31.12.10

INDICE DE AUTORES (2005-10)








ACQUARONI, Rosana
AGUIAR, Cristóvão
AGUIAR, Jorge
AGUSTINI, Delmira
ALBERT, Irene
ALBERTI, Rafael
ALEGRE, Manuel
ALEGRIA, Claribel
ALEIXANDRE, Vicente
ALEXANDRE, António Franco
ALIEBURI, Ibne Ayyas
ALISBUNI, Ibne Mucana
ALMEIDA, José António
ALMUTÂMIDE, Mohâmede
ALONSO, Dámaso
AMAR, Ibne
ANDRADE, Carlos Drummond
ANDRADE, Eugénio
ANDRADE, Mário
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner
ASSIS, Machado
ATWOOD, Margaret
BANDEIRA, Manuel
BAPTISTA, José Agostinho
BARRON, Néstor
BARROS, José Carlos
BARROS, Manoel
BARRUECO, José Ángel
BAUDELAIRE, Charles
BAUTISTA, Amalia
BEAUVOIR, Simone
BEJARANO, Julián
BELO, Ruy
BENEDETTI, Mario
BENÍTEZ REYES, Felipe
BERGAMÍN, José
BERTO, Al
BIGURI, Íker
BLANDIANA, Ana
BOLAÑO, Roberto
BONIFAZ NUÑO, Rubén
BORGES, Jorge Luís
BOTELHO, Renata Correia
BOTTO, António
BRANCO, Camilo Castelo
BRANCO, Rosa Alice
BRANDÃO, Fiama Hasse Pais
BRANDÃO, Raul
BRECHT, Bertolt
BRINES, Francisco
BRITO, Casimiro
CABRAL, A.M.Pires
CABRAL, Rui Pires
CADILHE, Gonçalo
CAMÕES, Luís
CARNEIRO, Mário Sá
CARRIEGO, Evaristo
CARSON, Anne
CARVALHEIRA, Jorge
CARVALHO, José Rentes
CARVALHO, Raul
CARVER, Raymond
CASTELLANOS, Rosario
CASTILLA, Manuel J.
CASTRO, Rosalía
CELAYA, Gabriel
CENTENO, Yvette
CERNUDA, Luís
CESARINY, Mário
CHAR, René
CINATTI, Ruy
CORREDOR-MATHEOS, José
CORREIA, Natália
CORTÁZAR, Julio
CRAWFORD, Robert
CRUZ, Sor Juana Inês
CUENCA, Luis Alberto
DALTON, Roque
DAS, Javier
DÍAZ-GRANADOS, Federico
DIEGO, Eliseo
DIONÍSIO, Mário
DURRELL, Lawrence
EDSON, Russel
EIRAS, Pedro
ELOY BLANCO, Andrés
ELUARD, Paul
ESPANCA, Florbela
FAFE, José Fernandes
FELIPE, León
FERNÁNDEZ MORENO, Baldomero
FERREIRA, David Mourão
FERREIRA, José Gomes
FERREIRO, Celso Emilio
FIGUEIREDO, Tomaz
FONOLLOSA, José María
FONSECA, Manuel
FONTE, Ramiro
FREITAS, Manuel
GALARZA, Javier
GALEANO, Eduardo
GALLEGO, Vicente
GAMONEDA, António
GARCÍA CALVO, Agustín
GARCÍA CASADO, Pablo
GARCÍA MARTÍN, José Luis
GELMAN, Juan
GIDE, André
GIL DE BIEDMA, Jaime
GIRONDO, Oliverio
GONZÁLEZ, Angel
GONZÁLEZ, David
GONZÁLEZ IGLESIAS, Juan Antonio
GOYTISOLO, José Agustín
GUEDEA, Rogelio
GULLAR, Ferreira
HATHERLY, Ana
HELDER, Herberto
HERCULANO, Alexandre
HERNÁNDEZ, Francisco
HERNÁNDEZ, Miguel
HERNÁNDEZ, Paz
HILST, Hilda
HORTA, Maria Teresa
HUIDOBRO, Vicente
INÁCIO, Ana Paula
IRIBARREN, Karmelo C.
JEANSON, Henri
JONAS, Daniel
JORGE, João Miguel Fernandes
JORGE, Luiza Neto
JUARROZ, Roberto
JÚDICE, Nuno
JUNQUEIRO, Guerra
KAVAFIS, Konstandinos
KNOPFLI, Rui
LAINE, Jarkko
LEIRIA, Mário-Henrique
LEMINSKI, Paulo
LEVI, Jan Heller
LIMA, Ângelo
LISPECTOR, Clarice
LIZALDE, Eduardo
LOBO, Francisco Rodrigues
LOPES, Adília
LOPES, Fernão
LUHRMANN, Baz
MACHADO, Antonio
MARGARIT, Joan
MARTINS, Albano
MATTOS, António Almeida
MARZAL, Carlos
MEIRELES, Cecília
MENDONÇA, José Tolentino
MERINI, Alda
MERINO, Ana
MESTRE, Juan Carlos
MEXIA, Pedro
MEZQUITA, Nuria
MIGUÉIS, José Rodrigues
MIRANDA, Francisco Sá
MONETTE, Hélène
MONTEIRO, Adolfo Casais
MORAES, Vinicius
MORIN, E.
MOURA, Gabriela
MUÑOZ ROJAS, José Antonio
MUTIS, Álvaro
NAMORADO, Joaquim
NAVA, Luís Miguel
NEGREIROS, José Almada
NEJAR, Carlos
NEMÉSIO, Vitorino
NERUDA, Pablo
NESSI, Alberto
NETO, João Cabral de Melo
NIETZSCHE, Friedrich
NOVELLI, Aldo Luis
OLIVEIRA, Carlos
OLIVEIRA, Carlos Mota
OLIVEIRA, Mário Rui
O’NEILL, Alexandre
ORIHUELA, Antonio
ORS, Miguel d’
ORTIZ, Fernando
OSÓRIO, António
OTERO, Blas
PACHECO, Fernando Assis
PACHECO, José Emilio
PANERO, Juan Luis
PANERO, Leopoldo María
PARRA, Josefa
PARRA, Nicanor
PAVESE, Cesare
PAZ, Octavio
PEDREIRA, Maria do Rosário
PEIXOTO, José Luís
PÉREZ CABAÑA, Rosario
PÉREZ CAÑAMARES, Ana
PERI ROSSI, Cristina
PESSANHA, Camilo
PESSOA, Fernando
PESSOA, Fernando (A.Caeiro)
PESSOA, Fernando (A.Campos)
PESSOA, Fernando (R.Reis)
PIMENTA, Alberto
PINA, Manuel António
PIQUERO, José Luis
PIRES, Graça
PITTA, Eduardo
PIZARNIK, Alejandra
PLATH, Sylvia
PRADO, Adélia
PRÉVERT, Jacques
QUINTANA, Mário
RAMOS SIGNES, Rogelio
RANGEL, Violeta C.
RÉGIO, José
REIS, António
REYES, Miriam
RIBEIRO, Aquilino
RIBEIRO, Bernardim
RIECHMANN, Jorge
RITSOS, Yannis
RODRÍGUEZ, Claudio
ROJAS HERAZO, Héctor
ROMERO, Kutxi
ROSA, António Ramos
ROSSETTI, Ana
RUSHIN, Kate
SABINES, Jaime
SAFO
SALINAS, Pedro
SÁNCHEZ ROSILLO, Eloy
SANTOS, José Carlos Ary
SANZ, María
SARA, Ibne
SENA, Jorge
SERPA, Alberto
SEXTON, Anne
SILVA, José Mário
SILVA, José Miguel
SIMONOV, Konstantin
STABILE, Uberto
STRAND, Mark
TAGORE, Rabindranath
TAVARES, Gonçalo M.
TEILLIER, Jorge
THEOBALDY, Jürgen
TORGA, Miguel
UÁZIR, Abdalá Ibne
UGIDOS, Silvia
VALDÉS, Zoé
VALÉRY, Paul
VALLEJO, César
VERDE, Cesário
VICENTE, Gil
VILA-MATAS, Enrique
VILARIÑO, Idea
VILLENA, Luis Antonio
WILLIAMS, W. C.
YEATS, W.B.
YOURCENAR, Marguerite
ZAÍD, Gabriel


