18.8.10

José Rodrigues Miguéis (Brincar no sótão)






Que menino se recusou já a brincar num sótão, a inventar inexistência?

Está-se fora do mundo, numa torre inacessível, as pessoas crescidas ficam longe, com as suas ocupações, ideias, hábitos incompreensíveis.

Aqui é o reino da fantasia, da realidade indescoberta.

Vêem-se as traves e as telhas do avesso, com teias de aranha, e há umas lucarnas pequeninas, muito engraçadas, viradas para o céu azul, o sol, o silêncio, às vezes o pio dum pássaro, uma paz de eternidade.

Assim, no cheiro de palha, de mofo e clandestinidade, de pó e madeira tostada de sol, entre murmúrios de palavras proibidas, gestos rituais de descobrimento, e acres emanações de suor infantil, pode-se ser feliz ou infeliz à vontade, e, apesar da carne ainda insensível, ir aprendendo os segredos do ser, que exalta e que dói.



- JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS, A Escola do Paraíso (18-Um drama sob o Terror), 1960.

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