13.12.07

Olhar (13)







Praia da Vitória

- A caminho de Biscoitos

(Terceira)

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INDICE DE AUTORES (2005-7)







ACQUARONI, Rosana
AGUIAR, Cristóvão
AGUIAR, Jorge
AGUSTINI, Delmira
ALBERTY, Rafael
ALEGRIA, Claribel
ALEXANDRE, António Franco
ALMEIDA, José António
ALONSO, Dámaso
ANDRADE, Carlos Drummond
ANDRADE, Eugénio
ANDRADE, Mário
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner
ASSIS, Machado
BANDEIRA, Manuel
BAPTISTA, José Agostinho
BARROS, Manoel
BAUTISTA, Amalia
BELO, Ruy
BENEDETTI, Mário
BERGAMÍN, José
BERTO, Al
BORGES, Jorge Luís
BOTTO, António
BRECHT, Bertolt
BRITO, Casimiro
CADILHE, Gonçalo
CAMÕES, Luís
CARNEIRO, Mário Sá
CELAYA, Gabriel
CENTENO, Yvette
CERNUDA, Luís
CESARINY, Mário
CHAR, René
CORTÁZAR, Julio
CRUZ, Sor Juana Inês
CUENCA, Luis Alberto
EDSON, Russel
ELUARD, Paul
FERREIRA, David Mourão
FIGUEIREDO, Tomaz
GALEANO, Eduardo
GULLAR, Ferreira
HÉLDER, Herberto
HERCULANO, Alexandre
HERNÁNDEZ, Miguel
HILST, Hilda
HORTA, Maria Teresa
JÚDICE, Nuno
KAVAFIS, Konstandinos
LEIRIA, Mário-Henrique
LIMA, Ângelo
LISPECTOR, Clarice
LOBO, Francisco Rodrigues
LOPES, Fernão
MARTINS, Albano
MEIRELES, Cecília
MEXIA, Pedro
MONETTE, Hélène
MONTEIRO, Adolfo Casais
MORAES, Vinicius
MORIN, E.
MOURA, Gabriela
NEGREIROS, José Almada
NEMÉSIO, Vitorino
NERUDA, Pablo
NIETZSCHE, Friedrich
OLIVEIRA, Carlos
OLIVEIRA, Mário Rui
O’NEILL, Alexandre
OSÓRIO, António
PACHECO, Fernando Assis
PACHECO, José Emílio
PANERO, Juan Luis
PAZ, Octavio
PEDREIRA, Maria do Rosário
PESSOA, Fernando
PIRES, Graça
PRADO, Adélia
PRÉVERT, Jacques
QUINTANA, Mário
RIBEIRO, Aquilino
RIBEIRO, Bernardim
RITSOS, Yannis
ROSA, António Ramos
SABINES, Jaime
SAFO
SALINAS, Pedro
SENA, Jorge
TAVARES, Gonçalo M.
TORGA, Miguel
VALÉRY, Paul
VERDE, Cesário
VICENTE, Gil
YOURCENAR, Marguerite

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11.12.07

Gabriela Moura (Bebe tu de mim)















BEBE TU DE MIM






Um desejo imenso
que me tomes nos teus braços
e me arrastes para um canto
onde o vermelho da paixão se confunda
com os contornos do meu rosto.
Arrasta-me até onde o sol se põe
e descobre no cume do meu ventre
todas as delícias que
um dia
eu guardei só para ti.


Ah! Apenas um desejo me consome.


Um desejo imenso
que arrastes este corpo abandonado que sou
e estendas nele o teu sorriso
até que ele ávido e doce me toque
e tal como a abelha sorve o néctar da flor
bebe tu de mim
o que em mim resta de um abraço.


Gabriela Moura

[Corte na Aldeia}

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4.12.07

Ruy Belo (Soneto superdesenvolvido)







SONETO SUPERDESENVOLVIDO




É tão suave ter bons sentimentos,
consola tanto a alma de quem os tem,
que as boas acções são inesquecíveis momentos
e é um prazer fazer o bem.


Por isso, quando no Verão se chega a uma esplanada
sabe melhor dar esmola que beber a laranjada,
consola mais viver entre os muito pobres
que conviver com gente a quem não falta nada.