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Vicente Gallego (Uma história vulgar)






UNA HISTORIA VULGAR




Qué extraño es de repente todo esto
cuando te pasa a ti: que se arruine la carne,
que el entusiasmo falle, esos dos baluartes
que jamás se rindieron, ni siquiera
cuando todo tembló en algún momento.
La realidad te alcanza, y el mundo te parece
un chicle masticado que molesta
retener en la boca sin sabor. Vas llegando
donde jamás pensaste que llegaras,
porque no piensa el joven seriamente
- y ése ha sido el regalo más grande de la vida -
que su destino sea el deterioro.
Es vulgar esta historia como aquellas
que leías distante en los versos ajenos:
otro hombre comprende que ha gastado
para siempre la parte más hermosa
y también la más breve de su tiempo.
Es vulgar esta historia,
y al mundo no le importa.
Lo que tiene de nuevo es que por fin
ese hombre eres tú.


Vicente Gallego





Que estranho é de repente tudo isto
quando te acontece a ti: arruinar-se a carne,
faltar o entusiasmo, esses dois baluartes
que jamais se renderam, nem mesmo
quando tudo tremeu em algum momento.
A realidade apanha-te e o mundo parece-te
um chiclete mastigado que desagrada
manter na boca sem sabor. Vais chegando
onde jamais pensaste que chegarias,
porque um jovem não pensa seriamente
- esse, aliás, o presente maior da vida –
que o seu destino seja a degradação.
É vulgar esta história como aquelas
que lias distante nos versos alheios:
outro homem compreende que gastou
para sempre a parte mais preciosa
e também a mais breve do seu tempo.
É vulgar esta história
e ao mundo não lhe interessa.
O que tem de novo é que agora
esse homem és tu.


(Trad. A.M.)

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30.12.10

Aquilino Ribeiro (Dealbara de todo a manhã+Voc.)






Dealbara de todo a manhã e já a oriente, com fluxo vagaroso e avassalador de preia-mar, a vermelhidão do arrebol se ia propagando.

Um fumo muito derramado de índigo e cor de pérola tornava indecisos os remotos horizontes.

Mas no restolhal, os regos baços e as comas claras reluziam monótonas e direitas como pentagramas unidos e sem fim.

Andava por lá rebalsando, voejando, a aura ligeira, e o rescender da macela e da erva-santa boiava no ar.



- AQUILINO RIBEIRO, O homem que matou o diabo, Bertrand, 1985, p. 133.




- Vocabulário (só dos extractos, desta obra):


alvacenta
arrebol
balsa
cinzeiral
coma
couto
dealbar
fosforejar
frutenegra
índigo
macela
nozelhão
penhascal
rebalsar
rescender
rescendor
restolhal
telha-vã
tropecer
vargem
voejar

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José Luis Piquero (Oração de Caim)





ORACIÓN DE CAÍN




Gracias, odio; gracias, resentimiento;
gracias, envidia:
os debo cuanto soy.
Lo peor de nosotros mantiene el mundo en marcha
y la ira es un don: estamos vivos.


De quien demonios sean las sonrisas,
derrochadas igual que mercancía barata,
yo nunca me he ocupado.
Gracias por no dejarme ser inconstante y dulce
mientras levanta el mundo su obra minuciosa de dolor
y nos hacemos daño unos a otros
amándonos a ciegas,
con torpes manotazos.


Yo soy esa pregunta del insomnio
y su horrible respuesta.
Bésanos en la boca, muchedumbre, y esfúmate,
que estamos siempre solos y no somos felices.


Gracias, angustia; gracias, amargura,
por la memoria y la razón de ser:
no quiero que me quieran al precio de mi vida.


Gracias, señor, por mostrarme el camino.
Gracias, Padre,
por dejar a tu hijo ser Caín.



José Luis Piquero







Obrigado, ódio; obrigado, ressentimento;
obrigado, inveja,
quanto sou a vós o devo.
O pior de nós é que faz girar o mundo
e um dom é a ira: estamos vivos.


De quem diabo sejam os sorrisos,
desperdiçados como artigo barato,
nunca eu me ocupei.
Obrigado por me impedirem ser inconstante e doce
enquanto o mundo levanta sua minuciosa obra de dor
e nós nos lesamos uns aos outros
amando-nos às cegas,
com mãos desajeitadas.


Eu sou essa pergunta da insónia
e sua horrível resposta.
Beija-nos, multidão, e esfuma-te,
que estamos sempre sós e não somos felizes.


Obrigado, angústia; obrigado, amargura,
pela memória e pela razão de ser,
não quero que me amem em troca da minha vida.


Obrigado, senhor, por me mostrares o caminho.
Obrigado, Pai,
por deixares teu filho ser Caim.



(Trad. A.M.)

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29.12.10

José Régio (Balada de Coimbra)






BALADA DE COIMBRA




- Do Penedo da Saudade
Lancei os olhos além.
Meu sonho de eternidade
Com saudade rima bem...


Ai sombras da Torre de Anto,
Do Convento de além rio,
Dos muros brancos do Pio,
De Santo António a cismar,
Que é de outras sombras que à tarde
Convosco se confundiam,
E ao ar os braços erguiam,
E as mãos abriam no ar...?


(Sem saber para onde iam,
Aonde iriam parar?)


- Penha da Meditação...
Silêncio que paira em tudo!
A terra e o céu dão a mão
Num longo colóquio mudo...


Ai céus de Setembro-Outubro,
Painéis de sonho e loucura,
Rasgando a toda a lonjura
Cenários de arrepiar,
Que é de esses olhos de abismo
Que à tarde a vós se elevam,
Por longe andavam, voltavam,
Vos devolviam no olhar...?


(Sem saber o que buscavam,
Que haviam de ir encontrar?)


