ou então sou eu que julgo que o sabem
e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras
e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou
outra coisa
esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior
a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço
bem entendido o que faço com este braço
Estás aqui comigo e à volta são as paredes
e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa
e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho
e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer
Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado
passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes
esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa
essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol
Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso
diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome
este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro
nome embora no mesmo nome este nome
de terra de dor de paredes este nome doméstico
Afinal fui isto nada mais do que isto
as outras coisas que fiz fi-Ias para não ser isto ou dissimular isto
a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome
que não merda
e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das
outras coisas
Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto
pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto
Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos
mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como
a palavra paz
Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estar aqui
perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui



Ruy Belo


[Modo de usar]

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25.10.11

Pepe Ramos (De passagem)






DE PASO




Cuando vivia junto a la estación
tenía la sensación de estar de paso.


Ahora vivo junto al cementerio.


Y la sensación es la misma.


Pepe Ramos






Quando vivia ao pé da estação
tinha a sensação de estar de passagem.


Agora vivo ao pé do cemitério.


E a sensação é a mesma.


(Trad. A.M.)


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24.10.11

Aquilino Ribeiro (Estava feito o sementio)






Estava feito o sementio dos pães e dos nabais, e cabaneiros e lavradores abalavam para a serra a rapar o codeço e o tojo com que lastrar novamente os estábulos.

Vinha lá o Inverno – ouvia-se zoar muito a ribeira, e a serra da Estrela mostrava desde a ante-véspera os corutos emaçarocados de neve.

E a chuva já estava em atraso, o grão por grelar na terra esmilhenta, onde os borborinhos faziam espojadoiros pasmosos de lobisomens.

Seitosa ia-se acomodando à vida de inverno.

Alpendres atestados de lenha, os pretos – com vosso perdão – a caminhar para o chiadoiro, arcas cheias, a semente lançada à terra, o ladrão podia vir mai-la a sua grande récua de excomungados, o carujo, a saraiva, as moscas brancas, e o taró de rachar.

Capucha de burel, apisoado em Fráguas, em volta do peitaço, morca farta de torresmos, socos de encoiras altas, o serrano estava-se nas suas sete quintas e deixá-lo zurrar, que se acabasse o mundo.


- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, 1.ª parte, XI.

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Alejandro Céspedes (Sofres a miragem da noite)






V




Sufres el espejismo de la noche
que rellena los vasos y te envía
sus sombras alcahuetas.
Pero el día se empeña en recordarnos
que la noche es la niebla que separa
las promesas del miedo.
La escarcha que se asoma detrás de los cristales
se afila en una larga estalactita
que es preciso beber para saber que estamos
juntos, aunque ya existe una frontera
trazada entre los dos como una herida
que no quiere curar, ni emponzoñarse.


En la cima del sueño
el día tensa el arco.


El primer haz de luz que nos alcance
nos dejará desnudos de promesas.
Recoge esas palabras en desuso
antes que la mañana nos dispare.
No me dejes caer en la tentación,
y líbrame del mal,
del bien,
de la esperanza.


ALEJANDRO CÉSPEDES
Las palomas mensajeras sólo saben volver
Hiperión, Madrid
(1994)






Sofres a miragem da noite
que enche os copos e te envia
suas sombras alcoviteiras.
Mas o dia empenha-se em recordar
que a noite é a névoa que separa
as promessas do medo.
O orvalho aparecendo por trás dos vidros
afila-se numa longa estalactite
que temos de beber para saber que estamos
juntos, embora haja uma fronteira
entre os dois como uma ferida
que não quer curar, nem envenenar-se.


No cume do sonho
o dia retesa o arco.


O primeiro raio de luz que nos alcance
deixar-nos-á nus de promessas.
Colhe essas palavras em desuso
antes que a manhã nos rebente.
Não me deixes cair em tentação,
mas livra-me do mal,
do bem
e da esperança.


(Trad. A.M.)

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23.10.11

Eugénio de Andrade (Conselho)






CONSELHO



Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.


