30.8.07

Pedro Mexia (In memoriam)





IN MEMORIAM





Em memória de quem
os versos? Dos outros
seria cristão mas




mentira, de si mesmo
era esforço demais
para motivo assim




pouco, memória talvez
de abstracções biográficas
simples, partilháveis,




ou então em memória
apenas dos versos, em
memória da memória.



PEDRO MEXIA
Em Memória (2000)

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27.8.07

Mário Cesariny (Todos por um)






TODOS POR UM





A manhã está tão triste
que os poetas românticos de Lisboa
morreram todos com certeza



Santos
Mártires
e Heróis



Que mau tempo estará a fazer no Porto?
Manhã triste, pela certa.




Oxalá que os poetas românticos do Porto
sejam compreensivos a pontos de deixarem
uma nesgazinha de cemitério florido
que é para os poetas românticos de Lisboa não terem de
recorrer à vala comum



Mário Cesariny



Fontes: IPLB (bio+biblio+linques+5p) / Um-buraco-na-sombra (13p+bio) / Truca (9p) / As Tormentas (26p) / Porto de Abrigo (16p) / Triplo V (12p+ensaios) / Poesias e prosas (11p)



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24.8.07

Konstandinos Kavafis (Quanto puderes)







QUANTO PUDERES





Mesmo que não possas fazer a vida como a queres,
isto ao menos tenta
quanto puderes: não a desbarates
nos muitos contactos do mundo,
na agitação e nas conversas.




Não a desbarates arrastando­‑a,
e mudando­‑a e expondo­‑a
ao quotidiano absurdo
das relações e das companhias
até se tornar um estranho importuno.




Konstandinos Kavafis






Antes, aqui: À espera dos bárbaros (com linques)

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22.8.07

Eugénio de Andrade (Arte dos versos)





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ARTE DOS VERSOS








Toda a ciência está aqui,
na maneira como esta mulher
dos arredores de Cantão,
ou dos campos de Alpedrinha,
rega quatro ou cinco leiras
de couves: mão certeira
com a água,
intimidade com a terra,
empenho do coração.
Assim se faz o poema.




EUGÉNIO DE ANDRADE
Rente ao Dizer
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17.8.07

Olhar (10)








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Vila Nova de Cerveira

(Rio Minho)

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Jaime Sabines (De repente)





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(A morte da mãe...)





VII

De repente, qué pocas palabras quedan: amor y muerte.
Pájaros quemados aletean en las entrañas de uno.
Dame un golpe, despiértame.
Dios mío, qué Dios tienes tú?, quién es tu Dios padre,
tu Dios abuelo? Qué desamparado ha de estar el Dios primero, el último!
Sólo la muerte se basta a si misma.
Se alimenta de sus propios excrementos.
Tiene los ojos encontrados, mirándose entre sí perpetuamente.
Y el amor! El amor es el aprendizaje de la muerte.



JAIME SABINES
Maltiempo (1972)




De repente, ficam tão poucas palavras: amor e morte.
Pássaros queimados agitam-se-nos cá dentro.
Esbofeteia-me, desperta-me.
Deus meu, que Deus é que tu tens? Quem é o teu Deus pai,
e o teu Deus avô? Como há-de estar desamparado o Deus primeiro, o último!
Só a morte se basta a si mesma.
Alimenta-se do seu próprio excremento.
Tem os olhos revirados, contemplando-se um ao outro perpetuamente.
E o amor! O amor é a aprendizagem da morte.



(Trad. A.M.)
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15.8.07

Casimiro de Brito (Do poema)





DO POEMA




O problema não é
meter o mundo no poema; alimentá-lo
de luz, planetas, vegetação. Nem
tão pouco
enriquecê-lo, ornamentá-lo
com palavras delicadas, abertas
ao amor e à morte, ao sol, ao vício,
aos corpos nus dos amantes -




o problema é torná-lo habitável, indispensável
a quem seja mais pobre, a quem esteja
mais só
do que as palavras
acompanhadas
no poema.




CASIMIRO DE BRITO
Ode & Ceia
Poesia /1955-1984

12.8.07

Maria Teresa Horta (Morrer de amor)

(Graça Sarsfield)





Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso



Maria Teresa Horta




Outros lugares: As Tormentas (43p+bio+fotos) / Mulheres Portuguesas (bio+4p+foto) / Jornal de Poesia (27p) / nEscritas (9p) / DGLB (bio+biblio)

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Antes, aqui: Masturbação



8.8.07

Miguel Torga (Sol a pino)





(Sol a pino...)






O sol, a pino, lambia os bagos de alvaralhão, besuntava-se de melaço, escorria em calda pelas cepas abaixo.

As lajes de xisto reluziam como brasas pela encosta acima.

Ao fundo, o Doiro, morno, pesado, cor de tijolo, lembrava a água de uma grande barrela que alguém fizesse lá para as bandas do Pocinho.



- MIGUEL TORGA, Vindima, III, in fine.

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Herberto Hélder (Se houvesse degraus...)





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SE HOUVESSE DEGRAUS NA TERRA...






Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.




Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.




Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.



Herberto Hélder



Fontes: As Tormentas (20p+ficha) / Um-buraco-na-sombra (14p+bio) / CITI (bio e +) / Arlindo Correia (5p+ficha) / Lídia Aparício (7p) / Triplo V (5p+ensaios) / IPLB (bio+biblio+excertos+linques) / Poesias e prosas (5p) / nEscritas (5p) / Porto-de-abrigo (12p)
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6.8.07

Coitado do Jorge (40)





(Sábio, esse Nietzsche…)




Às tantas, acabamos por amar o próprio desejo,
não já o objecto desse desejo…




Friedrich Nietzsche






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2.8.07

Mário Quintana (Poeminha sentimental)





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POEMINHA SENTIMENTAL






O meu amor, o meu amor, Maria
é como um fio telegráfico da estrada
aonde vêm pousar as andorinhas…
De vez em quando chega uma
e canta
(não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
canta e vai-se embora
outra, nem isso,
mal chega, vai-se embora.
A última que passou limitou-se a fazer cocó
no meu pobre fio de vida.
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.




Mário Quintana
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Fontes: Poetas Famosos (bio+ditos+40p) / Casa do Bruxo (bio+58p) / Eterno Espanto (blogue dedicado, desde 5.2004) / Centenário M.Q. (tudo+algo)
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Antes, aqui: Bilhete (com sinopse) / Os poemas
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