23.6.06

Tomaz de Figueiredo (Pulou do quente)





Pulou do quente ainda com estrelas e quase nem molhou a ponta do nariz, engoliu uma água de unto e tragou um dedal de aguardente, descompôs a mulher, à pressa, por lhe questionar e chorar a côdea do cão, e, mal que apresilhado o cinto e embandoleirada a escopeta, ala, que se faz tarde, baforando fumaças e respiração pelo nevoeiro, como se fosse a arder.

Cara de múmia, enxuta, de peliças enfoladas para o vazio de dentes, ainda por cima pelo tabaco de cinquenta anos, logo apagado se o não puxasse, Manuel Félix todo ele era seco: mãos de santo de aldeia, só tendões e osso, tostadas, quadris por onde o cós das calças fugia, esbarrigando a camisa de tomentos, canelas a que umas polainas ressecas e sem boleio davam o ar das pernas de pau levadas a Santo Amaro, de promessa, por coxos sarados.

Como se afiada em rebolo, dir-se-ia quebra-vento apropositado a cana do nariz, e não seriam as costeletas, de ralas, tojo molarinho, que o tolheriam de papar léguas em cima de léguas, tanto como nem os setenta anos, cumpridos em Janeiro, mês dos gatos, que têm sete fôlegos.



TOMAZ DE FIGUEIREDO, “Drama”, em Tiros de Espingarda (Verbo, 1984)

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