29.12.06

INDICE DE AUTORES (2005-6)






ACQUARONI, Rosana
AGUIAR, Cristóvão
AGUSTINI, Delmira
ALBERTY, Rafael
ALEGRIA, Claribel
ALEXANDRE, António Franco
ALMEIDA, José António
ALONSO, Dámaso
ANDRADE, Carlos Drummond
ANDRADE, Eugénio
ANDRADE, Mário
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner
BANDEIRA, Manuel
BAPTISTA, José Agostinho
BAUTISTA, Amalia
BELO, Ruy
BENEDETTI, Mário
BERTO, Al
BORGES, Jorge Luís
BOTTO, António
BRITO, Casimiro
CADILHE, Gonçalo
CAMÕES, Luís
CARNEIRO, Mário Sá
CELAYA, Gabriel
CERNUDA, Luís
CHAR, René
EDSON, Russel
ELUARD, Paul
FERREIRA, David Mourão
FIGUEIREDO, Tomaz
HÉLDER, Herberto
HERCULANO, Alexandre
HORTA, Maria Teresa
JÚDICE, Nuno
KAVAFIS, Konstandinos
LEIRIA, Mário-Henrique
LIMA, Ângelo
LISPECTOR, Clarice
LOPES, Fernão
MARTINS, Albano
MEIRELES, Cecília
MONTEIRO, Adolfo Casais
MORAES, Vinicius
MORIN, E.
NEGREIROS, José Almada
NEMÉSIO, Vitorino
NERUDA, Pablo
OLIVEIRA, Mário Rui
O’NEILL, Alexandre
PACHECO, Fernando Assis
PEDREIRA, Maria do Rosário
PIRES, Graça
PRADO, Adélia
PRÉVERT, Jacques
QUINTANA, Mário
RIBEIRO, Aquilino
RIBEIRO, Bernardim
ROSA, António Ramos
SABINES, Jaime
SAFO
SALINAS, Pedro
SENA, Jorge
TAVARES, Gonçalo M.
TORGA, Miguel
VASCONCELOS, Mário Cesariny
VERDE, Cesário
VICENTE, Gil
YOURCENAR, Marguerite

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28.12.06

Aquilino Ribeiro (Danado, aquele Malhadinhas)






Danado aquele Malhadinhas de Barrelas, homem sobre o meanho, reles de figura, voz tão untuosa e tal ar de sisudez que nem o próprio Demo o julgaria capaz de, por um nonada, crivar à naifa o abdómen dum cristão.

Desciam-lhe umas farripas ralas, em guisa de suíças, à borda das orelhas pequeninas e carnudas como cascas de noz; trajava jaleca curta de montanhaque; sapato de tromba erguida; faixa preta de seis voltas a aparar as volutas dobradas da corrente de muita prata—e, Aveiro vai, Aveiro vem, no ofício de almocreve, os olhos sempre frios mas sem malícia, apenas as mandíbulas de dogue a atraiçoar o bom-serás, as suas façanhas deixaram eco por toda aquela corda de povos que anos e anos recorreu.

Na velhice, o negócio tilintado através de gerações, as andanças de recoveiro, o ver e aturar mundo, tinham-no provido de lábia muito pitoresca, levemente impregnada dum egoísmo pândego e glorioso.

Nas tardes de feira, sentado da banda de fora do Guilhermino, ou num dos poiais de pedra, donde já tivessem erguido as belfurinhas, alegre do verdeal, desbocava-se a desfiar a sua crónica perante escrivães da vila e manatas, e eu tinha a impressão de ouvir a gesta bárbara e forte dum Portugal que morreu.



- AQUILINO RIBEIRO, O Malhadinhas, início.




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Claribel Alegria (Estranho hóspede)











EXTRAÑO HUÉSPED










Es extraño este huésped
este amor
cuanto más me despoja
más me colma.



Claribel Alegria







Estranho este hóspede
este amor
quanto mais me tira
mais me enche.


(Trad. A. M.)



Fontes: A media voz / Portal de poesia

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25.12.06

Um verso (26)
















Um verso de Al Berto
(por certo, por certo):




“E um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite”.

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Edgar Morin (E o mito?)





Eu diria sobre o amor o que digo em geral sobre o mito.