- Chegam da Baixa até Celas
Os ais dos sinos na bruma.
Se o céu tem tantas estrelas,
Importa lá cair uma!


Ai linda triste janela,
Toda voltada ao poente,
De onde a menina doente
Sorria a um Anjo seu par,
Rainha Santa do bairro,
Que é de essa cuja mão fria
Do teu caixilho pendia
Como um lírio a desfolhar...?


(Sem saber para onde ia,
Aonde iria parar?)


- Quinta das Lágrimas, onde
Chora a fonte doce e langue!
Corre a água, e não esconde
Aquelas manchas de sangue...


Ai olivais silva e prata,
Choupos transidos de mágoa,
Ai laranjais de ao pé de água
Com frutos de oiro a brilhar,
Que é do bando vagabundo
Cujo rir vos acordava,
Cuja tristeza só dava
Mais vontade de cantar...?


(Sem saber o que buscava,
Que havia de ir encontrar?)


- Fui à Lapa dos Esteios,
Grandes coisas fui saber:
Que há pedras que têm seios,
que eu bem n-as ouvi gemer...


Ai pedras nuas dos becos
Despenhando-se, angustiados
Entre esses velhos telhados
E muros de ar singular,
Que é de esses passos que a medo
Vos pisavam, e tremiam,
Passos de irmão, que sofriam
Da mágoa de vos pisar...?


(Sem saber para onde iam,
Aonde iriam parar?)


- No Choupal quis fazer versos,
Olhei as folhas do chão.
Deus sabe os sonhos dispersos
Que o vento leva na mão!


Ai águas do meu Mondego
Que entre choupais murmurando
Se me esquivais, nesse brando
Sempre ir andando até mar,
Que é das mãos roxas de febre
Que em vós se desalteravam,
E entre as folhas que boiavam
Se deixavam arrastar...?


(Sem saber o que buscavam,
Que haviam de ir encontrar?)


- A Santa Cruz, um por um,
Dos troncos fui despedir-me.
Não tenho amigo nenhum
Que me haja sido tão firme...


Ai choro com que o Paredes,
Vibrando os dedos em garra,
Despedaçava a guitarra,
Punha os bordões a estalar,
Gritos de cristal e de oiro
Que o Bettencourt alto erguia,
Que é da roda que algum dia
Vos sabia acompanhar...?


(Sem saber para onde ia,
Aonde iria parar?)


- Fonte do Largo da Sé,
Que dizes tu ao cair?
- Mortos do adro, de pé!,
Que os vivos é só dormir...


Ai crepúsculos de antanho,
Limalha do sol, que morre
Lá desde o cimo da Torre
Té Santa Clara, além-mar,
Que é de essa plêiade antiga
Cuja alma em vós se encantava,
Feita de cinza e de lava,
Desfeita em sombra e luar...?


(Sem saber o que buscava,
Deus sabe o que iria achar!)


- Do Penedo da Saudade
Lancei os olhos acima.
Sonho meu de eternidade
Com saudade é que bem rima...



José Régio

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28.12.10

José Luís Peixoto (Estou sozinho)






ESTOU SOZINHO




Estou sozinho de olhos abertos para a escuridão. estou sozinho.
estou sozinho e nunca aprendi a estar sozinho. estou sozinho.
sinto falta de palavras. estou sozinho. estou sozinho.
sinto falta de uns olhos onde possa imaginar. estou sozinho.
sinto falta de mim em mim. estou sozinho. estou sozinho.
estou sozinho.



José Luís Peixoto


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27.12.10

José Luis García Martín (Sete haikai)






SIETE HAIKUS




1.
El mundo de los sueños / y este otro mundo / donde te sueño.


2.
El tiempo vuela / pero siempre regresa / al mismo sitio.


3.
Lejos, muy lejos / alguien me espera / y no lo sabe.


4.
No tengo nada / y nada me hace falta / si tú sonríes.


5.
En el recuerdo / la vida no vivida / vivo de nuevo.


6.
Qué poca cosa / ese instante que llaman / eternidad.


7.
Noches y días / y una noche en que caben / todos los días.




José Luis García Martín




[Café Arcadia]





1.
O mundo dos sonhos / e este outro mundo / em que eu te sonho.


2.
O tempo voa / mas volta sempre / ao mesmo sítio.


3.
Longe, bem longe / alguém me espera / e não o sabe.


4.
Não tenho nada / e nada preciso / se tu me sorris.


5.
Recordando / a vida não vivida / vivo de novo.


6.
Coisa pouca / esse instante a que chamam / eternidade.


7.
Noites e dias / e uma noite em que cabem / todos os dias.



(Trad. A.M.)


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José Tolentino Mendonça (Versões do mundo)






VERSÕES DO MUNDO





Se tiveres de escolher um reino
escolhe o relento
a noite tem a brancura do alabastro
ou mais extraordinária ainda


Ao que vem depois de ti
cede o instante
sem pronunciar
seu nome



José Tolentino Mendonça




>> As Tormentas (23p)  /  Um buraco na sombra (23p  /  Poesias e prosas (11p)


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26.12.10

Coitado do Jorge (63)






ATRASADA-2







SMS-1
Atrasada, desculpa, só mais uma hora...






SMS-2
Esperei por ti 20 anos, não chega?


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José Emilio Pacheco (A flecha)






LA FLECHA




No importa que la flecha no alcance el blanco
Mejor así
No capturar ninguna presa
No hacerle daño a nadie
pues lo importante
es el vuelo la trayectoria el impulso
el tramo de aire recorrido en su ascenso
la oscuridad que desaloja al clavarse
vibrante
en la extensión de la nada.



José Emilio Pacheco







Não importa que a flecha não atinja o alvo
Melhor assim
Não atingir nenhuma presa
Não fazer mal a ninguém
pois importante
é o voo a trajectória o impulso
o trecho de ar percorrido
a escuridão que desaloja ao cravar-se
vibrante
na extensão do nada.


(Trad. A.M.)


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25.12.10

José Agostinho Baptista (Estás no verão)






Estás no verão,
num fio de repousada água, nos espelhos perdidos sobre
a duna.
Estás em mim,
nas obscuras algas do meu nome e à beira do nome
pensas:
teria sido fogo, teria sido ouro e todavia é pó.
sepultada rosa do desejo, um homem entre as mágoas.
És o esplendor do dia,
os metais incandescentes de cada dia.
Deitas-te no azul onde te contemplo e deitada reconheces
o ardor das maçãs,
as claras nuvens noções do pecado.
Ouve a canção dos jovens amantes nas altas colinas dos
meus anos.
Quando me deixas, o sol encerra as suas pérolas,
os rituais que previ.
Uma colmeia explode no sonho, as palmeiras estão em
ti e inclinam-se.
Bebo, na clausura das tuas fontes, uma sede antiquíssima.
Doce e cruel é setembro.
Dolorosamente cego, fechado sobre a tua boca.



JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA
Paixão e cinzas
Assírio & Alvim
(1992)


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24.12.10

Fernando Pessoa (O menino da sua mãe)





O MENINO DA SUA MÃE




No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado -
Jaz morto, e arrefece.


Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.


Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
"O menino da sua mãe".


Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.


De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.


Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.



Fernando Pessoa


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José Corredor-Matheos (Poucas coisas despertam)






Pocas cosas despiertan
mi alegría
como el brincar gozoso
de algún perro
que me ha salido al paso.
Pocas cosas remueven
algo profundo en mí
como el mirar de un perro
fatigado
de haber vivido tanto.
Todo el amor del mundo
que tu ansías
y la desolación que sientes
asoman a los ojos
de un perro que te mira,
interrogándote.



José Corredor-Matheos






Poucas coisas despertam
minha alegria
como o brincar gozoso
de um cachorro
que me saia ao caminho.
Poucas coisas remexem
algo profundo em mim
como o olhar de um cão
fatigado
de tanto ter vivido.
Todo o amor do mundo
por que ansiamos
e a desolação que sentimos
assomam aos olhos
de um cão que nos olha,
interrogando-nos.


(Trad. A.M.)

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23.12.10

Eugénio de Andrade (Não perguntes)






NÃO PERGUNTES




De onde vem? De que fonte
ou boca
ou pedra aberta?
É para ti que canta
ou simplesmente
para ninguém?


Que juventude
te morde ainda os lábios?
Que rumor de abelhas
te sobe à garganta?
Não perguntes, escuta:
é para ti que canta.



Eugénio de Andrade


[Poemblog]


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22.12.10

Aquilino Ribeiro (Os rescendores da Primavera esmorecente)






Ao descolar do automóvel – seriam dez horas quando muito – abatia-se sobre a cidade a quietude dos lugarejos, ditosamente adormecidos com o recolher do galo.

Noite obscura, fosforejavam as estrelas no céu fundo e baço, como brasas espalhadas num imenso cinzeiral.

Adiante do carro fugia a estrada, inalteravelmente negra e silenciosa, ora disparando em voo de flecha, ora serpenteando acima da vargem a que as tintas opacas da noite imprimiam as aparências dum tenebroso e desmedido mar.

Mal lhe descompunha a negrura a luz forte dos faróis e à sua nudez imponderável o zumbido rouco do motor dava a amplificação majestosa dum deserto.

Das sebes, onde uma macieirinha anã devia erguer ramos, pesados de velhice e de frutos tenros, das copas altas das mimosas e acácias, com os troncos grossos perfilados como patrulhas ao longo das valetas, dos quintais do pobre, dos próprios coutos de mato galego, vinham alagar, envolver o carro os rescendores da Primavera esmorecente.



- AQUILINO RIBEIRO, O homem que matou o diabo, Bertrand, 1985, p. 99.

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José Antonio Muñoz Rojas (Há palavras que se unem)






Hay palabras que se unen y crean.
Su unión siempre es fecunda. Quien las tenga
de huéspedes en el alma será salvo.
Decirlas es perderlas. Viven dentro.
Sus nombres son Silencio y Soledad.
Y su fruto la paz. A veces nuestra.



José Antonio Muñoz Rojas






Há palavras que se unem e criam.
Sua união é sempre fecunda. Quem as tiver
na alma como hóspedes será salvo.
Dizê-las é perdê-las. Vivem dentro.
Seus nomes são Silêncio e Solidão.
E seu fruto a paz. Às vezes nossa.


(Trad. A.M.)


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21.12.10

Anne Carson (Então a porta do corredor)





(XX. Então a porta do corredor fecha-se novamente e o ruído desaparece)




No esforço que fazemos por achar o caminho
entre os conteúdos da memória
(insiste Aristóteles)
é útil o princípio de associação:
“passar rapidamente de um ponto ao seguinte,
por exemplo de leite a branco,
de branco a ar,
de ar a húmido,
até recordarmos o Outono,
no caso de estarmos tentando recordar essa estação”.
Ou supondo,
leitor amável,
que não queiras recordar o Outono, mas a liberdade,
um princípio de liberdade
que houve entre duas pessoas, pequeno e selvagem,
como são os princípios, mas quais são aqui as regras?
Tal como ele diz,
a loucura pode ficar na moda.
Passar então rapidamente
de um ponto ao seguinte,
por exemplo de bico a duro,
de duro a quarto de hotel,
de quarto de hotel
à frase encontrada numa carta que escreveu num táxi
no dia em que se cruzou com a mulher,
que ia a caminhar pelo outro passeio,
mas ela não o viu, dirigia-se
- como são engenhosas as combinações do fluxo
que chamamos história moral,
talvez não tão claras só como as fórmulas matemáticas,
escritas que são na água –
ao tribunal
para apresentar o pedido de divórcio, uma frase como
que sabor entre as tuas pernas.
Depois do que, mediante esta faculdade absolutamente divina,
a “memória das palavras e das coisas”,
recordamos a liberdade.
É isso eu? grita a alma irrompendo.
Almita, pobre animal incerto,
cuidado com este invento “sempre útil para aprender e viver”
como diz Aristóteles, Aristóteles,
que não tinha marido,
raramente menciona a beleza
e provavelmente de boneca passaria depressa para escrava
ao tratar de lembrar esposa.




ANNE CARSON
The Beauty of the Husband: A Fictional Essay in 29 Tangos





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Alexandre O'Neill (Se)






SE




Se é possível conservar a juventude
respirando abraçado a um marco do correio;
Se a dentadura postiça se voltou contra a pobre senhora
e a mordeu deixando-a em estado grave;
Se ao descer do avião a Duquesa do Quente
pôs marfim a sorrir;
Se Baú-Cheio tem acções nas minas de esterco;
Se na América um jovem de cem anos
veio de longe ver o Presidente
a cavalo na mãe;
Se um bode recebe o próprio peso em aspirina
e a oferece aos hospitais do seu país;
Se o engenheiro sempre não era engenheiro
e a rapariga ficou com uma engenhoca nos braços;
Se, reentrante, protuberante, perturbante,
Lola domina ainda os portugueses;
Se o Jorge (o “ponto do Jorge”!) tentou beber naquela noite
o presunto de Chaves por uma palhinha
e o Eduardo não lhe ficou atrás
ao sair com a lagosta pela trela;
Se «ninguém me ama porque tenho mau hálito
e reviro os olhos como uma parva»;
Se a Mimi Travessuras já não vem a Lisboa
cantar com o Alberto...


... Acaso o nosso destino, tac!, vai mudar?