E ao fim de tantos anos a dar do que é seu,
independentemente da maneira como se alcançou,
ainda por cima se tem lugar garantido no céu,
gozo acrescido ao muito que se gozou.


Teria este ... se não tivesse outro sentido,
ser natural de um país subdesenvolvido.



Ruy Belo
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27.11.07

Miguel Torga (Ribatejo)








O Ribatejo deve ser visto das Portas do Sol de Santarém, num dia de cheia, ou das bancadas duma praça de toiros, numa tarde de verão.

Num dia de cheia, porque o Tejo hipertrofiado marca-lhe exactamente a extensão e os contornos que a geografia nunca encontrou; numa tarde de toiros, porque é no redondel que se precisa a sua íntima significação. (…)

Quando o rio entumesce, e um mar de água se espreguiça por quilómetros e quilómetros de terras baixas e porosas, Portugal, sempre sequioso e árido, sente que aquela nesga da pátria é um mundo à parte dentro das suas entranhas - um mundo rico, de aluvião, de maná, em que não é preciso tirar dos abismos, a gastalho, a verdura duma couve, e se pode gastar o tempo numa lúdica e alegre faina, a cavalgar nas asas do vento…




- MIGUEL TORGA, Portugal (O Ribatejo).

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23.11.07

Corpo presente (36)








CALENDÁRIO DAS LÁGRIMAS








Chamais vida a quê,
a este calendário de lágrimas?
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20.11.07

Jaime Sabines (No es que muera de amor)






NO ES QUE MUERA DE AMOR, MUERO DE TI.
Muero de ti, amor, de amor de ti,
de urgencia mía de mi piel de ti,
de mi alma de ti y de mi boca
y del insoportabie que yo soy sin ti.




Muero de ti y de mí, muero de ambos,
de nosotros, de ese,
desgarrado, partido,
me muero, te muero, lo morimos.




Morimos en mi cuarto en que estoy solo,
en mi cama en que faltas,
en la calle donde mi brazo va vacío,
en el cine y los parques, los tranvías,
los lugares donde mi hombro acostumbra tu cabeza
y mi mano tu mano
y todo yo te sé como yo mismo.
(…)




Jaime Sabines

14.11.07

Pedro Mexia (A flecha envenenada)

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A FLECHA ENVENENADA
(relato budista)







A memória é como o homem atingido
pela flecha envenenada: antes que curem
a ferida ele pergunta quem o atingiu,
como se chama, onde está, o seu aspecto.
Então talvez saiba mais sobre a flecha
e o archeiro, mas é demasiado tarde para
ser salvo.




PEDRO MEXIA
Em Memória (2000)
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30.10.07

Juan Luis Panero (A la mañana siguiente)






A LA MAÑANA SIGUIENTE CESARE PAVESE NO PIDIÓ EL DESAYUNO






Solo bajó del tren,
atravesó solo la ciudad desierta,
solo entró en el hotel vacío,
abrió su solitaria habitación
y escuchó con asombro el silencio.
Dicen que descolgó el teléfono
para llamar a alguien,
pero es falso, completamente falso.
No había nadie a quien llamar,
nadie vivía en la ciudad, nadie en el mundo.
Bebió el vaso, las pequeñas pastillas,
y esperó la llegada del sueño.
Con cierto miedo a su valor
- por vez primera había afirmado su existencia -
tal vez curioso, con cansado gesto,
sintió el peso de sus párpados caer.
Horas después - una extraña sonrisa dibujaba sus labios -
se anunció a sí mismo, tercamente,
la única certidumbre que al fin había adquirido:
jamás volvería a dormir solo en un cuarto de hotel.





JUAN LUIS PANERO
Los trucos de la muerte (1975)






Cesare Pavese: Biografia

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25.10.07

Um verso (39)





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Um verso do Assis
(compridito, já disse?…):











Porque eu amo-te, isto é, dou cabo da escuridão do mundo.




