18.10.10

João Cabral de Melo Neto (O poema)






O POEMA




A tinta e a lápis
Escrevem-se todos
Os versos do mundo.


Que monstros existem
Nadando no poço
Negro e fecundo?


Que outros deslizam
Largando o carvão
De seus ossos?


Como o ser vivo
Que é um verso,
Um organismo


Com sangue e sopro,
Pode brotar
De germes mortos?


   *


O papel nem sempre
É branco como
A primeira manhã.


É muitas vezes
O pardo e pobre
Papel de embrulho;


É de outras vezes
De carta aérea,
Leve de nuvem.


Mas é no papel,
No branco asséptico,
Que o verso rebenta.


Como um ser vivo
Pode brotar
De um chão mineral?




JOÃO CABRAL DE MELO NETO
O engenheiro
(1945)


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