6.5.08

Miguel Torga (Um véu gelado de desdém)





(Um véu gelado de desdém...)
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De um lado e doutro, nas vinhas, os ranchos de vindimadores interrompiam o trabalho e os descantes, e ficavam descobertos e silenciosos a homenagear a morte que passava.
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Apesar do sol aberto que cobria tudo, era ela, afinal, a grande rainha da terra.
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Do caixão branco, solene e fechado, a sua sombra invisível mas pesada estendia-se sobre as encostas como um véu gelado de desdém.
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O sonho impenitente das rogas trazia dos altos o colorido frémito das romarias e dos arraiais.
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Mas a gravidade daquela asa negra, a arrastar para o limbo do esquecimento as ilusões e as desilusões, é que fascinava verdadeiramente as almas.



- MIGUEL TORGA, Vindima, LII, in medio.
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