A partir do momento em que um mito é reconhecido como tal, ele deixa de o ser.

Chegámos a este ponto da consciência em que nos damos conta de que os mitos são mitos.

Mas apercebemo-nos ao mesmo tempo de que não podemos privar-nos de mitos.

Não se pode viver sem mitos; e incluirei entre os ‘mitos’a crença no amor, que é um dos mais nobres e mais fortes e talvez o único mito a que nos deveríamos agarrar.




- E. MORIN, Amor, poesia e sabedoria, Lisboa (Piaget), 1999, p. 31.

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22.12.06

Albano Martins (Quatro perguntas)











QUATRO PERGUNTAS, SEGUIDAS DE UM EPÍLOGO, AO ESCULTOR JOSÉ RODRIGUES



1.

Tens na ponta do lápis uma chave
para abrir o poema.
Por onde é que ela o abre?


2.

Se um besouro de asas
translúcidas entrasse
agora no poema
– tu deixavas?


3.

Sabes como se esculpe um poema
fechado a sete chaves?


4.

E se uma pomba
roçasse o ângulo
raso do poema
– prendê-la-ias?


Tu que esculpes
com mãos de água o corpo
e a sombra dos dias.



ALBANO MARTINS
Entre a Cicuta e o Mosto
(1992)

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Coitado do Jorge (30)






(Sábio, esse Borges…)




É o amor. Tenho de esconder-me ou fugir.



Jorge Luis Borges


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Fernando Assis Pacheco (Nausicaa)













NAUSICAA




1

Emoção imprópria para cardíacos chego à beira da Ria arrumo o carro
a ver as damas que tricotam no café do Guedes e —
quem descubro inclinada para a varanda? dou um doce! Nausicaa!

Nausicaa estrelicada nuns jeans made in Oporto
a vera filha de Alcínoo que me espera
me fala assim que eu entro «ôi» (em brasilês)
deixando-me interdito que até sou homem com o epigastro reforçado
para as piores surpresas da vida — Nausicaa
chupando um eroticão dum sorvete!


2

Aliso a barba tusso baixo vou a dizer não sei que iambo
porém já ela paga
a despesa ao balcão que entre mil reconhecera o triste
naufragado de mim e pois é à la carte
intimidades mansas em palácio?
carícias numa otomana e eu com o desejo bruto?
estas coisas não deviam escrever-se ligeiramente


3

Intertexto luso-americano: certa miss Tavares de Newark NJ «despe-me» quando
abandono o local imaginando ela que estamos no Rainbow Room e a orquestra
ataca aqueles slows basto marmelativos mas eu (e só um hotentote não perceberia) não
sei nesta altura do cozinhado poético como conciliar tradição e Realpolitik; sendo
conhecido que a minha educação foi maneirista


4

Nausicaa! e quero-a mesmo? desfazer-lhe a trança
enrolada presa em caracol a um pente castanho?
dizer-lhe quanto sonhei com os seus peitos sobre o mar?
negras noites de tempestade e eu insone?
porra para as deidades de segunda
negras noites e a proa retesada?


5

Vem no guião que a bela ao surpreender-me
no areal das Quintas do Norte para o Torrão do Lameiro
dias atrás chonava eu nuzinho em pêlo o que acontece
teve uma pena do carago, ai, e logo ali jurou
amar (devia de estar lindo salvo do gigante de um só olho
ondas de sete e oito metros
puta vingança)
ou só dementres agora sim nos víamos? 2.400 anos depois
ela de jeans com uma vulgar T-shirt atada à cintura
eu no meu camisolão de lã doméstica
CT aceso óculos Rayban o jornal dobrado

és mesmo tu? achei-te? que pretendes
nas Murtosas das Itacas? pára já!
folguemos sobre os lírios dessas dunas!


