28.5.07

Fernão Lopes (Juras de foder)





(Juras de foder…)




… Com condiçom prometida e jurada per elRei (…) que do dia que lhe fosse entregue ataa sete meses, nom ouvesse com ella jumtamento carnal; (…) e esta condiçom foi a elRei Dom Fernando muj maa doutorgar, porem aaçima ouveo de fazer; e diziamlhe alguuns que juras de foder nom eram pera crer, que jurasse el foutamente este capitullo, ca nom mimguaria quem tomasse por elle o pecado deste juramento sobre si.



- FERNÃO LOPES, Crónica do Senhor Rei Dom Fernando, Nono Rei destes Regnos, cap. LIII.

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Hilda Hilst (E por que haverias...)








E PORQUE HAVERIAS DE QUERER...






E por que haverias de querer minha alma
na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas,
obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
nem omiti que a alma está além, buscando
aquele Outro. E te repito: por que haverias
de querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.





Hilda Hilst








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25.5.07

Fernando Pessoa (Variações sobre um corpo)





VARIAÇÕES SOBRE UM CORPO




Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.



Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.



E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.



Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?




Fernando Pessoa


23.5.07

Pedro Mexia (Todos contra todos)






TODOS CONTRA TODOS









A infância é uma arena de jogos
e todos, rotativamente,
éramos adversários
as regras fixas, o propósito curto,
a disposição honesta.



Aldeia de irmãos, tínhamos do nosso lado
o far-west, partíamos canteiros
com sardinheiras e, como alquimistas,
fazíamos um ouro secreto
apenas para nosso uso.



Na adolescência,
dissemos, mudavam as tácticas
e as intenções mas não
as regras. Mas a adolescência
acabou, os jogos são formas
de vingança e agora
jogamos todos contra todos.




PEDRO MEXIA
Em Memória, Gótica, 2000




Consultar: Um-buraco-na-sombra (23p+bio+linques) / Estado civil (blogue do autor)

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Paul Valéry (Amador da escrita)









Não gosto da profissão literária, desagrada-me.

Gostaria de ser, enquanto escritor, apenas um amador, mas mais sábio, mais exigente e mais profundo no ofício do que os profissionais.



Paul Valéry
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21.5.07

Um verso (34)







Um verso de Cesário
(e quem confessa não merece castigo):








Eu hoje estou cruel, frenético, exigente.


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Miguel Hernández (Tristes guerras)





TRISTES GUERRAS






Tristes guerras
si no es amor la empresa.
Tristes, tristes.



Tristes armas
si no son las palabras.
Tristes, tristes.



Tristes hombres
si no mueren de amores.
Tristes, tristes.


Miguel Hernández







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18.5.07

Claribel Alegria (Quiero entrar a la muerte)






QUIERO ENTRAR A LA MUERTE




Quiero entrar a la muerte
con los ojos abiertos
abiertos los oídos
sin máscaras
sin miedo
sabiendo y no sabiendo
enfrentarme serena
a otras voces
a otros aires
a otros cauces
olvidar mis recuerdos
desprenderme
nacer de nuevo
intacta.

 
Claribel Alegria



Antes, aqui: Cada vez (com sinopse) / Creí pasar mi tiempo / Estranho hóspede
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Coitado do Jorge (36)





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(Sábio, esse Galeano…)

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Todos somos mortais até ao primeiro beijo e ao segundo copo de vinho.



Eduardo Galeano



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14.5.07

José Bergamín (A velhice é uma máscara)




La vejez es una máscara:
Si te la quitas, descubres
El rostro infantil del alma.

La niñez te va siguiendo
Durante toda la vida.
Pero ella va más despacio
Y tú andas siempre de prisa.

Cuando la vejez te llega,
No es que vuelves a la infancia,
Es que moderas el paso
Y al fin la niñez te alcanza.


José Bergamín




A velhice é uma máscara:
se a tiras, pões à mostra
o rosto infantil da alma.

