17.2.08

Mário Cesariny (Discurso - XVII)





DISCURSO SOBRE A REABILITAÇÃO DO REAL QUOTIDIANO (xvii)





eu em 1951 apanhando (discretamente) uma beata
(valiosa)
num café da baixa por ser incapaz coitados deles
de escrever os meus versos sem realizar de facto
neles, e à volta sua, a minha própria unidade
- fumar, quere-se dizer.




esta, que não é brilhante, é que ninguém esperava
ver num livro de versos. Pois é verdade. Denota
a minha essencial falta de higiene (não de tabaco)
e uma ausência de escrúpulo (não de dinheiro)
notável.



o Armando, que escreve à minha frente
o seu dele poema, fuma também.
fumamos como perdidos escrevemos perdidamente
e nenhuma posição no mundo (me parece) é mais alta
mais espantosa e violenta incompatível e recon-
fortável
do que esta de nada dar pelo tabaco dos outros
(excepto coisas como vergonha, naturalmente,
e mortalhas)




(que se saiba) é esta a primeira vez
que um poeta escreve tão baixo (ao nível das priscas
dos outros)
aqui, e em parte mais nenhuma, é que cintila o tal
condicionalismo
de que há tanto se fala e se dispõe
discretamente (como quem as apanha).




sirva tudo de lição aos presentes e futuros
nas taménidas (várias) da poesia local.
Antes andar por aí relativamente farto
antes para tabaco que para cesariny
(mário) de vasconcelos.




MÁRIO CESARINY
manual de prestidigitação
assírio e alvim (1981)
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