Fernando Assis Pacheco



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Herberto Hélder (A carta da paixão)












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A CARTA DA PAIXÃO





Esta mão que escreve a ardente melancolia da idade
é a mesma que se move entre as nascentes da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os recessos negros
onde se formam as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se
alumia: a língua alumia-se.
O mel escurece dentro da veia jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, a lua tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponta a ponta
da figura cavada no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz dos braços, a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem,
nenhum astro
é tão feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco
luminoso, arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como
um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que
crescem nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas



Herberto Hélder




Fonte: nEscritas


16.10.07

António Osório (A raiz afectuosa)






A RAIZ AFECTUOSA





Com os anos
a pouco e pouco
a raiz afectuosa
penetrou
no fundo da terra
até chegar ao mais pequeno
e mais antigo
veio de lágrimas.




António Osório





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Miguel Torga (As videiras choram de frio)







Doiro, rio e região, é certamente a realidade mais séria que temos.

Nenhum outro caudal nosso corre em leito mais duro, encontra obstáculos mais encarniçados, peleja mais arduamente em todo o caminho; nenhuma outra nesga de terra nossa possui mortórios tão vastos, tão estéreis e tão malditos.

Basta sentir no corpo, uma só vez, a dentada daquelas fragas que devolvem ao céu, agressivamente, a luz recebida, ou molhar os pés na levada barrenta que o garrote dos espinhaços tenta estrangular, para se ver que não há desgraça maior dentro da pátria, nem semelhante via-sacra de meditação.

De ponta a ponta do ano nenhuma bênção possível mitiga a crucificação do sofrimento.

No verão, um calor de forja caldeia o xisto e transforma a corrente numa alucinação de lava a mover-se; no Inverno, até os olhos das videiras choram de frio.




- MIGUEL TORGA, Portugal (O Doiro).


9.10.07

Corpo presente (35)









ACACIANA








È terrível a morte,
transforma uma pessoa
num monte de esterco.




É terrível a morte,
definitiva,
sem remédio.



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Jaime Sabines (Ainda a morte da mãe)





(Ainda a morte da mãe…)




XVII




Lloverás en el tiempo de lluvia,
harás calor en el verano,
harás frío en el atardecer.
Volverás a morir otras mil veces.




Florecerás cuando todo florezca.
No eres nada, nadie, madre.




De nosotros quedará la misma huella,
la semilla del viento en el agua,
el esqueleto de las hojas en la tierra.
Sobre las rocas, el tatuaje de las sombras,
en el corazón de los árboles la palabra amor.




No somos nada, nadie, madre.
Es inútil vivir
pero es más inútil morir.




JAIME SABINES
Maltiempo (1972)







Choverás em tempo de chuva,
farás calor no verão,
farás frio no entardecer.
Voltarás a morrer mil vezes.




Florescerás quando tudo floresça.
Não és nada, mãe, ninguém.




De nós ficará o mesmo rasto,
a semente do vento na água,
o esqueleto das folhas na terra.
Sobre as rochas, a tatuagem das sombras,
no coração das árvores a palavra amor.




Não somos nada, mãe, ninguém.
É inútil viver
mas é mais inútil ainda morrer.




(Trad. A.M.)



2.10.07

Olhar (11)





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Gosende
(Montemuro)
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Adélia Prado (A boa morte)





A BOA MORTE





Dona Dirce chorava a morte da filha
e com sincera dor o fazia,
estendendo a mão em direção ao café
que a irmã da morta servia.
Eu prestava atenção em Dona Dirce
que escutava Alzirinha admirada:
...o médico me proibiu expressamente...
Alguém pôs a cara na porta procurando Dona
Dirce:
A senhora sabe a placa da caminhonete do Artur?
Alzirinha não queria café, por motivo de regime,
era possível que Artur não fosse avisado a tempo.
A adolescente sardenta, visivelmente feliz,
chorava a morte da mãe.
Também quis chorar,
por diversos motivos,
mas era impossível ali,
celebrava-se a vida
sob caras contritas,
sob os véus da morte,
mais que sete.
A cada desnudamento
ela própria cobria-se
visivelmente pra nos proteger:
Ninguém quer mais café não?
Modesta a morte, companheira,
nos consolando, quase da família.
Lucinda virou santa.
Não contei a ninguém,
pra não amolar a tristeza.