A infância vai-te seguindo
durante a vida inteira.
Mas anda mais devagar
e tu caminhas sempre depressa.

Quando a velhice te atinge,
não quer dizer que tornes à infância,
apenas moderas o passo
e por fim a infância alcança-te.


(Trad. A.M.)


>>  Cervantes (10p) / Poesi.as (14p) / Poeticas (7p) / Wikipedia


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Fernão Lopes (Corpo e gesto)











(Corpo e gesto…)

















… Ca de corpo e geesto natureza lhe dera tam boa parte, que nenhuum senhor se descomtentaria de a aver por molher.




- FERNÃO LOPES, Crónica do Senhor Rei Dom Fernando, Nono Rei destes Regnos, cap. LI.
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10.5.07

Bertolt Brecht (Dificuldade de governar)






DIFICULDADE DE GOVERNAR




1

Todos os dias os ministros dizem ao povo
como é difícil governar. Sem os ministros
o trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
ele nasceria por certo fora do lugar.



2

É também difícil, ao que nos é dito,
dirigir uma fábrica. Sem o patrão
as paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
ele nunca chegaria ao campo sem
as palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
de outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.



3

Se governar fosse fácil
não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
e se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
É só porque toda a gente é tão estúpida
que há necessidade de alguns tão inteligentes.



4

Ou será que
governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
são coisas que custam a aprender?




Bertolt Brecht
(Trad. Arnaldo Saraiva)
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Consultar: Ibidem (bio+poemas+linques) / International Brecht Society / Cultura-Brasil (Antologia-54p)
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Eugénio de Andrade (As palavras)





AS PALAVRAS




São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.


Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam;
barcos ou beijos,
as águas estremecem.


Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.


Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?



EUGÉNIO DE ANDRADE
Coração do Dia (1958)
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Fontes: As Tormentas (68p) / Porto de Abrigo (27p) / IPLB (nota+bio-biblio+excertos, etc.) / Instituto Camões (nota Carlos Mendes Sousa) / Lídia Aparício (19p) / Lugar das Palavras (30p) / Um buraco na sombra (23p) / nEscritas (homenagem) / Fundação Eugénio A. (tudo+algo)
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8.5.07

Paul Valéry (Escrita de precisão)







A minha ambição literária foi sempre a escrita de precisão.

O conteúdo, indiferente.






Paul Valéry

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Jaime Sabines (La procesión del entierro)







LA PROCESIÓN DEL ENTIERRO en las calles de la ciudad es omi
nosamente patética. Detrás del carro que lleva el cadáver, va el
autobús, o los autobuses negros, con los dolientes, familiares y
amigos. Las dos o tres personas llorosas, a quienes de verdad les
duele, son ultrajadas por los cláxones vecinos, por los gritos de
los voceadores, por las risas de los transeúntes, por la terrible
indiferencia del mundo. La carroza avanza, se detiene, acelera
de nuevo, y uno piensa que hasta los muertos tienen que respe-
tar las señales del tránsito. Es un entierro urbano, decente y expedito.
No tiene la solemnidad ni la ternura del entierro en provincia.
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Una vez vi a un campesino llevando sobre los hombros una caja
pequeña y blanca. Era una niña, tal vez su hija. Detrás de él no iba
nadie, ni siquiera una de esas vecinas que se echan el rebozo
sobre la cara y se ponen serias, como si pensaran en la muerte.
El campesino iba solo, a media calle, apretado el sombrero con una
de las manos sobre la caja blanca. Al llegar al centro de la población
iban cuatro carros detrás de él, cuatro carros de desconocidos
que no se habían atrevido a pasarlo.
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Es claro que no quiero que me entierren. Pero si algún dia ha de
ser, prefiero que me entierren en el sótano de la casa, a ir muerto
por estas calles de Dios sin que nadie se dé cuenta de mí. (…)



Jaime Sabines
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