6

Digo porém que não: sou um senhor magoado
pelos trabalhos e os dias
e o mais simples verso
tem grandes manchas cicatriciais
embora não se note


7

Nausicaa limpa a boca as damas entrefalam
de Newark a miss astuta finge ler
o seu James Claveil oriental

posso dar-vos boleia até Ovar

e o galicismo cai: que de soluços
nas dobras da camisa! e que de grossas
palpitações no seio! a liricalha
lusa à mercê de um tal pedante!

bye-bye honey; a carriola pisca a luz do óleo;
foi bonito e
foi helénico e foi
aquilo que se conta um dia aos netos


8

De ti Nausicaa aparto a minha vara
de carne sensível
e não no areal me viste, era uma sombra
e pois que nesta vivo é força que ela viva
a minha simples musa de estamenha

o cego, o filho de Ana, o bom do Lope
companheiros certos sabiam-na toda



Fernando Assis Pacheco

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21.12.06

Konstandinos Kavafis (À espera dos bárbaros)





À ESPERA DOS BÁRBAROS



Porque esperamos, reunidos na praça?
Hoje devem chegar os bárbaros.

Porque reina a indolência no Senado?
Que fazem os senadores, sentados sem legislar?

É porque hoje vão chegar os bárbaros.
Que hão-de fazer os senadores?
Quando chegarem, os bárbaros farão as leis.

Porque se levantou o Imperador tão de madrugada
e que faz sentado à porta da cidade,
no seu trono, solene, levando a coroa?

É porque hoje vão chegar os bárbaros.
E o imperador prepara-se para receber o chefe.
Preparou até um pergaminho para lhe oferecer, onde pôs
muitos títulos e nomes honoríficos.

Porque é que os nossos cônsules, e também os pretores,
hoje saem com togas vermelhas bordadas?
Porquê essas pulseiras com tantos ametistas
e esses anéis com esmeraldas resplandecentes?
Porque empunham hoje bastões tão preciosos
tão trabalhados a prata e ouro?

Hoje vão chegar os bárbaros,
e estas coisas deslumbram os bárbaros.

Porque não vêm, como sempre, os ilustres oradores
a fazer-nos seus discursos, dizendo o que têm para nos dizer?

Hoje vão chegar os bárbaros;
e, a eles, aborrece-os os discursos e a retórica.

E que vem a ser esta repentina inquietação, esta desordem?
(Que caras tão sérias tem hoje o povo.)
Porque é que as ruas e as praças vão ficando vazias
e regressam todos, tão pensativos, a suas casas?

É porque anoiteceu e os bárbaros não vieram.
E da fronteira chegou gente
dizendo que os bárbaros já não vêm.

E agora que será de nós sem bárbaros?
De certo modo, essa gente era uma solução.


Konstandinos Kavafis

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Fontes: Sítio oficial / Poemas / Biografia / Cem poemas / Análise+Poemas / Wikipedia
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16.12.06

Fernão Lopes (Amador de mulheres)











(Amador de mulheres, e achegador a elas…)







(D. Fernando) mancebo valente, ledo, e namorado, amador de mulheres, e achegador a elas. Havia bem composto corpo e de razoada altura, fremoso em parecer e muito vistoso (…).

E era tão amavioso de todos que com ele viviam, que não chorava menos por um seu escudeiro, como se fosse seu filho.

De nenhum a que bem quisesse podia crer mal que lhe dele fosse dito, mas amava ele e todas suas cousas muito de vontade.

Era cavalgante, e torneador, grande justador, e lançador atavolado.

Era muito braceiro, que não achava homem que o mais fosse; cortava muito com uma espada, e remessava bem a cavalo.



- FERNÃO LOPES, Cron. D. Fernando, prólogo, Livraria Civilização, p.3   (com actualização ortográfica).


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Um verso (25)






Um verso de Sabines
(e não deixou poucos…):




“Digo que no puede decirse el amor”.




Jaime Sabines


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Casimiro de Brito (O interrogatório de Rosa Luxemburgo)






OBJECTOS DE CULTO & PERSONAL

O interrogatório de Rosa Luxemburgo




O interrogatório
De Rosa Luxemburgo
Durou apenas algumas horas. Ela sabia
Tão bem como os seus carcereiros
Que palavras ali já não existiam. Caída
Na batalha
Contra o nervo vital do Estado; banhada
Em sangue
E quase sem sentidos,
Rosa,
Frágil camarada,
Pediu aos caçadores seus assassinos
Agulha e linha. E, silenciosamente,
Com uma pistola apontada à têmpora,
Coseu a bainha da saia que se encontrava
Descosida. Pouco depois
O cadáver
Foi lançado à água.