Eugénio de Andrade


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22.10.11

Pablo Neruda (Eu fui marcando com cruzes de fogo)






(Poema 13)




Eu fui marcando com cruzes de fogo
o atlas branco do teu corpo.
A boca era uma aranha que corria a esconder-se.
Em ti, atrás de ti, temerosa, sedenta.


Histórias para contar-te à beira do crepúsculo
boneca triste e meiga, para que não estivesses triste.
Um cisne, uma árvore, algo longínquo e alegre.
O tempo da vindima, o tempo maduro e frutífero.


Eu que vivi num porto que era de onde te amava.
A solidão percorrida de sonho e de silêncio.
Encurralado entre o mar e a tristeza.
Calado, delirante, entre dois gondoleiros imóveis.


Entre os lábios e a voz, algo vai já morrendo.
Algo com asas de pássaro, algo de angústia e de olvido.
Da mesma forma que as redes não retêm a água.
Boneca minha, quase nem ficam gotas tremendo.
Mesmo assim algo canta entre estas palavras fugazes.
Algo canta, algo sobe até à minha ávida boca.
Oh poder celebrar-te com todas as palavras de alegria.
Cantar, arder, fugir, como um campanário nas mãos de um louco.
Triste ternura minha, mudas-te em quê de repente ?
Quando eu cheguei ao vértice mais atrevido e frio
fecha-se o meu coração como uma flor nocturna.



PABLO NERUDA
Vinte poemas de amor e uma canção desesperada
(1924)

(Trad. F.A.Pacheco)



[Ruialme]


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21.10.11

Um verso (101)





Um verso de José Alberto Oliveira
(passado e presente):





Os jornais encheram-se de notícias peregrinas



José Alberto Oliveira


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Berna Wang (Encruzilhadas)






ENCRUCIJADAS



El corazón deja de latir
(a veces hasta el reloj se para)
encogido
de miedo.
Pero más allá de ese abismo
sigue latiendo la vida,
intacta,
con todas sus promesas.
Sólo hay que seguir caminando
  un
         poco
                  más.


Berna Wang


[Otras hierbas]





O coração deixa de bater
(às vezes até pára o relógio)
encolhido
de medo.
Mas para lá desse abismo
continua a vida a latejar,
intacta,
com as suas promessas todas.
Há só que continuar caminhando
   um
          pouco
                     mais.


(Trad. A.M.)



>>  Cómo la luna en el água (blogue de BW) / adamaRamada (info) / Letras de Chile (9p)

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20.10.11

Jean l'Anselme (Arte poética)






ART POÉTIQUE



Vingt fois sur le métier
dépolissez l'ouvrage,
un vers trop poli
ne peut pas être...au net.
Méfiez-vous des vers luisants !
Faites du vers dépoli
votre vers cathédrale,
un poème au pied bot
ne peut être que bancal.



Jean l’Anselme






Vinte vezes no ofício
despoli a obra,
um verso muito polido
não pode ser... asseado.
Desconfiai dos versos brilhantes!
Fazei do verso despolido
o vosso verso martelado,(*)
um poema de pé torto
não passará de cambado.


(Trad. A.M.)



(*) ‘Vers cathédrale’ parece evocar, ludicamente, ‘verre cathédrale’, que o dicionário aponta como vidro translúcido de superfície irregular, i.e. martelado.
Outra versão, aliás parcial:  Do trapézio  (L.P.)



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19.10.11

Ángela Vallvey (Choro de criança)






LLANTO INFANTIL





Siéntate, Érika. Mira cómo el fondo del cielo
parece misterioso con el amanecer.
Este es el rito, la suavidad con que la luz
del Sol cruza la línea curva de la Tierra.
La luz, que es una peregrina, inevitable calor
en todo este vacío. La luz no reflexiona,
se enreda en los zarzales y en tu pelo,
se enfrenta con orgullo a los objetos.
Importa, sobre todo, que mires a los astros y a las nubes
aunque ninguno de ellos pueda explicarte el firmamento.
No digas que en su forma
se intuyen el desprecio o la tristeza:
si no fuese así, el cielo no sabría
otra manera de ser cielo. Fíjate,
la Luna empieza a confundirse
con el color de la mañana,
los pájaros la miran
planeando en secreto volar hasta sus mares
de polvo negro que no conocen el verano.
Levántate, Érika, y no llores,
echa a correr de nuevo. No volverás a tropezar
el cielo limpio de junio será tu único muro.


