13.7.07

Aquilino Ribeiro (Noite de lua)





(Noite de lua…)




Seria obra de dez horas e caía uma geada muito forte que sobradava os agros e metia pela terra dentro suas agulhas de gelo. No céu, adiante de cirros, ia de jornada uma lua bochechuda. E tão estanhada, que os barrocais luziam até muito para riba do povo, donde as águas manavam cantando, glau! glau!

Os longes esfarelavam-se num luaceiro grisalho, como de moinha ao vento; mas, a todo o largo da mirada, a terra descobria-se com os mouchões das leiras a reluzir prateados ao luar e os regos coalhados de tinta negra. Nas leiras onduladas de morro para morro, o centeal dormia debaixo do codo, a meio as pedras intonsas e impressionantes, como cabeças mortas saindo de baixo dum lençol. As giestas projectavam uma sombra muito escura, o que levou a notar que a sombra que o seu vulto também projectava era tão retinta e desengonçada como se levasse um fantasma à mão direita. Não se enxergava vivalma, nem de homem, nem de bicho, nem de ser nado que fosse. Mas, pela lua que caminhava sempre, o sete-estrelo muito rútilo, a rija imobilidade da planície, sentia-se a terra presa a amarras que não quebram nem se rendem.



- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, ed. 1963, pp. 96 e 99.