14.9.10

José Gomes Ferreira (Viver sempre também cansa)






VIVER SEMPRE TAMBÉM CANSA!




Viver sempre também cansa!


O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase-verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.


O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.


As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.


Tudo é igual, mecânico e exacto.


Ainda por cima, os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.


E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe, automóveis de corrida...


E obrigam-me a viver até à Morte!


Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?


Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas por mim, meu amor do Norte.


Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com o teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."


E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...



José Gomes Ferreira




>>  As Tormentas (9p)  /  Instituto Camões (perfil)  /  TriploV (11p)  /  Luso-poemas (4p)  /  Porto de Abrigo (5p)


.