Alexandre O'Neill



[Cravo de Abril]


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20.12.10

José Angel Barrueco (A família dispersa)






LA FAMILIA DISPERSA




la familia acabó dispersa, disgregada
mi madre vive en un piso de alquiler con dos gatos
mi hermano se mudó a una isla, para alejarse del pasado
mi hermana comparte techo con su novio en nuestra tierra
yo vivo con mi chica en una ciudad distinta


mi padre tuvo que vender la empresa familiar
(y con el dinero solventaron las deudas del negocio)
hoy comparte casa con mi abuela
sospecho que no se soportan
a él le han despojado en una sola jugada
del trabajo, del paro y de la seguridad social
sobrevive como puede, supongo
es como si el destino hubiera querido
ajustarle las cuentas


pero nosotros,
mi madre
mis hermanos y yo
no queríamos eso para él
nos bastaba con olvidarlo,
con alejarlo de nuestras vidas
no queríamos que la sociedad
y sus normas lo colocaran en
ese estado en el que un hombre es un paria:
sin oficio, sin sueldo, sin un lugar donde caerse muerto


pero a veces los cuentos funcionan así
y para nosotros cuatro tuvo un final feliz
seguimos siendo una piña, prieta e irrompible
él no pudo derrotarnos y quiero que sepas
que, si él no lo consiguió,
nadie lo hará.




JOSÉ ANGEL BARRUECO (*)
No hay camino al paraíso
Ya lo dijo Casimiro Parker
(2009)


[.ensilencio.]





a família acabou dispersa, desagregada
minha mãe vive com dois gatos num andar arrendado
meu irmão mudou-se para uma ilha, para se afastar do passado
minha irmã partilha o tecto com o noivo na nossa terra
eu vivo com a minha rapariga noutra cidade


meu pai teve de vender a empresa familiar
(e com o dinheiro pagaram as dívidas do negócio)
hoje divide a casa com a minha avó
desconfio que não se aturam
a ele tiraram-lhe dum só golpe
o trabalho, o desemprego e a segurança social
sobrevive como pode, suponho eu
é assim como se o destino quisesse
ajustar contas com ele


mas nós,
minha mãe
meus irmãos e eu
não queríamos isso para ele
bastávamo-nos com esquecê-lo
afastá-lo da nossa vida
não queríamos que a sociedade
e suas regras o pusessem
nesse estado que faz de um homem um pária,
sem ofício, sem salário, sem ter onde cair morto


mas às vezes as histórias são assim
e para nós quatro foi um final feliz
continuamos a ser como uma pinha,
cerrada e impartível
ele não foi capaz de nos derrotar
e posso dizer, se ele não conseguiu,
que ninguém conseguirá.


(Trad. A.M.)



(*) Coincidência fatal, para este poste pré-agendado:
      A JAB morreu ontem a mãe, Ana Franco (.ensilencio.).
      Não há desgraça maior.
      Abc forte, lembrando aqui: La fuente de la vida.
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Alda Merini (Não preciso de dinheiro)






Non ho bisogno di denaro.
Ho bisogno di sentimenti
di parole, di parole scelte sapientemente,
di fiori, detti pensieri,
di rose, dette presenze,
di sogni, che abitino gli alberi,
di canzoni che faccian danzar le statue,
di stelle che mormorino all'orecchio degli amanti...
Ho bisogno di poesia,
questa magia che brucia le pesantezza delle parole,
che risveglia le emozioni e dà colori nuovi.


Alda Merini






Não preciso de dinheiro.
Preciso é de sentimentos
de palavras, escolhidas sabiamente,
de flores, como pensamentos,
de rosas, como presenças,
de sonhos, que habitem as árvores,
de canções para as estátuas dançarem,
de estrelas que murmurem ao ouvido dos amantes...
Preciso de poesia,
essa magia que queima o peso das palavras,
que desperta as emoções e nos dá novas cores.


(Trad. A.M.)


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19.12.10

Guerra Junqueiro (Dedicatória)






DEDICATÓRIA




Recordam-se vocês do bom tempo d'outrora,
Dum tempo que passou e que não volta mais,
Quando íamos a rir pela existência fora
Alegres como em Junho os bandos dos pardais?
C'roava-nos a fronte um diadema d'aurora,
E o nosso coração vestido de esplendor
Era um divino Abril radiante, onde as abelhas
Vinham sugar o mel na balsâmina em flor.
Que doiradas canções nossas bocas vermelhas
Não lançaram então perdidas pelo ar!...
Mil quimeras de glória e mil sonhos dispersos,
Canções feitas sem versos,
E que nós nunca mais havemos de cantar!
Nunca mais! nunca mais! Os sonhos e as esp'ranças
São áureos colibris das regiões da alvorada,
Que buscam para ninho os peitos das crianças.
E quando a neve cai já sobre a nossa estrada,
E quando o Inverno chega à nossa alma, então
Os pobres colibris, coitados, sentem frio,
E deixam-nos a nós o coração vazio,
Para fazer o ninho em outro coração.
Meus amigos, a vida é um Sol que chega ao cúmulo
Quando cantam em nós essas canções celestes;
A sua aurora é o berço, e o seu ocaso é o túmulo
Ergue-se entre os rosais e expira entre os ciprestes.
Por isso, quando o Sol da vida já declina,
Mostrando-nos ao longe as sombras do poente,
É-nos doce parar na encosta da colina
E volver para trás o nosso olhar plangente,
Para trás, para trás, para os tempos remotos
Tão cheios de canções, tão cheios de embriaguez,
Porque, ai! a juventude é como a flor do lótus,
Que em cem anos floresce apenas uma vez.


E como o noivo triste a quem morreu a amante,
E que ao sepulcro vai com suas mãos piedosas
Sobre um amor eterno — o amor dum só instante —
Deixar uma saudade e uma c'roa de rosas;
Assim, amigos meus, eu vou sobre um tesouro,
Sobre o estreito caixão, pequenino, infantil,
Da nossa mocidade, — a cotovia d'ouro
Que nasceu e morreu numa manhã d'Abril! —
Desprender, desfolhar estas canções sem nexo,
Estas pobres canções, tão simples, tão banais,
Mas onde existe ainda um pálido reflexo
Do tempo que passou, e que não volta mais.



GUERRA JUNQUEIRO
A Musa em Férias
(1879)


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José Agustín Goytisolo (Palavras para Julia)





PALABRAS PARA JULIA





Tú no puedes volver atrás
porque la vida ya te empuja
como un aullido interminable.


Hija mía, es mejor vivir
con la alegría de los hombres,
que llorar ante el muro ciego.


Te sentirás acorralada,
te sentirás perdida o sola,
tal vez querrás no haber nacido.


Yo sé muy bien que te dirán
que la vida no tiene objeto,
que es un asunto desgraciado.


Entonces siempre acuérdate
de lo que un día yo escribí
pensando en ti como ahora pienso.


Un hombre sólo, una mujer
así, tomados de uno en uno,
son como polvo, no son nada.


Pero yo cuando te hablo a ti,
cuando te escribo estas palabras,
pienso también en otros hombres.


Tu destino está en los demás,
tu futuro es tu propia vida,
tu dignidad es la de todos.


Otros esperan que resistas,
que les ayude tu alegría,
tu canción entre sus canciones.


Entonces siempre acuérdate
de lo que un día yo escribí
pensando en ti como ahora pienso.


Nunca te entregues ni te apartes
junto al camino, nunca digas
no puedo más y aquí me quedo.


La vida es bella, tú verás
como a pesar de los pesares,
tendrás amor, tendrás amigos.