ÁNGELA VALLVEY
 El tamaño del universo
Hiperión (1998)


[Apología de la luz]






Senta-te, Érica. Olha como o fundo do céu
parece misterioso com o amanhecer.
Este é o rito, a suavidade com que a luz
do Sol cruza a linha curva da Terra.
A luz, peregrina, calor inevitável
neste vazio todo. A luz não reflecte.
enreda-se nas silvas e no teu cabelo,
enfrentando os objectos com orgulho.
Importa , acima de tudo, que olhes os astros e as nuvens,
apesar de não poderem explicar-te o firmamento.
Não digas que se adivinha nela
o desprezo ou a tristeza,
aliás, o céu não saberia
outro modo de ser céu. Atenção,
a Lua começa a confundir-se
com a cor da manhã,
e os pássaros olham-na
planeando em segredo voar até seus mares
de pó negro que desconhecem o verão.
Levanta-te, Érika, não chores,
põe-te a correr novamente. Não tropeçarás mais,
teu único muro será o céu limpo de Junho.


(Trad. A.M.)

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18.10.11

Ver (77)









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Pablo García Casado (Número seis)






NÚMERO SEIS




me besa me desnuda hace de mí lo que quiere
estoy borracha todo me da vueltas tengo que ir
al baño dos vezes para no vomitarle encima

se marcha temprano a toda prisa no hay despedida
nota justificativa o teléfono de contacto sólo dudas
todos los hombres son príncipes a las cinco de la mañana

todas las putas son tú cuando despiertas y no hay nadie




PABLO GARCÍA CASADO
Las Afueras
Dvd Ediciones
(1997)



[Lugares mal situados]






beija-me despe-me faz o que quer de mim
estou bêbeda vejo tudo às voltas tenho de ir
ao toalete duas vezes para lhe não vomitar em cima

vai embora cedo a toda a pressa não há despedida
nota justificativa ou telefone de contacto só dúvidas
todos os homens são príncipes às cinco da manhã

todas as putas são tu quando acordas e não há ninguém


(Trad. A.M.)

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17.10.11

Ana Hatherly (As palavras aproximam)






As palavras aproximam:
prendem-soltam
são montanhas de espuma
que se faz-desfaz
na areia da fala


Soltam freios
abrem clareiras no medo
fazem pausa na aflição


Ou então não:
matam
afogam
separam definitivamente


Amando muito muito
ficamos sem palavras



Ana Hatherly



[Poedia]

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16.10.11

Octavio Paz (Olvido)






OLVIDO





Cierra los ojos y a oscuras piérdete
bajo el follaje rojo de tus párpados.

Húndete en esas espirales
del sonido que zumba y cae
y suena allá, remoto,
hacia el sitio del tímpano,
como una catarata ensordecida.

Hunde tu ser a oscuras,
anégate en tu piel,
y más, en tus entrañas;
que te deslumbre y ciegue
el hueso, lívida centella,
y entre simas y golfos de tiniebla
abra su azul penacho el fuego fatuo.

En esa sombra líquida del sueño
moja tu desnudez;
abandona tu forma, espuma
que no se sabe quién dejó en la orilla;
piérdete en ti, infinita,
en tu infinito ser,
mar que se pierde en otro mar:
olvídate y olvídame.

En ese olvido sin edad ni fondo
labios, besos, amor, todo, renace:
las estrellas son hijas de la noche.



Octavio Paz



[Corte na Aldeia]




Fecha os olhos e perde-te às escuras
sob a folhagem vermelha das pestanas.

