30.6.08

José Emílio Pacheco (Indeseable)
















INDESEABLE


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No me deja pasar el guardia.
He traspasado el límite de edad.
Provengo de un país que ya no existe.
Mis papeles no están en orden.
Me falta un sello.
Necesito otra firma.
No hablo el idioma.
No tengo cuenta en el banco.
Reprobé el examen de admisión.
Cancelaron mi puesto en la gran fábrica.
Me desemplearon hoy y para siempre.
Carezco por completo de influencias.
Llevo aquí en este mundo largo tiempo.
Y nuestros amos dicen que ya es hora
de callarme y hundirme en la basura



José Emilio Pacheco






O guarda não me deixa passar.
Ultrapassei o limite de idade.
Venho de um país que já não existe.
Os meus papéis não estão em ordem.
Falta-me um carimbo.
Preciso de outra rubrica.
Não falo a língua.
Não tenho conta no banco.
Reprovei no exame de admissão.
Extinguiram-me o posto na grande fábrica.
Desempregaram-me hoje, para sempre.
Careço de todo de influências.
Ando cá neste mundo há longo tempo.
E nossos amos dizem que é hora já
de me calar e afundar-me no lixo.


(Trad. A.M.)



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28.6.08

Raul Brandão (Só a paixão e a quimera)







(Só a paixão e a quimera...)




Há muito que fujo de julgar os homens, e, a cada hora que passa, a vida me parece ou muito complicada e misteriosa ou muito simples e profunda.

Não aprendo até morrer - desaprendo até morrer.

Não sei nada, não sei nada, e saio deste mundo com a convicção de que não é a razão nem a verdade que nos guiam: só a paixão e a quimera nos levam a resoluções definitivas.


- RAUL BRANDÃO, Memórias, I, prefácio.



David Mourão-Ferreira (Silêncio)






Silêncio-1 (Eugénio A.)


Silêncio-2 (M.Quintana)


Silêncio-3 (AndrésEloy)


Silêncio-4 (A.Mattos)


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SILÊNCIO





Se a tua voz não vem, arcanjo ou telefonema,
como hei-de suportar este silêncio todo?





David Mourão-Ferreira
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21.6.08

Ferreira Gullar (Aprendizado)








APRENDIZADO






Do mesmo modo que te abriste à alegria

abre-te agora ao sofrimento

que é fruto dela

e seu avesso ardente.





Do mesmo modo

que da alegria foste

ao fundo

e te perdeste nela

e te achaste

nessa perda

deixa que a dor se exerça agora

sem mentiras

nem desculpas

e em tua carne vaporize

toda ilusão




que a vida só consome

o que a alimenta.






Ferreira Gullar



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Eduardo Pitta (É pela música que chego)








É pela música que chego

e vos digo do insubordinado pulsar

de outra vontade.




Eduardo Pitta








19.6.08

Ruy Belo (Algumas proposições)







ALGUMAS PROPOSIÇÕES COM PÁSSAROS E ÁRVORES
QUE O POETA REMATA COM UMA REFERÊNCIA AO CORAÇÃO





1. Os pássaros nascem na ponta das árvores


2. As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros


3. Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores


4. Os pássaros começam onde as árvores acabam


5. Os pássaros fazem cantar as árvores


6. Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal


7. Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos


8. Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia


9. Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros


10. Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração




Ruy Belo
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17.6.08

W. C. Williams (É só para dizer)







É SÓ PARA DIZER




Que comi
as ameixas
que estavam
no frigo



E que tu
decerto
guardavas
para o pequeno-almoço



Desculpa
estavam óptimas
tão doces
e tão frescas




W. C. Williams

(Original)
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Fontes: Poets.Org (nota+13p) / ModernAmericanPoetry (ensaios sobre+4p) / Scielo.Br (13p-bilingue) / Poets'Corner (antologia)
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Olhar (26)







Vale do rio da Drave

(Arouca / S.P.Sul)

Serra da Arada

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Raul Brandão (Não é só saudade)







(Não é só saudade…)



A minha alegria em velho consistiria em ter aqui o meu pai para falar com ele.

Não é só saudade que sinto: é uma impressão física.

Agora é que acharia encanto até às lágrimas em termos a mesma idade, conversarmos ao pé do lume e morrermos ao mesmo tempo…



- RAUL BRANDÃO, Memórias, I, prefácio.



15.6.08

Paul Eluard (E um sorriso)






ET UN SOURIRE




La nuit n'est jamais complète.
Il y a toujours, puisque je le dis,
Puisque je l'affirme,
Au bout du chagrin
Une fenêtre ouverte,
Une fenêtre éclairée,
Il y a toujours un rêve qui veille,
Désir à combler, faim à satisfaire,
Un coeur généreux,
Une main tendue, une main ouverte,
Des yeux attentifs,
Une vie, la vie à se partager.


Paul Eluard






A noite nunca está completa.
Há sempre, sou eu que o digo,
sou eu que o afirmo,
no fim do desgosto
uma janela aberta,
iluminada,
há sempre um sonho velando,
desejo a matar, fome a satisfazer,
um coração generoso,
uma mão estendida, aberta,
uns olhos atentos,
uma vida, a vida a partilhar.


(Trad. A.M.)