Por lo demás no hay elección
y este mundo tal como es
será todo tu patrimonio.


Perdóname, no sé decirte
nada más, pero tú comprende
que yo aún estoy en el camino.


Y siempre, siempre, acuérdate
de lo que un día yo escribí
pensando en ti como ahora pienso.



José Agustín Goytisolo







Tu não podes voltar atrás
posto que a vida te empurra
como um uivo interminável.


Minha filha, antes viver
com a alegria dos homens
que chorar diante do muro cego.


Achar-te-ás encurralada,
ou mesmo perdida ou só,
quererás talvez não ter nascido.


Vão dizer-te, sei-o bem,
que a vida não tem objecto,
além de ser desgraçada.


Então lembra-te sempre
daquilo que um dia escrevi
pensando em ti como agora.


Um homem só, uma mulher
também, tomados um a um,
são como pó, não são nada.


Mas quando te falo eu a ti
e te escrevo estas palavras,
penso igualmente nos outros.


Teu destino está nos demais,
teu futuro é tua vida,
tua dignidade a de todos.


Outros esperam que resistas,
que tua alegria os ajude,
entre suas canções a tua.


Então lembra-te sempre
daquilo que um dia escrevi
pensando em ti como agora.


Não te entregues nem afastes
do caminho, nunca digas
já não posso, aqui me fico.


A vida é bela, verás
como apesar dos pesares
terás amores e amigos.


Quanto ao mais não há escolha
e este mundo tal como é
será todo teu património.


Perdoa, nada mais
te sei dizer, mas vê
que ainda estou a caminho.


E lembra, lembra-te sempre
daquilo que um dia escrevi
pensando em ti como agora.



(Trad. A.M.)

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18.12.10

Coitado do Jorge (62)




ATRASADA-1






SMS-1
Estou um pouco atrasada, desculpe...


SMS-2
Devagar, calma...
Quem esperou por si toda a vida pode bem esperar mais uma hora.


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A.M.Pires Cabral (Perguntas)






PERGUNTAS




Tenho sempre, na algibeira da noite,
algumas vigorosas perguntas de reserva,
prontas a disparar em legítima defesa
contra o negrume.


Algumas são pequeninas, vulgares
aspectos de pormenor.
Outras, pelo contrário, são enormes,
desabridas como a boca dum forno
– do género porque é que deste quatro,
e não seis, ou oito, pernas à rã.


Hoje ocorre-me fazer a menor de todas:
se foste tu que fabricaste o tempo
e a ele nos acorrentaste?
e com que barro? e com que raio
de segunda intenção?


Se é que não foi apenas por descuido.
Ou até casualmente, como acontece às vezes
ao cientista que faz experiências
e acaba por descobrir seja o que for.



A.M.Pires Cabral


[Hospedaria Camões]


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17.12.10

Jorge Teillier (Quando eu não era poeta)






CUANDO YO NO ERA POETA




Cuando yo no era poeta
por broma dije era poeta
aunque no había escrito un solo verso
pero admiraba el sombrero alón del poeta del pueblo.


Una mañana me encontré en la calle con mi vecina.
Me preguntó si yo era poeta.
Ella tenía catorce años.


La primera vez que hablé con ella
llevaba un ramo de ilusiones.
La segunda vez una anémona en el pelo.
La tercera vez un gladiolo entre los labios.
La cuarta vez no llevaba ninguna flor
y le pregunté el significado de eso a las flores de la plaza
que no supieron responderme
ni tampoco mi profesora de botánica.


Ella había traducido para mí poemas de Christian Morgenstern.
A mí no se me ocurrió darle nada a cambio.
La vida era para mí muy dura.
No quería desprenderme ni de una hoja de cuaderno.


Sus ojos disparaban balas de amor calibre 44.
Eso me daba insomnio.
Me encerré mucho tiempo en mi pieza.


Cuando salí la encontré en la plaza y no me saludó.
Yo volví a mi casa y escribí mi primer poema.



Jorge Teillier



[Noctambulario]





Quando eu não era poeta
disse por graça que era
embora não tivesse escrito um único verso
mas admirava o chapéu de aba
do poeta da terra.


Uma manhã encontrei-me na rua com a vizinha.
Perguntou-me se eu era poeta.
Tinha ela catorze anos.


A primeira vez que lhe falei
levava um ramo de ilusões.
Da segunda uma anémona no cabelo.
À terceira um gladíolo entre os lábios.
À quarta vez não levava qualquer flor
e eu perguntei o que isso queria dizer
às flores da praça
as quais não souberam dizer-mo
nem tão pouco a minha professora de botânica.


Ela tinha-me traduzido poemas de Christian Morgenstern.
Mas a mim não me ocorreu dar-lhe nada em troca.
A vida para mim era bastante dura,
não me queria desfazer nem duma folha de caderno.


Seus olhos disparavam balas de amor calibre 44.
E isso dava-me insónias.
Fechei-me muito tempo no quarto.


Quando saí encontrei-a na praça mas nem me saudou.
Eu voltei para casa e escrevi o meu primeiro poema.



(Trad. A.M.)


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Olhar (88)







Llanes (Asturias)


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16.12.10

Alberto Pimenta (Civilidade)






CIVILIDADE




não tussa madame
reprima a tosse


não espirre madame
reprima o espirro


não soluce madame
reprima o soluço


não cante madame
reprima o canto


não arrote madame
reprima o arroto


não cague madame
reprima a merda


e quando estourar
que seja devagarinho
e sem incomodar, ok madame?


ok, monsieur.



ALBERTO PIMENTA
Ascensão de Dez Gostos à Boca
(1977)



[Tulisses]


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Jorge Riechmann (Acção de graças)






ACCIÓN DE GRACIAS




El valor del amor no está en el amor
sino en tu alegría.
El valor de la lucha política no está en ella
sino en las cerezas, las muchachas y la buena atención sanitaria.
El valor de la libertad no está en la libertad
sino en la igualdad.
El valor de la igualdad no está en la igualdad
sino en la fraternidad.
Seguro que ya sospechas dónde reside
el valor de la fraternidad y no te engañas:
en la libertad.
El valor de tu alegría tampoco está en sí mismo
sino en el gozoso desorden
con que construimos horas de libertad
de cerezas de igualdad de lucha política de amor.


Pero estas cosas las sé
porque tú existes.



Jorge Riechmann






O valor do amor não está no amor
mas na tua alegria.
O valor da luta política não reside nela
mas nas cerejas, nas raparigas, em bons cuidados de saúde.
O valor da liberdade não está na liberdade
mas sim na igualdade.
O valor da igualdade não está na igualdade
mas na fraternidade.
Suspeitas de certeza, e não te enganas,
onde reside o valor da fraternidade,
é na liberdade.
O valor da tua alegria não está também em si mesma
mas na desordem gozosa
com que construímos horas de liberdade
de cerejas de igualdade de luta política de amor.


Mas estas coisas eu sei-as
porque tu existes.



(Trad. A.M.)