Adélia Prado






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27.9.07

Luis Alberto de Cuenca (Bebe-a)





BÉBETELA



Dile cosas bonitas a tu novia:
«Tienes un cuerpo de reloj de arena
y un alma de película de Hawks».
Díselo muy bajito, con tus labios
pegados a su oreja, sin que nadie
pueda escuchar lo que le estás diciendo
(a saber, que sus piernas son cohetes
dirigidos al centro de la tierra,
o que sus senos son la madriguera
de un cangrejo de mar, o que su espalda
es plata viva). Y cuando se lo crea
y comience a licuarse entre tus brazos,
no dudes ni un segundo:
bébetela.


Luis Alberto de Cuenca






Diz coisas lindas à tua amada:
“O teu corpo é como uma ampulheta
e a alma um filme de Hawks”.
Diz-lho baixinho, chegando-lhe os lábios
ao ouvido, sem que ninguém
possa ouvir o que lhe dizes
(a saber, que suas pernas são foguetes
dirigidos ao centro da terra,
ou que os seios são a morada
de um caranguejo marinho, ou que
as costas são como prata viva).
E quando ela acreditar
e começar a derreter-se nos teus braços,
não hesites nem um segundo:
bebe-a.


(Trad. A.M.)




Fontes: A-media-voz (bio+43p) / Instituto Cervantes (autor+textos+videoteca) / Poesia-inter (foto+32p)

Um verso (38)












Um verso de Mário Quintana
(perfilar, Porto Alegre):











Quem faz um poema abre uma janela


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25.9.07

Miguel Torga (Sol engarrafado)





Nas margens de um rio de oiro, crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo o seca, erguem-se os muros do milagre.

Em íngremes socalcos, varandins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas.

No Setembro, os homens deixam as eiras da Terra-Fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto.

Cantam, dançam e trabalham.

Depois sobem.

E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo.




- MIGUEL TORGA, Portugal (Um Reino Maravilhoso. Trás-os-Montes).


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30.8.07

Pedro Mexia (In memoriam)





IN MEMORIAM





Em memória de quem
os versos? Dos outros
seria cristão mas




mentira, de si mesmo
era esforço demais
para motivo assim




pouco, memória talvez
de abstracções biográficas
simples, partilháveis,




ou então em memória
apenas dos versos, em
memória da memória.



PEDRO MEXIA
Em Memória (2000)

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27.8.07

Mário Cesariny (Todos por um)






TODOS POR UM





A manhã está tão triste
que os poetas românticos de Lisboa
morreram todos com certeza



Santos
Mártires
e Heróis



Que mau tempo estará a fazer no Porto?
Manhã triste, pela certa.




Oxalá que os poetas românticos do Porto
sejam compreensivos a pontos de deixarem
uma nesgazinha de cemitério florido
que é para os poetas românticos de Lisboa não terem de
recorrer à vala comum



Mário Cesariny



Fontes: IPLB (bio+biblio+linques+5p) / Um-buraco-na-sombra (13p+bio) / Truca (9p) / As Tormentas (26p) / Porto de Abrigo (16p) / Triplo V (12p+ensaios) / Poesias e prosas (11p)



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24.8.07

Konstandinos Kavafis (Quanto puderes)







QUANTO PUDERES





Mesmo que não possas fazer a vida como a queres,
isto ao menos tenta
quanto puderes: não a desbarates
nos muitos contactos do mundo,
na agitação e nas conversas.




Não a desbarates arrastando­‑a,
e mudando­‑a e expondo­‑a
ao quotidiano absurdo
das relações e das companhias
até se tornar um estranho importuno.




Konstandinos Kavafis






Antes, aqui: À espera dos bárbaros (com linques)

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22.8.07

Eugénio de Andrade (Arte dos versos)





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ARTE DOS VERSOS








Toda a ciência está aqui,
na maneira como esta mulher
dos arredores de Cantão,
ou dos campos de Alpedrinha,
rega quatro ou cinco leiras
de couves: mão certeira
com a água,
intimidade com a terra,
empenho do coração.
Assim se faz o poema.




EUGÉNIO DE ANDRADE
Rente ao Dizer
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17.8.07

Olhar (10)








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Vila Nova de Cerveira

(Rio Minho)

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Jaime Sabines (De repente)





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(A morte da mãe...)