Casimiro de Brito



Fontes: As Tormentas / Poesias-e-prosas / Palavras d'Ouro / Sítio of. (bio+antologia+ crítica+entrevistas+linques)

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11.12.06

Cristóvão de Aguiar (Serviu-lhe de emenda)





Numa dessas ocasiões de tentação demoníaca, esteve o porquinho vermelho, ainda mal desmamado, à beira de ficar todo rebentado por dentro, tamanho foi o estoiro de encontro à calçada do curral.

O fidalgo havia deixado a lavagem quase toda na pia.

Mal lhe tocara.

Vavô Evaristo, que já não gostava nada da raça dos porcos, perdeu o resto do tino ao vê-lo mirrar-se de dia para dia de comedouro cheio.

Não se contendo mais, pegou no marrão e atirou-o com quanta força tinha (e era muita!) contra o empedrado da pocilga.

Valeu ao bicho a alcatifa de estrume que o amparou em tão feia queda.

Dormiu a sono solto durante horas acrescentadas, até parecia já defunto.

Ao vir porém a si, a primeira coisa que fez foi dirigir-se à pia: meteu o focinho com o arganel e sorveu a lavagem empapada em gorgolejos insofridos e não deixou um suor no fundo lambido do comedouro.

Serviu-lhe de emenda.



- CRISTÓVÃO DE AGUIAR, O fruto e o sonho, 1.ª parte, cap. V, in medio, da trilogia Raiz Comovida.

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Eugénio de Andrade (Há dias)






HÁ DIAS





Há dias em que julgamos
que todo o lixo do mundo
nos cai em cima
depois ao chegarmos à varanda avistamos
as crianças correndo no molhe
enquanto cantam
não lhes sei o nome
uma ou outra parece-se comigo
quero eu dizer :
com o que fui
quando cheguei a ser luminosa
presença da graça
ou da alegria
um sorriso abre-se então
num verão antigo
e dura
dura ainda.



EUGÉNIO DE ANDRADE
Lugares do lume


Consultar: Instituto Camões (Perfil: Carlos Mendes de Sousa)

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8.12.06

Jorge de Sena (Os paraísos artificiais)





OS PARAÍSOS ARTIFICIAIS




Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.


Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.


O cântico das aves — não há cânticos,
mas só canários de 3.º andar e papagaios de 5.º
E a música do vento é frio nos pardieiros.


Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.


A minha terra não é inefável.
A vida na minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.



Jorge de Sena



4.12.06

Edgar Morin (O que é o amor?)





Então o que é o Amor?

É o auge da união da loucura e da sabedoria. Como esclarecer isto?

É evidente que é o problema que afrontamos na nossa vida e não existe nenhuma chave para encontrar uma solução exterior ou superior.

O amor traz, precisamente, esta contradição fundamental, esta co-presença da loucura e da sabedoria.


- EDGAR MORIN, Amor, poesia e sabedoria, Lisboa (Piaget), 1999, pp. 30-1.

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Coitado do Jorge (29)






(Sábio, esse… popular)




Mal de amor raro se perde
é como a nódoa da amora
só com outra amora verde
a nódoa se vai embora

(Popular)



[Corte-na-aldeia]

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Amalia Bautista (Meus melhores desejos)






MIS MEJORES DESEOS




Que la vida te sea llevadera.
Que la culpa no ahogue la esperanza.
Que no te rindas nunca.
Que el camino que tomes sea siempre elegido
entre dos por lo menos.
Que te importe la vida tanto como tú a ella.
Que no te atrape el vicio
de prolongar las despedidas.
Que el peso de la tierra sea leve
sobre tus pobres huesos.
Que tu recuerdo ponga lágrimas en los ojos
de quien nunca te dijo que te amaba.


Amalia Bautista






Que a vida te seja suportável.
Que a culpa não afogue a esperança.
Que não te rendas nunca.
Que o caminho que segues seja sempre escolhido
entre dois pelo menos.
Que te importe a vida tanto como tu a ela.
Que não te agarre o vício
de prolongar as despedidas.
Que o peso da terra seja leve
sobre os teus pobres ossos.
Que a tua recordação traga lágrimas aos olhos
de quem nunca te disse que te amava.


(Trad. at)


[Um-buraco-na-sombra]

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