16.1.10

Herberto Helder (Não sei como dizer)







NÃO SEI COMO DIZER



Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
e a atenção começa a florir,
quando sucede a noite esplêndida e casta.


Não sei o que quer dizer, quando longamente
teus pulsos se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado.


Quando, iniciado o campo,
o centeio imaturo ondula tocado pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.


Quando as folhas de melancolia arrefecem
com astros ao lado do espaço e o coração é uma semente
inventada em seu ascético escuro e em turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha cara ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.


Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza, dentro de mim, te procura.


Durante a primavera inteira aprendo os trevos,
a água sobrenatural, o leve e abstracto correr do espaço
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega dos meus lábios,
sinto que me falta um girassol,
uma pedra, uma ave, qualquer coisa extraordinária.


Porque não sei como dizer-te sem milagres que
dentro de mim é o sol, o fruto, a criança, a água, o leite, a mãe, o amor,
que te procuram.


Herberto Helder

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