12.2.07

Aquilino Ribeiro (O dia começa)





(O dia começa…)





Emborcado sobre o mundo, o céu reluzia como uma redoma.
Desvendam-se hortas e quintais.
Pelos oiteiros, os vagalhões de sombras corriam que nem reses bravas.
Ainda a estrela da manhã pestanejava, mas trémula e apagadiça como pálpebra de menino com sono.
Para a banda das Antas, havia um estendedoiro de vermelho, a tal ‘cabra esfolada’ de que rezavam os antigos, a prenunciar o bom tempo.
As matas, à traseira das lágeas, lembravam uma parede negra, a suster a noite para a banda de lá.
Mas com endireitas no vale, os olhos já iam mais longe pelo espaço que o galope de um bom garrano.
Enxergava-se, em baixo, o pano caiado da igreja, e, reparando bem, o macanjo do galo lá no coruto da torre, de crista para o nascente, à espera de salvar ao Sol como um galo verdadeiro.
Cantava já para os soutos a melra, que é uma passara que pega a cantar logo ao depois do rouxinol.
Dali a pedaço, o cuco, as rolas, a popa e a milheira cantariam, cantariam todos diante da rosa do sol melhor que os senhores padres o tantum ergo.



- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, ed. 1963, p.150.

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