Afunda-te nessa espiral
do som que zune e cai
e soa além, remoto,
para o lado do tímpano,
como uma catarata ensurdecida.

Afunda teu ser às escuras,
alaga-te na pele,
mais, nas entranhas;
que o osso te deslumbre
e cegue, lívida centelha,
e entre abismos e golfos de treva
o fogo fátuo abra sua poupa azul.

Nessa sombra líquida do sonho
molha tua nudez;
abandona a tua forma, espuma
que não se sabe quem deixou na beira;
perde-te em ti, infinita,
em teu infinito ser,
mar que se perde em outro mar:
esquece-te e esquece-me.

Nesse olvido sem idade nem fundo
lábios, beijos, amor, tudo, renasce:
são filhas da noite as estrelas.


(Trad. A.M.)

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15.10.11

Aquilino Ribeiro (O senhor padre)






O senhor padre não abria os beiços, tão ausente da família como se ela não existisse ou morasse no cabo do mundo.

Debalde Rosa esperava um sinal.

Já o não dera a Luísa, como alheio se mostrou quando o descante do Chico Brás vinha para a quintã dos Gaudêncios endoidar-lhe a irmã mais nova com chulas e desgarradas.

O seu fito era ter muitos gerais e sermões a escarduçar, e lebres a romper-lhe pelas chãs a bom ponto de mira.

Tinha já, para embelecos, um filho em casa que caminhava de burrinhas e outro a criar na ama de Vila-Cova-a-Coelheira.

Dizia-se que não era boa fazenda e que fizera das suas na freguesia que paroquiara antes de colar-se naquela onde estava e lhe fora berço.


- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, 1.ª parte, I.

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Nicanor Parra (A poesia terminou comigo)






LA POESÍA TERMINÓ CONMIGO




Yo no digo que ponga fin a nada
No me hago ilusiones al respecto
Yo quería seguir poetizando
Pero se terminó la inspiración.
La poesía se ha portado bien
Yo me he portado horriblemente mal.

Qué gano con decir
Yo me he portado bien
La poesía se ha portado mal
Cuando saben que yo soy el culpable.

¡Está bien que me pase por imbécil!

La poesía se ha portado bien
Yo me he portado horriblemente mal
La poesía terminó conmigo.


Nicanor Parra






Eu não digo que ponha fim a nada
Não tenho ilusões a respeito
Queria ir poetizando
Mas acabou-se a inspiração.
A poesia portou-se bem
Eu é que me portei muitíssimo mal.

O que ganho eu com dizer
Que me portei bem
E a poesia portou-se mal
Quando todos sabem que sou culpado.

Está certo eu passar por imbecil!

A poesia portou-se bem
Eu portei-me muito mal
A poesia terminou comigo.


(Trad. A.M.)

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14.10.11

Fernando Pessoa / A. Campos (Não estou pensando em nada)






Não estou pensando em nada
E essa coisa central, que é coisa nenhuma,
É-me agradável como o ar da noite,
Fresco em contraste com o verão quente do dia,


Não estou pensando em nada, e que bom!


Pensar em nada
É ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
É viver intimamente
O fluxo e o refluxo da vida...
Não estou pensando em nada.
E como se me tivesse encostado mal,
Uma dor nas costas, ou num lado das costas,
Há um amargo de boca na minha alma:
É que, no fim de contas,
Não estou pensando em nada,
Em nada...


Álvaro de Campos


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13.10.11

Ángela Vallvey (A sociedade secreta)






LA SOCIEDAD SECRETA



Has llegado a mi casa
ordenando las quejas
de la noche.
—Besos como pequeños corazones
se cayeron al suelo
sin cuidado.

El verdor de tus ojos
era una tierra fértil
cultivada entre lágrimas.

"¿Cuánto pesan los astros?",
preguntaste,
"¿y las horas del día?
¿Saben quién somos
los milenios?
¿Hay praderas de espacio
que se tienden tranquilas
detrás de la ventana?"