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15.12.10

José Rentes de Carvalho (E agora desandasse)






Nessa ocasião, alguém o tinha empurrado para fora da sacristia antes de o poder corrigir com um par de tabefes, e agora ali estava Sua Senhoria, de chapéu na mão, a pedir que lhe fizesse o favor de preparar os banhos do casório.

Ah! Mas a coisa não ia ser tão simples como o pateta julgava.

E ia pagar.

Dobrado, para aprender o que era respeito.

Quantos anos tens, ó tu?

Vais fazer vinte em Junho?

Dobrado também, por ser menor.

E sois primos carnais?

Redobrado, porque isso era questão para decidir em Roma e a dispensa tinha de vir com os selos do Santo Padre.

Havia urgência?

Era para casarem já no Janeiro?

Triplicava tudo.

Dentro de duas ou três semanas o sacristão lhes diria e tivesse a massaroca pronta, porque se os prazos caíssem teria de pagar tudo outra vez.

E agora desandasse.



- J. RENTES DE CARVALHO, Ernestina, Ed. Escritor, Lx. 2001, p. 97.

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Ruy Belo (O valor do vento)






O VALOR DO VENTO




Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto



Ruy Belo


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14.12.10

Joan Margarit (Caligrafia)





CALIGRAFÍA




Ha apoyado la frente en el cristal
frío, empañado, con trasluz de invierno.
Escribe el nombre de ella y, a través
de las líneas que traza con el dedo,
la ha visto en un paraje solitario
con el mar y las rocas en la noche.
Al fondo, las estrellas: de pronto, las gaviotas
alzan el vuelo como un resplandor
al paso de un falucho. Se ha engañado:
detrás de la ventana hay una calle
que el alba hace más triste, sin un alma,
con coches aparcados.
Tras las líneas comienza a amanecer:
el sol naciente borrará ese nombre
en la escarcha rosada del cristal.



Joan Margarit






Encostou a fronte ao vidro
frio, embaciado, em contraluz de Inverno.
Escreve o nome dela e, através
das linhas traçadas com o dedo,
contempla-a num lugar solitário
com o mar e as rochas pela noite.
Ao fundo, as estrelas; súbito, as gaivotas
levantam voo como um resplendor
à passagem duma falua. Enganou-se:
para lá da janela há uma rua
que a aurora faz mais triste, sem ninguém,
com carros estacionados.
Por trás das linhas começa a amanhecer:
o sol nascente apagará esse nome
na face gelada do vidro.


(Trad. A.M.)


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Fernando Pessoa / R. Reis (Segue o teu destino)






Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.


A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.


Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.


Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.


Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.



Ricardo Reis



[Poemblog]

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13.12.10

Paulo Leminski (Quatro dias sem te ver)






quatro dias sem te ver
e não mudaste nada


falta açúcar na limonada


me perdi da minha morada


nadei nadei e não dei em nada


sempre o mesmo poeta de bosta
perdendo tempo com a humanidade




Paulo Leminski


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Jaime Sabines (A lua)






LA LUNA




La luna se puede tomar a cucharadas
o como una cápsula cada dos horas.
Es buena como hipnótico y sedante
y también alivia
a los que se han intoxicado de filosofía.
Un pedazo de luna en el bolsillo
es el mejor amuleto que la pata de conejo:
sirve para encontrar a quien se ama,
y para alejar a los médicos y las clínicas.
Se puede dar de postre a los niños
cuando no se han dormido,
y unas gotas de luna en los ojos de los ancianos
ayudan a bien morir.


Pon una hoja tierna de la luna
debajo de tu almohada
y mirarás lo que quieras ver.
Lleva siempre un frasquito del aire de la luna
para cuando te ahogues,
y dale la llave de la luna
a los presos y a los desencantados.
Para los condenados a muerte
y para los condenados a vida
no hay mejor estimulante que la luna
en dosis precisas y controladas.



Jaime Sabines




[Poli del Amor]






A lua pode tomar-se às colheres
ou em cápsulas com intervalo de duas horas.
É boa como hipnótico e sedativo,
mas também alivia
quem esteja intoxicado de filosofia.
Um pedaço de lua dentro do bolsot
é um amuleto melhor que a pata de coelho:
serve para encontrar quem se ama,
assim como afasta os médicos e as clínicas.
Pode dar-se de sobremesa às crianças
quando não estão dormindo,
e umas gotas de lua nos olhos
ajudam os anciãos a morrer bem.


Põe uma folha tenra de lua
por baixo da travesseira
e logo olharás aquilo que queiras ver.
Usa sempre um frasquinho de ar de lua
para o caso de te afogares,
e entrega a chave da lua
aos presos e desencantados.
Quer para os condenados à morte,
quer para os condenados à vida
não há estimulante melhor que a lua
em doses precisas e controladas.


(Trad. A.M.)

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12.12.10

Mark Strand (Dizes tu)






SO YOU SAY



It is all in the mind, you say, and has
nothing to do with happiness. The coming of cold,
the coming of heat, the mind has all the time in the world.
You take my arm and say something will happen,
something unusual for which we were always prepared,
like the sun arriving after a day in Asia,
like the moon departing after a night with us.


Mark Strand






Está tudo na mente, dizes tu, e não tem
nada a ver com felicidade. Venha o frio
ou venha o calor, a mente tem o tempo todo do mundo.
Tomas-me o braço e dizes que algo está para acontecer,
algo insólito para o que sempre nos preparámos,
tal como o sol chegar à Ásia passado um dia,
ou a lua partir depois de um dia connosco.


(Trad. A.M.)

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Manuel Bandeira (Vou-me embora pra Pasárgada)






VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA




Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive


E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada


Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar


E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
 - Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada



Manuel Bandeira


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11.12.10

Jaime Gil de Biedma (Idílio no café)





IDÍLIO NO CAFÉ




A mim pergunto se durante a vida inteira
estivemos aqui. Ponho, agora mesmo,
a mão diante dos olhos – que lateja
de sangue em minhas pálpebras – e os pêlos
imensos confundem-se, em silêncio,
com o olhar. Pesam as pestanas.


Não sei bem do que falo. Quem são,
rostos vagos a nadar como numa água pálida,
estes aqui sentados, viventes connosco?
A tarde empurra-nos para certos bares
ou entre cansados homens em pijama.


Vem. Vamos lá para fora. A noite. Há espaço
em cima, mais em cima, muito mais do que as luzes
que às rajadas iluminam teus olhos dilatados.
Entre nós também silêncio fica,
silêncio
           e este beijo como um longo túnel.



Jaime Gil de Biedma

(Trad. José Bento)

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Olhar (87)







Penedono > Castainço


(by Nokia)


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10.12.10

Margaret Atwood (O momento)






THE MOMENT



The moment when, after many years
of hard work and a long voyage
you stand in the centre of your room,
house, half-acre, square mile, island, country,
knowing at last how you got there,
and say, I own this,


is the same moment when the trees unloose
their soft arms from around you,
the birds take back their language,
the cliffs fissure and collapse,
the air moves back from you like a wave
and you can’t breathe.


