27.1.10

A.M.Pires Cabral (Confesso que voei)







CONFESSO QUE VOEI



Mas, se nestas seis décadas e meia
eu fui capaz de algum voo

– concedo, semelhante ao das galinhas,
isto é, rudimentar, desgracioso,
com muitíssimo dispêndio de energia
para pouca ascensão, breve e apenas
em desespero de causa;
em todo o caso uma forma de voo
pelo qual me sustentei no ar
em horas de menos peso –

devo agora, fechado o ciclo do voo,
como os pássaros pousar.

E isto não é como uma loja
que muda de ramo
ou que em fins de Dezembro
fecha para balanço.
Nem como executar
um mandado de detença.
Nem expiar a desordem
de, sendo pedestre, ter voado.
Nem um remate compulsivo
à sedição.

Pousar, é tudo. Regressar
ao afago das coisas da terra.
A terra cobrar por fim o que lhe devo
e eu cobrar dela o que me deve
desde a primeira hora.

Voei, está voado.
Nada de nostalgias.



A.M. Pires Cabral

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