Oh, ven, ven de nuevo,
escucha los ruidos
del amanecer.
Haz vino
con las sombras de la estancia.
Que la luz sea una estela de seda pura
para que tú la toques.
Que nunca diga basta.

Desde que tú llegaste
la primavera ha derrochado
toda su gloria floreciendo
por dentro de mi boca,
—nunca mira hacia atrás,
y es libre,
tiene abiertas las manos.


Ángela Vallvey


[Poetas-Poemas]






Chegaste a minha casa
ordenando as queixas
da noite.
- Beijos, pequenos corações,
caindo no chão
descuidados.

O verdor de teus olhos,
terra fértil
entre lágrimas cultivada.

“Quanto é que pesam os astros?”,
perguntaste,
“e as horas do dia?
Os milénios
sabem quem nós somos?
Há campos de espaço
tranquilos estendidos
por trás da janela?”

Oh, vem, vem novamente,
escuta os ruídos
do amanhecer.
Faz vinho
com as sombras da casa.
Seja a luz uma cauda de seda pura
para tu a tocares.
Que nunca diga basta.

Desde que tu chegaste
a primavera esbanjou
a sua glória toda a florescer-me
por dentro da boca
- nunca olha para trás,
e é livre,
com as mãos abertas.



(Trad. A.M.)



>>  WN (video-14) /  Wikipedia


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12.10.11

Carlos Nejar (Lume)






LUME




Para eu amar contigo, quantos desamaram;
para que este verso nos tocasse,
quantas palavras sepultadas,
para que eu chegasse a ti, quantos
fugiram. Para que não
houvesse morte.



CARLOS NEJAR
A Idade da Eternidade
- Poesia reunida
IN-CM (2001)

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Miriam Reyes (Ensinas-me a viver?)






Vas a enseñarme a vivir?
Te dejaré tocar mi colección de cáscaras
compartiré contigo las uñas que guardo en los bolsillos.
Las semillas que nos dieron
son pastillas para dormir
y del ombligo dormidos
nos crecen frutales.

Te daré de comer.

Ven.
La tierra prometida es cosa de otros.
Para nosotros la arena:
un paisaje que cambia con el viento.


MIRIAM REYES
Desalojos
Hiperión ediciones
(2008)


[Lugares mal situados]






Ensinas-me a viver?
Deixo-te pegar na minha colecção de cascas
reparto contigo as unhas que guardo no bolso.
As sementes que nos deram
são pastilhas para dormir
e do umbigo adormecidas
crescem-nos fruteiras.

Dou-te de comer.

Anda.
A terra prometida é para os outros.
Para nós é a areia,
uma paisagem que muda com o vento.


(Trad. A.M.)

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11.10.11

Fernando Assis Pacheco (Louvor do Bairro dos Olivais)






LOUVOR DO BAIRRO DOS OLIVAIS




Não tive nunca nada a ver com as
guitarras estudantes; eu vivia
num lento bairro da periferia
onde a chuva apagava os passos das

pessoas de regresso a suas casas
fazia compras na mercearia
e algum livro mais forte que então lia
já era para mim como um par d'asas

amigos vinham ver-me que eu servia
de ponche ou Madeira malvasia
para soltar as línguas livremente

um que bramava um outro que dormia
eu abria a janela e só dizia
ao menos estas ruas têm gente



FERNANDO ASSIS PACHECO
A Musa Irregular
ASA (1996)



[Antonio Cicero]


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10.10.11

Claudio Rodríguez (O que sonho não é)