VII

De repente, qué pocas palabras quedan: amor y muerte.
Pájaros quemados aletean en las entrañas de uno.
Dame un golpe, despiértame.
Dios mío, qué Dios tienes tú?, quién es tu Dios padre,
tu Dios abuelo? Qué desamparado ha de estar el Dios primero, el último!
Sólo la muerte se basta a si misma.
Se alimenta de sus propios excrementos.
Tiene los ojos encontrados, mirándose entre sí perpetuamente.
Y el amor! El amor es el aprendizaje de la muerte.



JAIME SABINES
Maltiempo (1972)




De repente, ficam tão poucas palavras: amor e morte.
Pássaros queimados agitam-se-nos cá dentro.
Esbofeteia-me, desperta-me.
Deus meu, que Deus é que tu tens? Quem é o teu Deus pai,
e o teu Deus avô? Como há-de estar desamparado o Deus primeiro, o último!
Só a morte se basta a si mesma.
Alimenta-se do seu próprio excremento.
Tem os olhos revirados, contemplando-se um ao outro perpetuamente.
E o amor! O amor é a aprendizagem da morte.



(Trad. A.M.)
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15.8.07

Casimiro de Brito (Do poema)





DO POEMA




O problema não é
meter o mundo no poema; alimentá-lo
de luz, planetas, vegetação. Nem
tão pouco
enriquecê-lo, ornamentá-lo
com palavras delicadas, abertas
ao amor e à morte, ao sol, ao vício,
aos corpos nus dos amantes -




o problema é torná-lo habitável, indispensável
a quem seja mais pobre, a quem esteja
mais só
do que as palavras
acompanhadas
no poema.




CASIMIRO DE BRITO
Ode & Ceia
Poesia /1955-1984

12.8.07

Maria Teresa Horta (Morrer de amor)

(Graça Sarsfield)





Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso



Maria Teresa Horta




Outros lugares: As Tormentas (43p+bio+fotos) / Mulheres Portuguesas (bio+4p+foto) / Jornal de Poesia (27p) / nEscritas (9p) / DGLB (bio+biblio)

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Antes, aqui: Masturbação



8.8.07

Miguel Torga (Sol a pino)





(Sol a pino...)






O sol, a pino, lambia os bagos de alvaralhão, besuntava-se de melaço, escorria em calda pelas cepas abaixo.

As lajes de xisto reluziam como brasas pela encosta acima.

Ao fundo, o Doiro, morno, pesado, cor de tijolo, lembrava a água de uma grande barrela que alguém fizesse lá para as bandas do Pocinho.



- MIGUEL TORGA, Vindima, III, in fine.

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Herberto Hélder (Se houvesse degraus...)





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SE HOUVESSE DEGRAUS NA TERRA...






Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.




Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.




Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.



Herberto Hélder



Fontes: As Tormentas (20p+ficha) / Um-buraco-na-sombra (14p+bio) / CITI (bio e +) / Arlindo Correia (5p+ficha) / Lídia Aparício (7p) / Triplo V (5p+ensaios) / IPLB (bio+biblio+excertos+linques) / Poesias e prosas (5p) / nEscritas (5p) / Porto-de-abrigo (12p)
.
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6.8.07

Coitado do Jorge (40)





(Sábio, esse Nietzsche…)




Às tantas, acabamos por amar o próprio desejo,
não já o objecto desse desejo…




Friedrich Nietzsche






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2.8.07

Mário Quintana (Poeminha sentimental)





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POEMINHA SENTIMENTAL






O meu amor, o meu amor, Maria
é como um fio telegráfico da estrada
aonde vêm pousar as andorinhas…
De vez em quando chega uma
e canta
(não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
canta e vai-se embora
outra, nem isso,
mal chega, vai-se embora.
A última que passou limitou-se a fazer cocó
no meu pobre fio de vida.
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.