No, they whisper. You own nothing.
You were a visitor, time after time
climbing the hill, planting the flag, proclaiming.
We never belonged to you. 
You never found us.
It was always the other way round.


Margaret Atwood






O momento quando, após muitos anos
de trabalho duro e uma longa travessia
te encontras no centro do teu quarto,
casa, meio acre, milha quadrada, ilha, país
sabendo por fim como lá chegaste,
e dizes, eu possuo isto,


é o mesmo momento em que as árvores desatam
os seus macios braços em teu redor,
as aves retiram a sua língua,
as falésias fissuram e colapsam,
o ar vem devolvido de ti como uma onda
e tu não consegues respirar.


Não, murmuram eles. Tu não possuis nada.
Tu foste um visitante, uma e outra vez
subindo a colina, cravando a bandeira, proclamando.
Nós nunca te pertencemos.
Tu nunca nos encontraste.
Foi sempre o contrário.


(Trad. Manuel Margarido)



[As folhas ardem]


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Paz Hernández (Utópico IV)






UTÓPICO IV




El caos de la retórica
La coherencia de tus besos


La utopía de tu piel


El infinito de tus ojos
Negros imposibles
Inventados


Todo queda grande en mis manos



Paz Hernández



[El blog de Calipso]







O caos da retórica
A coerência de teus beijos


A utopia de tua pele


O infinito de teus olhos
Negros impossíveis
Inventados


Tudo fica grande nas minhas mãos



(Trad. A.M.)

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9.12.10

Aquilino Ribeiro (Sem tropecer, nem titubear)






Trupe-trupe, breve chegou ao alto donde a cidadezinha não era mais que monte de cinza, todos os ruídos abafados como grande e negro túmulo de pedra.

A Lua declinava por detrás dos montes, mas valia-lhe a fugacidade luarenta que se despegava do pó da estrada para se guiar.

Sem a fita alvacenta do piso, a estrela interior bastar-lhe-ia.

E avançava veloz, flectido para a frente a cortar as refegas da aragem, sem tropecer, nem titubear.



- AQUILINO RIBEIRO, O homem que matou o diabo, Bertrand, 1985, p. 127.

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Manuel de Freitas (Ruínas de Ansiães e Carrazeda)






RUÍNAS DE ANSIÃES E CARRAZEDA




Quanto tempo pode durar uma cidade,
a vida de uma cidade, inteira?
É de perguntas assim – inúteis como
todas – que se constroem por vezes
as capitais da nossa solidão, os passos
que fugazmente nos conduzem
à alegria e ao desespero, à voz possível.


Não é difícil precisar a rude e fortificada
duração de Ansiães, a velha: do século
XI a 1734, por ignorados motivos.
Menos exactos são os túmulos pré-cristãos
que se abriam na dureza do solo transmontano,
com lugar vazio para três pessoas. Éramos
mais, nessa tarde que foi do largo de Grijó
à imensa desolação de Carrazeda, terminando
apenas (e tão bem) em Parada de Cunhos.


Mas são esses – os de Carrazeda, a nova –
os túmulos vivos que nos restam:
cafés apinhados, lojas que se esqueceram de fechar,
a vasta e inacreditável quinquilharia que
faz da Papelaria Horizonte um exemplo de sucesso.
Penhores, dispersos, de algo que nunca existiu.


Um país, garantem-nos. Mas Ansiães, a velha,
nasceu antes da nacionalidade, embora
a tenha acompanhado o melhor que pôde.
Parecem demasiado perfeitas, estas ruínas,
demasiado diferentes daquela que será um dia
a nossa. Entretanto, abelhas, gafanhotos
e lagartos confundem-se com a teimosia das pedras
que a todos, e a nós também, sobreviverão.


É o seu modo calmo de profanar as duas igrejas
românicas – o que delas sobra – e os bruxedos
encenados por quem da vida ou da morte espera ainda
alguma coisa. Pelos afortunados, em suma.
Quanto a mim, gostaria apenas de saber se
existe mesmo a borboleta em forma de forquilha
que te pousou no ombro (as fotografias, escusado
dizer, não serão prova bastante). A única certeza,
para já, é a de que não caberíamos em nenhum
dos túmulos (a observação foi do Rui, e pertinente).


As cidades, já se sabe, também morrem. Mas poucas vezes
terá sido tão belo o desencanto de o saber. «Bem-vindo
a Benlhevai» – parece querer dizer o vento
a estes frágeis viandantes, desprovidos de aguilhada.



Manuel de Freitas


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8.12.10

Idea Vilariño (Amor)






AMOR




Amor
desde la sombra
desde el dolor
amor
te estoy llamando
desde el pozo asfixiante del recuerdo
sin nada que me sirva ni te espere.
Te estoy llamando
amor
como al destino
como al sueño
a la paz
te estoy llamando
con la voz
con el cuerpo
con la vida
con todo lo que tengo
y que no tengo
con desesperación
con sed
con llanto
como si fueras aire
y yo me ahogara
como si fueras luz
y me muriera.
Desde una noche ciega
desde olvido
desde horas cerradas
en lo solo
sin lágrimas ni amor
te estoy llamando
como a la muerte
amor
como a la muerte.


Idea Vilariño






Amor
é da sombra
da dor
amor
que eu te chamo
do poço asfixiante da lembrança
sem nada que me sirva nem te espere.
Chamo-te
amor
como o destino
o sonho
a paz
chamo-te
com a voz
o corpo
a vida
com tudo o que tenho
e o que não tenho
com desespero
sede
pranto
como se fosses ar
e eu me afogasse
como se fosses luz
e eu morresse.
Duma noite cega
do esquecimento
de horas fechadas
no só
sem lágrimas nem amor
eu chamo-te
como chamo a morte
amor
como a morte.


(Trad. A.M.)



>  Dedicado a Milka ('en lo solo')


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Luís Miguel Nava (Fome)




FOME



Aqui, onde a mão não
alcança o interruptor da vida, aqui
só brilha a solidão.
Desfazem-se as lembranças contra os vidros.


Aqui, onde a brancura
dum lenço é a brancura do infortúnio,


aqui a solidão
não brilha, apenas
se estorce.
A fome fala através das feridas.



Luís Miguel Nava

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7.12.10

Manoel de Barros (Desejar ser-10)






DESEJAR SER – 10



Mosca dependurada na beira de um ralo
– Acho mais importante do que uma jóia pendente.


Os pequenos invólucros para múmias de passarinhos
que os antigos egípcios faziam
– Acho mais importante do que o sarcófago de Tutancâmon.


O homem que deixou a vida por se sentir um esgoto
– Acho mais importante do que uma Usina Nuclear.
Aliás, o cu de uma formiga é também muito mais
importante do que uma Usina Nuclear.


As coisas que não têm dimensões são muito importantes.
Assim, o pássaro tu-you-you é mais importante por seus
pronomes do que por seu tamanho de crescer.


É no ínfimo que eu vejo a exuberância.



MANOEL DE BARROS
Compêndio para uso dos pássaros
(Poesia reunida 1937-2004)
Quasi Edições, 2007

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