LO QUE NO ES SUEÑO




Déjame que te hable en esta hora
de dolor, con alegres
palabras. Ya se sabe
que el escorpión, la sanguijuela, el piojo,
curan a veces. Pero tú oye, déjame
decirte que, a pesar
de tanta vida deplorable, sí,
a pesar y aun ahora
que estamos en derrota, nunca en doma,
el dolor es la nube,
la alegría, el espacio;
el dolor es el huésped,
la alegría, la casa.
Que el dolor es la miel,
símbolo de la muerte, y la alegría
es agria, seca, nueva,
lo único que tiene
verdadero sentido.
Déjame que, con vieja
sabiduría, diga:
a pesar, a pesar
de todos los pesares
y aunque sea muy dolorosa, y aunque
sea a veces inmunda, siempre, siempre
la más honda verdad es la alegría.
La que de un río turbio
hace aguas limpias,
la que hace que te diga
estas palabras tan indignas ahora,
la que nos llega como
llega la noche y llega la mañana,
como llega a la orilla
la ola:
irremediablemente.


CLAUDIO RODRÍGUEZ
Alianza y condena
Cálamo (2009)


[GsusBonilla]




Deixa-me falar-te nesta hora
de dor, com alegres
palavras. É sabido
que o escorpião, a sanguessuga, o piolho,
curam por vezes. Mas tu ouve, deixa-me
dizer-te que, apesar
de tanta vida deplorável, sim,
apesar de estarmos em baixo, nunca em cima,
a dor é a nuvem,
a alegria o espaço;
a dor é o hóspede,
a alegria a casa.
Que a dor é o mel,
símbolo da morte, e a alegria
é azeda, seca, nova,
a única coisa com
verdadeiro sentido.
Deixa-me dizer,
com antiga sabedoria:
apesar, apesar
de todos os pesares,
e embora seja dolorosa,
embora seja por vezes imunda, é sempre
a alegria a mais funda verdade.
A que de um rio turvo
faz limpa corrente,
a que faz que eu te diga
estas palavras indignas agora,
a que vem como vêm a manhã e a noite,
como vem a onda
até à praia:
irremediavelmente.

(Trad. A.M.)

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9.10.11

José Rentes de Carvalho (A paisagem)






A paisagem de campos e bosques que se via do meu quarto, o rio, as serranias, a nesga de mar ao pé de Santa Tecla, isso de facto seduziu-me.

Mas era serenidade demais, beleza demais, um equilíbrio tão perfeito que logo me faltou a desordem e o bulício a que me tinha habituado na infância, quando da minha janela olhava para o Porto.

Aqui tudo respirava paz.

Em vez da cacofonia citadina os ruídos eram distintos, cada galo esperava o seu momento de poder cantar, o ladrar dos cães espaçado como um diálogo.

Na estrada o trânsito era quase nulo.

Durante o dia inteiro passavam na linha uns quatro ou cinco comboios, mas o silvo das locomotivas e o matraquear das rodas nos carris ouvia-se de longe, ia crescendo gradualmente, chegava, diminuía, era apenas um traço sonoro a vibrar por instantes na quietude do ar.


- J. RENTES DE CARVALHO, La Coca, Quetzal (2011), p. 67.

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Miguel d'Ors (Como a água)






Como el agua
se afana
callada
bajo el trigo,

como la tierra,
humilde,
elabora
metales
y eleva
hasta la rosa
la hermosura,

así, de esa manera,
escribirás
tus versos:
sólo en hondo
silencio
germinan
las palabras
luminosas.


Miguel d’Ors






Como a água
se afana
calada
sob o trigo,

como a terra,
humilde,
elabora
metais
e eleva
até à rosa
a formosura,

assim, dessa maneira,
escreverás
teus versos:
só em fundo
silêncio
germinam
as palavras
luminosas.


(Trad. A.M.)