Mário Quintana
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Fontes: Poetas Famosos (bio+ditos+40p) / Casa do Bruxo (bio+58p) / Eterno Espanto (blogue dedicado, desde 5.2004) / Centenário M.Q. (tudo+algo)
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Antes, aqui: Bilhete (com sinopse) / Os poemas
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31.7.07

António Osório (A um mirto)









A UM MIRTO








Nascido antes de Cristo
Uma vez mais floriu
o velho e agora jovem mirto.
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Junto ao poço as suas fundas raízes
e o mesmo vivo, sempre generoso
aroma das folhas; o tronco
torturado por nodosas chagas,
cavernas, golpeado de musgo e cobre,
mas com baixos, com tenazes rebentos.
.



Quantos ali perdeste, quantos
se amaram à tua sombra?
Alguém como eu acaso te beijou?
Quantos passos em volta? Quanta chuva
desejou o Romano que para aqui te trouxe?
E quantas exalações da vida assististe
como muda testemunha, ó corpo mediterrâneo
sobrevivente a tantos tantos deuses mortos?



António Osório






Outras: DGLB (bio+ antologia) / As Tormentas (bio+6p) / Lídia Aparício (16p) / nEscritas (4p)
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Olhar (9)







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Albergaria da Serra

(Serra da Freita)

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Um verso (37)










Um verso de Sena
(e já não é o primeiro):









A carne espera, incerta, mas tranquila.





[Corte-na-aldeia]

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29.7.07

Pedro Mexia (Uma pequenina luz)


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Luzinha-1 (Jorge de Sena)
 

Luzinha-2 (Assis Pacheco)
 

Luzinha-3 (Aquilino Ribeiro)

 

Luzinha-4 (Pedro Mexia)...


 

UMA PEQUENINA LUZ


Bruxuleante, como a luz do Sena,
a esperança é uma vela de emergência,
coto colorido, quando a electricidade
falha. Lembrar a vela, procurá-la,
depois os fósforos, o trabalho patético
de a acender, reacender, firmar a base
e depois cinco segundos bruxuleantes,
a esperança, e a luz (eléctrica) voltou


PEDRO MEXIA
Senhor Fantasma
(2007)


.
 
 

26.7.07

Ferreira Gullar (Filhos)












FILHOS







Daqui escutei
quando eles
chegaram rindo
e correndo
entraram
na sala
e logo
invadiram também
o escritório
(onde eu trabalhava)
num alvoroço
e rindo e correndo
se foram
com sua alegria



se foram



Só então
me perguntei
por que
não lhes dera
maior
atenção
se há tantos
e tantos
anos
não os via crianças



já que
agora
estão os três
com mais
de trinta anos.




Ferreira Gullar





Fonte: Portal Literal


Antes, aqui: Meu pai

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24.7.07

Amalia Bautista (Negra bílis)





NEGRA BILIS
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Hace meses que vivo rodeada
de una sustancia negra y pegajosa
que ha invadido mi casa. Las paredes,
el suelo, las ventanas y los muebles,
la comida, los libros y la ropa,
las teclas del ordenador, las plantas,
el teléfono…Todo está impregnado
de esta brea, la misma que respiro,
la que me está matando poco a poco.
Dicen que los dichosos y los necios
llaman melancolía a esta basura
que pudre el corazón y asfixia el alma.



Amalia Bautista
.
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Há meses que vivo rodeada
por uma substância negra e pegajosa
que invadiu a minha casa. As paredes,
o chão, as janelas e os móveis,
a comida, os livros e a roupa,
o teclado do computador, as plantas,
o telefone… Está tudo impregnado
com esta pez escura, a mesma que respiro
e que me mata pouco a pouco.
Dizem que os venturosos e os néscios
chamam melancolia a esta porcaria
que apodrece o coração e asfixia a alma.

(Trad. at)
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22.7.07

Jaime Sabines (Se sobrevives...)





SI SOBREVIVES, SI PERSISTES, CANTA,
sueña, emborráchate.
Es el tiempo del frío: ama,
apresúrate. El viento de las horas
barre las calles, los caminos.
Los árboles esperan: tú no esperes,
éste es el tiempo de vivir, el único.


Jaime Sabines






SE SOBREVIVES, SE PERSISTES, CANTA,
sonha, embebeda-te.
É o tempo do frio: ama,
despacha-te. O vento das horas
varre as ruas, os caminhos.
As árvores esperam: tu não esperes,
este é o tempo de viver, o único.


(Trad. A. M.)