25.1.10

Rosana Acquaroni (Há janelas)








HÁ JANELAS QUE PODEM HABITAR-SE





Há janelas que podem habitar-se
como se habita uma cidade, durante anos.
Há cenas que acendem uma vida
e vidas
que acendem uma morte enquanto duram.


Foi tão só um instante.
Depois
aquela imagem foi ficando para trás
e tive a certeza
de que ela mesma consentira na sua morte.


O sacrifício é sempre uma forma de vingança.
Na noite anterior
ele havia prometido levá-la a ver o mar.


A janela dum comboio
pode chegar a conter o mundo num instante.


Depois de a bater
ela caiu de joelhos ante ele,
enquanto ele a olhava
e a sua mão homicida se abria sem querer
e a pedra sangrava,
deixava-se cair
e despenhava-se talude abaixo.


Pergunto-me como se terão conhecido.
Onde se apaixonaram.
Se ela sabia coser.
Se haveria alguém a esperá-la.


Não pude dizer nada.
Assistir ao fragmento da vida de outrem.
Sentir a mediania de um corpo malogrado.
Ver-me a afastar-me
e os meus olhos sem tempo
a quererem estirar-se, deter-se,
compreender.


O comboio seguia o seu curso.


(Um homem só que planeia uma morte em campo aberto. Alguém que por acaso olhava nesse instante pela janela dum comboio e o contempla. É tudo).



ROSANA ACQUARONI
Lámparas de arena
(2000)


(Trad. A.M.)


(Original)



Fontes:  Rosana Acquaroni (sítio of.+antologia)  /  Facebook  /  A media voz (19p)  /  Cervantes (30p)


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