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8.10.11

Charles Bukowski (Se ensinasse escrita criativa)






SE ENSINASSE ESCRITA CRIATIVA, PERGUNTOU-ME, O QUE LHES DIRIA?




diria para terem um desgosto amoroso,
hemorróidas, dentes podres
beberem vinho barato,
evitar a ópera e o golfe e o xadrez,
mudarem a cabeça da cama
de parede para parede
e depois diria para terem
outro desgosto amoroso
e para nunca usarem computador
portátil,
evitarem almoços em família
ou serem fotografados num jardim
com flores;
para lerem Hemingway só uma vez,
passarem por Faulkner
ignorarem Gogol
verem fotografias da Getrude Stein
e lerem Sherwood Anderson na cama
enquanto comem bolachas de água e sal,
perceberem que as pessoas que falam de
liberdade sexual tem mais medo do que vocês.
para ouvirem E. Power Biggs a tocar
órgão na rádio enquanto enrolam
um Bull Durham às escuras
numa cidade desconhecida
com um dia para pagar a renda
depois de abandonar
amigos, família e trabalho.
para nunca se considerarem superiores e/
ou justos
e nunca tentar ser.
para terem outro desgosto amoroso.
observarem uma mosca no verão.
nunca tentar ter sucesso.
nunca jogar bilhar.
para se mostrarem verdadeiramente furiosos
quando descobrirem que têm um pneu furado.
tomarem vitaminas mas nunca fazer exercício físico.


depois disto tudo
inverter o processo.
ter um bom caso amoroso.
e aprender
que não há nada nem ninguém a saber tudo –
nem o Estado, nem os ratos
nem a mangueira do jardim nem a Estrela Polar.
e se algum dia me apanharem
a dar uma aula de escrita criativa
e lerem isto
eu dou-vos um 20
pelo cu
acima.




Charles Bukowski

(Trad. m.a.domingos)


[O amor é um cão do inferno]


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7.10.11

Mario Benedetti (Arte poética)






ARTE POÉTICA




Que bata e bata
até que ninguém
possa fazer-se de surdo
que bata e bata
até que o poeta
saiba
ou pelo menos creia
que é a ele
que chamam.




MARIO BENEDETTI
Contra los puentes levadizos
(1965-66)


(Trad. A.M.)

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6.10.11

Um verso (100)






Um verso de Tolentino:




O amor é uma noite a que se chega só




José Tolentino Mendonça

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Marcos Tramón (Os passos da luz)






OS PASSOS DA LUZ

             (Riverside Park)


Os pássaros ao amanhecer
- seus trinados regulares, concentrando
a inaugurada luz da manhã
em claros intervalos de silêncio.
A moça loira, como de capa,
a ler, no seu canto, doravante,
para sempre, passando folhas e dias.
No vaivém do metro,
o tranquilo repouso do amor:
dormitam, e ele debulha os caracóis
dela, encolhida no seu regaço.
Os furiosos esforços da luz
para alcançar os cantos da sombra.
Moços e moças estendidos
junto à fonte, sumindo-se no tempo
sob a luz inclinada da tarde.
É quase a eternidade que se encontra aqui.
Cheguei ao repouso opulento destes bancos
onde a vida não parece passar,
e alguém observa a passagem
de belos rostos de mulheres que escapam,
irremediavelmente.
Esforça-te por reter tanta beleza
contra a luz, intacta;
esforça-te por reter tudo,
como se não estivesse tudo perdido de antemão.


MARCOS TRAMÓN
Desgana
Gijón (2010)

(Trad. A.M.)

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5.10.11

Carlos Drummond de Andrade (Lembrete)






LEMBRETE



Se procurar bem,
você acaba encontrando
não a explicação (duvidosa) da vida,
mas a poesia (inexplicável) da vida.



Carlos Drummond de Andrade


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4.10.11

Luis Alberto de Cuenca (Insónia)






IMSOMNIO





La vida dura demasiado poco.
No da tiempo a hacer nada. No hay manera
de reunir los suficientes días
para enterarte de algo. Te levantas,
abrazas a tu novia, desayunas,
trabajas, comes, duermes, vas al cine,
y ni siquiera tienes un momento
para leer a Séneca y creerte
que todo tiene arreglo en este mundo.
La vida es un instante. No me explico
por qué esta noche no se acaba nunca.



