14.12.08

Raul Brandão (O resto é balbúrdia)






(O resto é balbúrdia...)




Entendo que este mundo é religioso e a minha vontade seria falar baixinho, bulir pouco.

Os dias mais felizes da minha vida passei-os ao sol, contemplando.

Não é que deteste a acção.

A acção é o fim da vida.

Mas é preciso distinguir entre acção e agitação.

Compreendo a acção dos santos e dos heróis, a acção pelo bem e pelo cristianismo - a grande acção.

O resto é balbúrdia.

Também há outra acção mais bela talvez ainda, a acção desconhecida e humilde, obscura, feita de exemplos e sacrifícios - a da mulher no seu lar, a do homem que cumpre a existência e que, com os pequenos meios de que dispõe, vai além da vida.

Digamos tudo: toda a acção que não tem um fim idealista ou não representa um sacrifício, não vale nada.

Esta acção exerce-a muito melhor do que eu ali o meu vizinho, que foi ao Porto buscar uma pobre de pedir, que não lhe era nada, trouxe-a para casa e reparte com ela o pão e a malga do caldo, ou a criatura desconhecida que no lar apagado cumpre todos os dias monótonos o seu dever monótono.

Sejamos humildes, porque a gente chega ao fim da vida sem ter entendido nada deste mundo, quanto mais do outro…



- RAUL BRANDÃO, Memórias, III, Balanço à vida.