14.10.10

Lawrence Durrell (Ruas que fogem das docas)






Ruas que fogem das docas, por entre montões de casas desmanteladas e apodrecidas, metendo-se umas pelas outras, voltando as costas umas às outras...

Balcões esteirados formigando ratos, e velhas cujo cabelo está cheio de crostas de feridas.

Paredes ébrias que cambaleiam para leste e oeste do seu verdadeiro centro de gravidade.

Cordões negros de moscas colando-se aos lábios e aos olhos das crianças, e larvas de moscas, como pérolas húmidas, por todo o lado; o peso dos cadáveres faz cair o papel mata-moscas nas portas dos cafés e das cantinas.

Odor dos berberes curtidos de suor, comparável ao cheiro de uma velha passadeira em decomposição.

E, depois, os pregões e os ruídos da rua: os gritos e o tilintar do aguadeiro, batendo os pratos de metal para anunciar a sua passagem, e os gritos inesperados que, uma vez por outra, dominam a algazarra, tais como os de um pequeno animal de órgãos sensíveis que se estripa vivo.

Feridas como pântanos... a incubação da miséria humana toma tais proporções que nos confunde, transbordando e espalhando todos os sentimentos humanos numa vaga única de desgosto e terror.




- LAWRENCE DURREL, Justine (1.ª parte), trad. Daniel Gonçalves.


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