27.11.07

Miguel Torga (Ribatejo)








O Ribatejo deve ser visto das Portas do Sol de Santarém, num dia de cheia, ou das bancadas duma praça de toiros, numa tarde de verão.

Num dia de cheia, porque o Tejo hipertrofiado marca-lhe exactamente a extensão e os contornos que a geografia nunca encontrou; numa tarde de toiros, porque é no redondel que se precisa a sua íntima significação. (…)

Quando o rio entumesce, e um mar de água se espreguiça por quilómetros e quilómetros de terras baixas e porosas, Portugal, sempre sequioso e árido, sente que aquela nesga da pátria é um mundo à parte dentro das suas entranhas - um mundo rico, de aluvião, de maná, em que não é preciso tirar dos abismos, a gastalho, a verdura duma couve, e se pode gastar o tempo numa lúdica e alegre faina, a cavalgar nas asas do vento…




- MIGUEL TORGA, Portugal (O Ribatejo).

.

23.11.07

Corpo presente (36)








CALENDÁRIO DAS LÁGRIMAS








Chamais vida a quê,
a este calendário de lágrimas?
.
.
.

20.11.07

Jaime Sabines (No es que muera de amor)






NO ES QUE MUERA DE AMOR, MUERO DE TI.
Muero de ti, amor, de amor de ti,
de urgencia mía de mi piel de ti,
de mi alma de ti y de mi boca
y del insoportabie que yo soy sin ti.




Muero de ti y de mí, muero de ambos,
de nosotros, de ese,
desgarrado, partido,
me muero, te muero, lo morimos.




Morimos en mi cuarto en que estoy solo,
en mi cama en que faltas,
en la calle donde mi brazo va vacío,
en el cine y los parques, los tranvías,
los lugares donde mi hombro acostumbra tu cabeza
y mi mano tu mano
y todo yo te sé como yo mismo.
(…)




Jaime Sabines

14.11.07

Pedro Mexia (A flecha envenenada)

.
.
.
.




A FLECHA ENVENENADA
(relato budista)







A memória é como o homem atingido
pela flecha envenenada: antes que curem
a ferida ele pergunta quem o atingiu,
como se chama, onde está, o seu aspecto.
Então talvez saiba mais sobre a flecha
e o archeiro, mas é demasiado tarde para
ser salvo.




PEDRO MEXIA
Em Memória (2000)
.
.