Luis Alberto de Cuenca






A vida dura pouco de mais.
Não dá tempo para nada. Não há maneira
de juntar dias bastantes
para nos inteirarmos de algo. Levantamo-nos,
abraçamos a mulher, almoçamos,
trabalhamos, dormimos, vamos ao nimas
e não temos sequer um momento
para ler Séneca e acreditar
que tudo tem conserto neste mundo.
A vida é um instante. Não percebo
como é que esta noite nunca mais acaba.


(Trad. A.M.)

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3.10.11

Ver (76)








(Gerard Castello Lopes)


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Karmelo C. Iribarren (Amor era isso)






ESO ERA AMOR




Te veía
llegar,
cruzar la puerta,
darme un besazo en el morro,
mirarme a los ojos
de esa manera única,
como sólo tú
miras a los ojos: rompiendo
el calendario.

Te veía hacer
esas cosas sencillas
que tú haces
para que el mundo
entre en razón,

y no sabía
a quién
darle las gracias.



Karmelo C. Iribarren





Via-te
chegar,
passar a porta,
dar-me um beijão nos lábios,
olhar-me nos olhos
dessa maneira única,
como só tu
olhas nos olhos, rasgando
o calendário.

Via-te fazer
essas coisas singelas
que tu fazes
para o mundo
entrar nos eixos,

e não sabia
a quem havia
de dar graças.


(Trad. A.M.)

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2.10.11

Alberto de Lacerda (Uma luz diáfana)






Uma luz diáfana lenta vai caindo
No arco que a esperança construiu de novo




Alberto de Lacerda


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1.10.11

José Luis Piquero (Raquel)






RAQUEL




Raquel, ¿qué te ha pasado
por la cabeza? Puede
que una de esas canciones de niños, tralará,
o quizá algo que no dijiste a tiempo
y que ahora no recuerdas.
Cosas que ponen triste. La tristeza,
la Puta,
se te ha prendido en las mejillas
como una araña.

Yo prefiero pensar en ti bailando,
en mi casa, no hace mucho de eso, y te aseguro
que tu sonrisa era la más bonita de la tierra.
Parecías un vaso o una fruta
hacia los que se alarga lentamente la mano:
algo para aprenderse de memoria.
Y sin embargo aquel no era tu sitio, ahora lo sé,
en esa desdichada felicidad de quienes lo dan todo y nunca hacen preguntas.
Raquel, eras un ángel que follaba y bailaba y bebí¬a cerveza
pero los hombres nunca
te han tratado muy bien.

Lámete esas heridas, nenita, cógeme el teléfono.
El veneno del mundo te ha mojado los labios.
Sé sencilla.
Todos los hombres te desean pero
qué flores tan extrañas, ¿no es verdad?

Tú y yo sabemos tres o cuatro cosas
que dan para vivir
y nunca cometimos el error de acostarnos.
Raquel, quédate quieta entre las flores
e intenta ser feliz. Lo que hacen todos.


José Luis Piquero






Raquel, o que é que te passou
pela cabeça? Possivelmente
uma dessas canções de crianças, tralalá,
ou algo talvez que não disseste a tempo
e agora já não recordas.
Coisas que dão tristeza,
essa Puta,
que se te agarrou à cara
como uma aranha.

Eu antes quero pensar em ti bailando,
em minha casa, não há muito, e garanto-te
que é o mais bonito do mundo o teu sorriso.
Parecias um copo, uma peça de fruta
para que se estende a mão devagar,
algo para aprender de memória.
E todavia não era aquele, agora sei, o teu lugar,
nessa desventurada ventura de quem dá tudo sem fazer perguntas.
Eras um anjo, Raquel, a foder e a bailar e a beber cerveja
mas os homens nunca
te trataram muito bem.


Lambe-me essas feridas, boneca, pega no telefone.
Molhou-te os lábios o veneno do mundo.
Sê simples.
Os homens desejam-te mas
que flores mais estranhas, não são?


Tu e eu sabemos três ou quatro coisas
que dão para viver
e nunca caímos na asneira de ir para a cama.
Raquel, aquieta-te aí entre as flores
e tenta ser feliz. Como todos fazem.



(Trad. A.M.)

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