>>  Wikipedia / Sit.oficial (27p+bio+biblio+linques) / Poets.org (bio+linques) / Triplo V (nota+19p) / Poesia.net (nota+4p)  /  La poesie que j'aime (antologia+bio)

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13.6.08

Pedro Salinas (Pregunta más allá)



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PREGUNTA MÁS ALLÁ

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¿Por qué pregunto dónde estás,
si no estoy ciego.
si tú no estás ausente?
Si te veo
ir y venir,
a ti, a tu cuerpo alto
que se termina en voz,
como en humo la llama,
en el aire, impalpable.
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Y te pregunto, sí,
y te pregunto de qué eres,
de quién;
y abres los brazos
y me enseñas
la alta imagen de ti
y me dices que mía.
Y te pregunto, siempre.



Pedro Salinas
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Fontes: A media voz (47p) / A media voz-2 (9p) / Poesi.as (58p)





Antes, aqui: Serás, amor
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António de Almeida Mattos (Silêncio)





Silêncio-1 (Eugénio A.)
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Silêncio-2 (M.Quintana)


Silêncio-3 (AndrésEloy)
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Silêncio-4 (A.Mattos)







SILÊNCIO





Eu não te disse ainda que o silêncio
são as palavras voltadas do avesso,
invisíveis apenas na aparência




António de Almeida Mattos

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11.6.08

Mário de Sá Carneiro (Quase)






QUASE




Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...



Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...



Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!



De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...



Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar....
Ânsias que foram mas que não fixei...



Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...



Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
(…)



Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...



Mário de Sá Carneiro


Fontes: As Tormentas (45p) / Lidia Aparício (5p) / PortodeAbrigo (11p) / Poesias e Prosas (18p) / Jornal de Poesia (10p) / Triplo V (ensaio sobre - M.E.Guedes)

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Antes, aqui: Fim

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9.6.08

Leopoldo Maria Panero (A Francisco )







A FRANCISCO











Suave como el peligro atravesaste un día
con tu mano imposible la frágil medianoche
y tu mano valía mi vida, y muchas vidas
y tus labios casi mudos decían lo
que era el pensamiento.



Pasé una noche a ti pegado como a un árbol de vida
porque eras suave como el peligro,
como el peligro de vivir de nuevo.


LEOPOLDO MARIA PANERO
Last night together (1980)






Suave como o perigo atravessaste um dia
com a tua mão impossível a frágil meia-noite
e a tua mão valia a minha vida, e muitas vidas
e os teus lábios quase mudos diziam aquilo
que era o pensamento.


Passei uma noite colado a ti como a uma árvore de vida
porque eras suave como o perigo,
como o perigo de viver de novo.


(Trad. G.S.)





Fontes: A media voz (47p) / TriploV (bio+12p)



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Raul Brandão (Às vezes convoco-os)






(Às vezes, convoco-os...)

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Como em ti, há em mim várias camadas de mortos, não sei até que profundidade.

Às vezes convoco-os, outras são eles, com a voz tão sumida que mal a distingo, que desatam a falar.

Preciso da noite eterna: só num silêncio mais profundo ainda, conto ouvi-los a todos.

Nunca os meus me chamaram tão alto.

Sentam-se a meu lado.

Rodeiam-me, e pouco a pouco o círculo da minha vida restringe-se a um ponto - a cova.




- RAUL BRANDÃO, Memórias, I, prefácio.

Um verso (44)







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Um verso de Borges
(Um poeta menor – é o título dele):









A meta é o olvido. Eu cheguei antes.







Jorge Luís Borges


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6.6.08

Maria Teresa Horta (Minha senhora de mim)


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MINHA SENHORA DE MIM




Comigo me desavim
minha senhora
de mim


sem ser dor ou ser cansaço
nem o corpo que disfarço


Comigo me desavim
minha senhora
de mim


nunca dizendo comigo
o amigo nos meus braços


Comigo me desavim
minha senhora
de mim


recusando o que é desfeito
no interior do meu peito



Maria Teresa Horta
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Coitado do Jorge (44)














A INFIEL JARDINEIRA










Eu chamava-lhe a infiel jardineira…

Certo que tinha pouco de jardineira.

Mas tinha muito de infiel…



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4.6.08

Olhar (25)







Doiro
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Francisco Sá de Miranda (Comigo me desavim)








COMIGO ME DESAVIM




Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.




Com dor, da gente fugia,
Antes que esta assim crescesse:
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.
Que meio espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?




F. Sá de Miranda


2.6.08

Andrés Eloy Blanco (Silêncio)





Silêncio-1 (Eugénio A.)



Silêncio-2 (M.Quintana)



Silêncio 3 (Andrés Eloy)













SILENCIO







Cuando tú te quedes muda,
cuando yo me quede ciego,
nos quedarán las manos
y el silencio.


Cuando tú te pongas vieja,
cuando yo me ponga viejo,
nos quedarán los labios
y el silencio.


Cuando tú te quedes muerta,
cuando yo me quede muerto,
tendrán que enterrarnos juntos
y en silencio;


y cuando tú resucites,
cuando yo viva de nuevo,
nos volveremos a amar
en silencio;


y cuando todo se acabe
por siempre en el universo,
será un silencio de amor
el silencio.



Andrés Eloy Blanco





Fontes: A media voz (17p) / EPDLP (bio+2p)









Quando tu ficares muda
e eu ficar cego,
restam-nos as mãos
e o silêncio.



Quando tu envelheceres,
e eu envelhecer,
restam-nos os lábios
e o silêncio.



Quando tu morreres,
e eu também morrer,
têm de enterrar-nos juntos
e em silêncio;



e quando tu ressuscitares,
quando eu tornar a viver,
voltaremos a amar-nos
em silêncio;



e quando tudo acabar
para sempre no universo,
há-de ser um silêncio de amor
o silêncio.



(Trad. A.M.)